sexta-feira, 21 de abril de 2017

OS MODOS PARADIGMÁTICOS DE EXERCÍCIO DO PODER ADMINISTRATIVO

A Administração Pública exerce o poder administrativo através do regulamento administrativo, do ato administrativo, do contrato administrativo e, ainda através de operações materiais.

Analisaremos, os modos paradigmáticos de exercício do poder administrativo.

O regulamento administrativo consiste em “normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”, conforme dispõe o artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA, doravante). A existência de regulamento depende de lei habilitante, ao abrigo do artigo 136.º, nº1, CPA. Existem diversas modalidades de regulamentos administrativos que podemos distinguir, em função:
  • ·         do seu objeto- podemos referir três espécies de regulamentos: de organização, de funcionamento e de polícia. Os de organização, nas palavras do Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, versam sobre a organização da “máquina administrativa”, uma vez que distribuem, pelos diversos departamentos e unidades, as funções. Os de funcionamento são, muitas vezes confundidos com os primeiros, todavia estes são responsáveis pela disciplina da vida quotidiana dos serviços públicos. Os últimos, impõem limitações à liberdade individual, com o intuito de evitar que sucedam danos, originados pela conduta dos indivíduos.
  • ·       da sua relação com a lei- podemos distinguir duas modalidades de regulamento, designadamente, os regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos de independentes ou autónomos. Os primeiros “são aqueles que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei”. Os segundos, nos termos do nº3 do artigo 136.º, são os “que visam introduzir uma disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitam”.
  • ·  do seu âmbito de aplicação- a partir do terceiro critério distinguem-se três espécies:regulamentos gerais, institucionais e locais. Os gerais vigoram em todo o território de Portugal Continental. Os locais são os que a sua vigência é delimitada pelo território, exemplificando, os regulamentos regionais – aplicáveis nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Os institucionais são os provenientes das associações ou institutos públicos, cuja aplicação se restringe aos indivíduos que estão sobre a sua jurisdição.
  • ·         da projeção da sua eficácia –este critério permite-nos distinguir entre regulamentos internos e externos. Sendo que os primeiros apenas produzem efeitos na esfera jurídica do órgão que os emana, ao passo que os segundos produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos diferentes, ou seja, produz efeitos relativamente a outras pessoas coletivas publicas ou em relação a particulares. O artigo 135º do CPA consagra esta ultima espécie de regulamento.

Ao poder regulamentar são impostos limites:
  • ·         Princípios gerais de Direito
  • ·  A Constituição – esta consagra diversas regras relativas aos regulamentos administrativos, nomeadamente, sobre a forma. A violação do disposto na constituição leva à inconstitucionalidade dos regulamentos.
  • ·         Princípios gerais de Direito Administrativo
  • ·    O princípio da legalidade (a Lei) - um ato legislativo não pode ser contrariado por regulamento - princípio da preferência de lei.Os únicos regulamentos permitidos em matérias reservadas à lei são os de execução.
  • ·      A disciplina jurídica constante de regulamentos editados por órgãos que se situem num plano superior ao do órgão que editou o regulamento.
  • ·      Proibição de regulamentos que imponham, retroativamente, deveres, encargos, ónus, sanções ou sujeições, que sejam mais gravosos e/ou restrinjam direitos ou interesses lealmente protegidos, de acordo com o disposto no artigo 141.º CPA.
  • ·       Limites de forma e de competência – A competência dos órgãos é estabelecida pela constituição e pela lei, sendo que um regulamento emanado por um órgão que não tenha competência para tal, sofrerá de ilegalidade ou inconstitucionalidade orgânica.


     O CPA consagra, também, preceitos que limitam os regulamentos em termos de eficácia      e invalidade. O artigo 143.ºprevê, no nº1, que “são inválidos os regulamentos que sejam      desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de direito administrativo ou     que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia”. No nº2            consagra outras três causas de invalidade:
  • a)    a violação de regulamentos emanados de órgãos hierarquicamente superiores ou dotados de superintendência;
  • b)    o desrespeito por regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação incluir a competência regular;
  • c)    o desrespeito pelos estatutos emanados ao abrigo da autonomia normativa nas quais se funde a competência para a respetiva emissão.


             Relativamente à competência e à forma, existem diferentes tipos de regulamento,                designadamente,
  • O regulamento do Governo – a competência regulamentar cabe ao Governo. Esta competência é atribuída pelo artigo 199.º, alínea c), da Constituição da República Portuguesa (futuramente, CRP): “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”; e, ainda pela alínea g) do mesmo artigo: “praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção de desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas”. Em regra, a competência cabe ao Ministro responsável pelo assunto em causa. Apenas nos casos expressamente previstos na Lei, o Conselho de Ministros intervém, como dispõe o artigo 201.º, nº2, alínea a), da CRP.
  • No que diz respeito à forma, o regulamento do Governo pode adotar diferentes formas:
  • ·         Decreto regulamentar – forma solene de regulamento do Governo. Artigo 112.º, nº6, CRP. Carece de aprovação do Conselho de Ministros
  • ·    A resolução do Conselho de Ministros – surge quando a competência regulamentar está a cargo do Conselho de Ministros; não são necessariamente regulamentos, podendo adotar a forma de atos administrativos ou outro tipo de atos. Carece de aprovação do Conselho de Ministros
  • ·         Portaria – ocorre quando o regulamento é emanado, em nome do Governo, por um ou mais ministros. Não necessita de aprovação do Conselho de Ministros.
  • ·        Despacho normativo – Emanado de um Ministro, desta vez não em nome do Governo, mas sim do seu Ministério.
  • ·        Despacho simples – o conteúdo pode ter matéria regulamento, contudo não é correto.

O regulamento das regiões autónomas
Quer o Governo Regional, quer a Assembleia Legislativa, têm competência para “regulamentar a legislação regional e as leis emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respetivo poder regulamentar”. Esta competência é atribuída pelo artigo 227.º, nº1, alínea d), da CRP. Ao Governo Regional cabe regulamentar a matéria da sua organização e funcionamento, nos termos do artigo 231.º, nº6, da CRP.
A forma não está consagrada na Constituição da República Portuguesa, porém, o Estatuto Político Administrativo prevê-o:
  • ·         Decreto legislativo regional – regulamentos da Assembleia legislativa regional, das leis emanadas dos órgãos de soberania que não tenham competência para regulamentar a matéria em causa.
  • ·         Decreto Regulamentar regional – regulamentos do Governo Regional.

O regulamento das autarquias locais
O artigo 241.º, da CRP, atribui competência regulamentar às Autarquias locais. O regulamento, no seguimento dos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, é a forma de legislar das Autarquias locais. O regulamento permite a esta entidade dar resposta às especificidades locais, com maior facilidade e eficiência. Trata-se de um poder regulamentar autónomo.


Analisemos agora o Contrato administrativo.
Este modo de atuação da Administração Pública tem vindo a adquirir cada vez mais relevância. A administração para prosseguir os seus interesses procura a colaboração dos particulares.
O contrato administrativo “é o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica”.
Para a celebração de um contrato administrativo não é necessário uma habilitação específica, conforme dispõe o nº3, do artigo 200.º, do CPA.
De contrato administrativo podemos distinguir o contrato público - os celebrados pela Administração Pública, independentemente de serem, ou não, regulados pelo direito administrativo.Assim, todos os contratos administrativos são públicos.

Os contratos administrativos têm classificações diversas:
  • ·Contratos entre a Administração e particulares, entre entidades públicas e só entre particulares – os contratos mais vulgares são os entre a Administração e o particular. Este tipo de contratos está previsto no Código dos Contratos Públicos (CCP, de agora em diante), na Parte III do Título II: empreitadas de obras-públicas, contratos de bens móveis e de serviços, exemplificando.
  • No caso de a parte pública ser uma entidade privada no exercício de funções materialmente administrativas podemos estar perante um contrato entre particulares.
  • Os contratos entre entidades públicas são aqueles cujas partes são, somente, pessoas coletivas públicas ou entidades que compõem a Administração Pública.
  • Contratos de colaboração e de atribuição - está em causa o critério da finalidade. Os de colaboração “são aqueles pelos quais uma das partes se obriga a proporcionar à outra uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas, mediante remuneração.”
  • O contrato de atribuição são os que têm por causa-função atribuir uma vantagem ao particular. Nestes casos a prestação relevante e essencial é a da Administração, assumindo a do particular uma posição de mera consequência.
  • Contratos de subordinação e de cooperação– está em causa a posição relativa dos contraentes no equilíbrio contratual. Nos primeiros o contraente público pode fiscalizar, modificar, sancionar e resolver, unilateralmente, o contrato. No caso dos segundos, surgem relações de igualdade entre as partes.
  • Contratos Primários e Secundários – os que regulam as situações da vida diretamente correspondem aos primários. Os secundários são os que versam sobre contratos anteriores, alterando-os ou extinguindo-os.
  • ·Contratos administrativos típicos e atípicos – os primeiros estão previstos e caracterizados na Lei, ao passo que os segundos não são referidos pela Lei, sendo que no âmbito da autonomia contratual pública a Administração pode celebrar contratos “novos”. 
  • Contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo e com objeto passível de contrato de direito privado- uns têm por objeto uma situação jurídica que poderia ser regulada por Direito administrativo. Outros têm por objeto situações jurídicas que também poderiam ser objeto de um contrato de direito privado.


        Vejamos, agora, as Operações Materiais Administrativas

As operações Materiais Administrativas definem-se como quaisquer tipos de               atuação física levada a cabo pela Administração Pública, em seu nome ou por sua conta,   para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real.”Temos, como       exemplo, deste modo de atuação da Administração Pública, os trabalhos de construção     civil efetuados para a realização de uma obra pública ou, a intervenção policial para deter   suspeitos da prática de um crime.
As “operações materiais” pressupõem a existência de uma ação física no mundo real e     são executadas por agentes da Administração Pública, no segundo supra mencionado, a polícia.

Tendo por base determinados critérios podemos distinguir diversos tipos de operações materiais administrativas:
  • ·  Estrutura – podemos identificar dois tipos de “operações”: as continuadas e as instantâneas. As primeiras prolongam-se no tempo, quer através de prestações periódicas ou de uma atuação única. As que ocorrem num único momento correspondem às instantâneas.
  • ·      Finalidade– podem visar a conservação de uma situação de facto, ou a modificação de uma situação existente, ou, ainda, a total eliminação de um objeto.
  • ·        Regime jurídico– podemos distinguir a gestão pública e a gestão privada. As de gestão pública são efetuadas no exercício de poderes públicos. As de gestão privada são as que decorrem do direito privado.
  • ·     Significado e alcance – podem, segundo este critério, ser Internas – efetivam-se no âmbito da entidade pública que as promove; ou Externas–se atingirem, fisicamente, a pessoa ou o património de outros sujeitos de direito.
  • ·       Conformidade com as leis em vigor – podemos identificar as “operações” legais e as ilegais.


As operações materiais administrativas carecem de habilitação legal. Na realização destas, a Administração Pública está sujeita aos princípios constitucionais do Direito Administrativo, aos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

Analisemos, agora, o Ato Administrativo.
O conceito de Ato administrativo surgiu como modo de delimitação de certos comportamentos da Administração, em função da fiscalização da sua atividades pelos tribunais. Primeiramente, funcionou como garantia da administração e, posteriormente, como garantia dos particulares.
A noção legal está positivada no artigo 148.º do CPA. O Ato administrativo, segundo uma definição doutrinária, consiste no “ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração, ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
No período do Estado Liberal o ato administrativo é o centro de todas as coisas. O ato administrativo permitiria a resolução de todos os problemas.
As teorias atocêntricas defendem que o ato administrativo era tudo, assumindo-se como protagonista do Direito Administrativo. A Administração impunha de forma autoritária a sua vontade aos particulares.
O Professor Marcello Caetano designa o ato como definitivo executório. Era definitivo porque definia o tal direito aplicado ao particular. Era praticado pelo governo, terminava o procedimento administrativo e definia o direito.O ato executório existia no direito substantivo, permanecendo no domínio processual, como juízo sobre o ato e não como ação.
No Estado Social e Pós-Social, as relações jurídicas passam a ser multilaterais. Uma decisão administrativa, independentemente, da forma que adote, tem uma multiplicidade de sujeitos que são afetados e que, portanto, devem ser sujeitos da relação jurídica administrativa. O Professor Doutor Francisco Paes Marques, na sua tese de doutoramento, aborda as relações jurídicas multilaterais. O Professor designa as relações jurídicas de multipolares, acrescentando, ainda, que são sinónimos de relações multilaterais epoligonais.O Professor Doutor Vasco Pereira da Silva discorda dessa nominação, todavia, admite que, no direito português, as expressões em causa são utilizadas como sinónimas, quer pelo Professor Gomes Canotilho, quer pelo Professor Sérvulo Correia.

Em suma, a Administração Pública portuguesa, em tempos, apenas prosseguia as suas funções recorrendo ao ato administrativo. Atualmente, dispõe de uma multiplicidade de formas de atuação, sendo que, deve escolher a que considerar mais correta para a satisfação do interesse em causa, tendo sempre em atenção determinados critérios, nomeadamente, os princípios gerais de direitos, a Constituição e a Lei.


Bibliografia 

AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", vol. II, 3º edição, Almedina, 2016 
Constituição da República Portuguesa, AAFDL, 2015.
Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, 2015.
Código dos Contratos Públicos 
SILVA, Vasco Pereira da, "Em Busca do Ato Administrativo"

Madalena Rosado
nº28141

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