sexta-feira, 7 de abril de 2017

Uma reflexão sobre o dano anormal no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas




O ponto a abordar na presente reflexão centra-se no caráter do dano anormal e a sua existência e aplicação em alguns institutos de responsabilidade administrativa do ordenamento jurídico português Começamos a refletir centrando-nos na positivação desta ideia de dano anormal que requer ao aplicador que efetue um cálculo do bem comum e um juízo de valor sobre qual o dano normal e que se deve suportar (pagar) para se viver em sociedade.

A Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, Aprova o regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas (RCEEDEP), no seu artigo 2º do Anexo I deste diploma existe uma clara influência utilitarista, perigosa; mas mais perigosa ainda é saber qual o dano normal ou expectável de se viver em sociedade sem se oferecer quaisquer critérios para limitar o conceito. Não nos parece que seja um infortúnio de uma má utilização da linguagem mas sim um conceito amplo e propositadamente vago, remetendo para a criação de um espaço de construção jurídica nos campos da dogmática da doutrina e de um preenchimento pela jurisprudência, uma “lacuna” latente voluntária.

Tendo feito esta observação inicial sobre o caráter do dano anormal efetuemos agora a sua análise jurídica strictu sensu. Tratamos agora de aferir qual o alcance e aplicabilidade deste preceito nos institutos de responsabilidade de direito público.
Em primeiro lugar, e como de outro modo não poderia ser, cabe-nos refletir sobe o requisito do caráter de anormalidade para a existência de responsabilidade pelo sacrifício nos termos do artigo 16º deste diploma. Temos aqui uma consequência de uma batalha entre dois princípios essências: o princípio do Estado de Direto Democrático e por outro o princípio da socialização.
Sendo assim deve utilizar-se o critério da proporcionalidade para resolver o conflito destes dois princípios, critério esse bastante positivado no nosso ordenamento jurídico (artigo 7º CPA 2015; artigo 18º nº2 e 266º nº2 da CRP). Temos então que medir o peso do equilíbrio e da necessidade e entender qual o seu contributo para a anormalidade do dano, de modo a entender, casuisticamente, qual a gravidade de um dano que se insira dentro do “preço a pagar” de viver em sociedade que merece uma tutela do direito.

Trata-se de um instituto que visa traçar a última fronteira, nos termos do regime de responsabilidade agora vigente, dos limites da atuação da administração, mesmo que à primeira vista, antes desta ponderação, sejam aparentemente lícitos dentro da lei e expectáveis de acordo com o princípio da socialização. Com isto se tenta criar um momento de ponderação dos custos e dos benefícios do particular com os custos e benefícios para o bem comum, em princípio de acordo com o interesse público. É um momento em que se averigua o limite da atuação da administração e no seu confronto com as diversas garantias dos particulares.

Em termos gerais a construção deste conceito na jurisprudência, como aponta LOPES LUÍS, não é uniforme, mas tende a evoluir tendencamente no mesmo sentido. Esta autora chega mesmo a delinear índices  a considerar ao aferir a anormalidade do dano, baseando-se na jurisprudência do STA:
1.       Índice qualitativo
2.       Índice quantitativo
3.       Índice temporal
4.       Índice económico


Embora concordando com estes índices, tendo especialmente relevo para determinar que os danos que estão a ser aferidos, por não cumprirem com nenhum destes índices são danos não graves (Bagattelschaden), têm ainda um especial papel na ponderação do dano e com o custo de viver em sociedade e a sua tutela no direito. No entanto parece-nos infeliz, mais uma vez, o sentido que se deu à construção e preenchimento deste conceito indeterminado, com mais conceitos indeterminados, com um grau ainda maior de indeterminação, por parte do STA. Não que a indeterminação seja algo nefasto mas porque quanto à existência de definições legais deve existir algum critério que o vise faticamente e casuisticamente, de modo a que não exista uma total liberdade de preencher este conceito com parâmetros indetermináves.


Bibliografia

LOPES LUÍS, Sandra; "Artigo 2º Danos especiais e anormais" in "O REGIME DE RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS ENTIDADES PÚBLICAS; COMENTÁRIOS À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA", Coo. AMADO GOMES, Carla; PEDRO, Ricardo; SERRÃO, Tiago; AAFDL Editora, 2017, Lisboa

AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", vol. II, 3º edição, Almedina, 2016 


CAUPERS, João; EIRÓ, Vera; Introdução ao Direito Administrativo; 2016 (12ª edição), Âncora Editora.


Gastão Lorena de Sèves

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