O ponto a abordar
na presente reflexão centra-se no caráter do dano anormal e a sua existência e aplicação
em alguns institutos de responsabilidade administrativa do ordenamento jurídico
português Começamos a refletir centrando-nos na positivação desta ideia de dano
anormal que requer ao aplicador que efetue um cálculo do bem comum e um juízo
de valor sobre qual o dano normal e que se deve suportar (pagar) para se viver
em sociedade.
A Lei n.º
67/2007, de 31 de Dezembro, Aprova o regime da responsabilidade civil
extracontratual do estado e demais entidades públicas (RCEEDEP), no seu artigo
2º do Anexo I deste diploma existe uma clara influência utilitarista, perigosa;
mas mais perigosa ainda é saber qual o dano normal ou expectável de se viver em
sociedade sem se oferecer quaisquer critérios para limitar o conceito. Não nos
parece que seja um infortúnio de uma má utilização da linguagem mas sim um
conceito amplo e propositadamente vago, remetendo para a criação de um espaço
de construção jurídica nos campos da dogmática da doutrina e de um
preenchimento pela jurisprudência, uma “lacuna”
latente voluntária.
Tendo feito esta
observação inicial sobre o caráter do dano anormal efetuemos agora a sua
análise jurídica strictu sensu. Tratamos
agora de aferir qual o alcance e aplicabilidade deste preceito nos institutos
de responsabilidade de direito público.
Em primeiro lugar,
e como de outro modo não poderia ser, cabe-nos refletir sobe o requisito do
caráter de anormalidade para a existência de responsabilidade pelo sacrifício
nos termos do artigo 16º deste diploma. Temos aqui uma consequência de uma
batalha entre dois princípios essências: o princípio do Estado de Direto
Democrático e por outro o princípio da socialização.
Sendo assim deve
utilizar-se o critério da proporcionalidade para resolver o conflito destes
dois princípios, critério esse bastante positivado no nosso ordenamento
jurídico (artigo 7º CPA 2015; artigo 18º nº2 e 266º nº2 da CRP). Temos então
que medir o peso do equilíbrio e da necessidade e entender qual o seu
contributo para a anormalidade do dano, de modo a entender, casuisticamente,
qual a gravidade de um dano que se insira dentro do “preço a pagar” de viver em
sociedade que merece uma tutela do direito.
Trata-se de um
instituto que visa traçar a última fronteira, nos termos do regime de
responsabilidade agora vigente, dos limites da atuação da administração, mesmo
que à primeira vista, antes desta ponderação, sejam aparentemente lícitos
dentro da lei e expectáveis de acordo com o princípio da socialização. Com isto
se tenta criar um momento de ponderação dos custos e dos benefícios do
particular com os custos e benefícios para o bem comum, em princípio de acordo
com o interesse público. É um momento em que se averigua o limite da atuação da
administração e no seu confronto com as diversas garantias dos particulares.
Em termos gerais
a construção deste conceito na jurisprudência, como aponta LOPES LUÍS, não é
uniforme, mas tende a evoluir tendencamente no mesmo sentido. Esta autora chega
mesmo a delinear índices a considerar ao aferir a anormalidade do dano,
baseando-se na jurisprudência do STA:
1.
Índice
qualitativo
2.
Índice
quantitativo
3.
Índice
temporal
4.
Índice
económico
Embora
concordando com estes índices, tendo especialmente relevo para determinar que
os danos que estão a ser aferidos, por não cumprirem com nenhum destes índices são
danos não graves (Bagattelschaden),
têm ainda um especial papel na ponderação do dano e com o custo de viver em
sociedade e a sua tutela no direito. No entanto parece-nos infeliz, mais uma
vez, o sentido que se deu à construção e preenchimento deste conceito
indeterminado, com mais conceitos indeterminados, com um grau ainda maior de
indeterminação, por parte do STA. Não que a indeterminação seja algo nefasto
mas porque quanto à existência de definições legais deve existir algum critério
que o vise faticamente e casuisticamente, de modo a que não exista uma total
liberdade de preencher este conceito com parâmetros indetermináves.
Bibliografia
LOPES LUÍS, Sandra; "Artigo 2º Danos especiais e anormais" in "O REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS; COMENTÁRIOS À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA", Coo. AMADO GOMES, Carla; PEDRO, Ricardo; SERRÃO, Tiago; AAFDL Editora, 2017, Lisboa
AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", vol. II, 3º edição, Almedina, 2016
CAUPERS, João; EIRÓ, Vera; Introdução ao Direito Administrativo; 2016 (12ª edição), Âncora Editora.
Gastão Lorena de Sèves
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