sexta-feira, 7 de abril de 2017

Princípio da Boa Administração

 O princípio da boa administração previsto no art. 5º do novo CPA [Decreto-Lei nº 4/2015, de 7/1] é um princípio geral que decorre da alteração legal que aprovou o actual Código de Procedimento Administrativo. Este princípio encontrava-se parcialmente previsto no art.10º do CPA de 1991, conforme decorre das transcrições abaixo:

Artigo 10.º CPA (1991)
Princípio da desburocratização e da eficiência

A Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões.



Artigo 5.º CPA (2015)
Princípio da Boa Administração

1- A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.
2- Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.


    Numa primeira comparação entre estes dois artigos verificamos que, no art.10º do antigo CPA, o enfoque recaí na estruturação da Administração. A forma organizatória e procedimental da Administração estava visada nesta norma para, reflexamente, garantir as dimensões da celeridade, economicidade e de eficiência nas suas decisões. Isto é, partia-se do pressuposto que com uma Administração próxima das populações e desburocratizada estavam tuteladas as qualidades da celeridade, economicidade e eficiência nas correspondentes decisões.
    O novo CPA, vem dar primazia aos critérios de eficiência, economicidade e celeridade, num comando geral de sujeição de toda a atividade administrativa, e só depois afirma que a Administração é organizada de modo a potenciar esses fins. O que, anteriormente, se situava no âmbito do mérito ou da discricionariedade da decisão encontra-se, agora, no plano da legalidade e, consequentemente, do controlo judicial.
    Actualmente, a consagração deste princípio encontra-se longe de ser consensual, e partindo da sugestão do professor Miguel Raimundo, irei analisar a discussão em redor deste princípio em 3 pontos:

  1. Da ligação com o Direito Europeu
    Esta questão prende-se com a integração do princípio do Direito a uma Boa Administração, positivado no art.41º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) como critério de eficiência do sistema jurídico europeu no ordenamento jurídico português.


Artigo 41º da CDFUE
Direito a uma boa administração
1.   Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2.   Este direito compreende, nomeadamente:
a)
O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente;
b)
O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial;
c)
A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
3.   Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respetivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-Membros.
4.   Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.


    Da apreciação e concatenação dos dois regimes (europeu e nacional) podemos concluir que o princípio da boa administração, no sentido europeu, está assente na ideia de juridicidade e contem poucas semelhanças, com o art.5º do CPA, não obstante a «concepção teleológica da norma» – boa administração – e um conjunto de exigências bastantes heterogéneas.
    Em dissonância a CDFUE apresenta componentes da boa administração no nível procedimental como a imparcialidade, a justiça, o acesso à informação, o dever de fundamentação e a responsabilidade da administração por danos, que por sua vez, já se encontram constitucionalmente ou legalmente previstos no nosso ordenamento jurídico. Verifica-se também a falta de referência aos critérios da eficiência, economicidade e eficácia, exceptua-se o critério da celeridade previsto nº 1, parte final, do art. 41º CDFUE.
    Existe, todavia, segundo alguma doutrina, uma explicação para a discrepância entre o conceito europeu e o conceito nacional de boa administração que está relacionado com as reservas em consagrar na União Europeia, um tipo de escrutínio semelhante àquele a que a Administração é sujeita em vários ordenamentos europeus, nos quais se insere o português: '' a ideia do escrutínio relacionado com a eficiência nasce, em primeira linha, da percepção do cidadão como cliente e pagador da actividade pública. A boa administração como eficiência cumpre assim um papel de tentar conferir maior legitimidade à administração através da sua reputação de boa e diligente gestora dos recursos públicos. Ou, como tem sido defendido por uma corrente recente da doutrina norte-americana – que no entanto se funda em raízes bem antigas – a administração está colocada numa posição fiduciária face aos particulares, que lhe entregam os seus recursos para gerir, e nessa medida, tem de estar preparada para esclarecer os ''comitentes'' sobre o que faz com esses recursos e para suportar consequências se o resultado não for adequado.''[1]
    Desta forma, o postulado que a exigência da administração provém da reivindicação feita por parte dos interessados formula uma explicação possível para o carácter problemático ao nível do Direito Europeu. Pois, no atual quadro de relações entre a Administração da União Europeia e os cidadãos europeus é evidente a falta de um sentimento de pertença suficientemente forte, '' quer porque não existem mecanismos de controlo de situações de falta de eficiência das instituições europeias, quer porque os momentos de interacção direta entre os serviços da Comissão Europeia e os cidadãos são relativamente poucos (…) ''[2] ; ao que acresce o facto do funcionamento da União Europeia privilegiar o relacionamento com os Estados-Membros e não com os cidadãos em concreto.
    Assim, o conceito europeu de boa administração afigura-se como conceito natural de Administração distante dos cidadãos europeus e vago quando comparado com o princípio do art.5º CPA, nomeadamente na fase de controlo de legalidade da actuação administrativa no direito nacional.


    1. Da autonomia da boa administração como eficiência face a outros princípios
    Nesta questão é abordada a boa administração como princípio da eficiência, e tem-se em vista a análise da respetiva autonomia face a outros princípios como o da proporcionalidade. Num entendimento imediato é notória a existência de uma proximidade entre o princípio da proporcionalidade e o princípio da eficiência dado que, ambos têm em conta a adequação de meios utilizados para o alcance do respetivo fim.
   No campo das diferenças, a proporcionalidade pressupõe a sujeição de um sacrifício a um particular enquanto na eficiência esse pressuposto não é obrigatório, apesar de existirem situações em que a eficiência mede, e assume a função destinada à proporcionalidade, de limitar o sacrifício ao qual o particular é sujeito. A eficiência está ainda associada à criação de repercussões que tendencialmente se restringem ao sector público, com especial incidência na prossecução do interesse comum pelas vias contratual ou através da colaboração com os particulares.
    Não obstante, são também identificáveis zonas de sobreposição do conceito de proporcionalidade perante o controlo de eficiência, que fazem com que o parâmetro se reconduza a um conceito amplo de proporcionalidade. Porém, a ideia não é prejudicial à vigência dos dois princípios nem reconduz a autonomização do princípio da boa administração a uma inutilidade ou redundância. Pois relembra ou indica aos funcionários da Administração o carácter específico e a cautela necessária na execução das suas incumbências. A distinção também é bastante útil sob o ponto vista dos mecanismos de controlo interno e externo da actividade administrativa: '' se se quiser colocar uma entidade (como uma inspecção geral, ou o Tribunal de Contas) a controlar a razoabilidade da afectação dos fundos públicos, por se entender que essa entidade tem especiais qualificações para esse tipo de controlo, o apelo ao respeito pelo princípio da eficiência como o padrão para essa actividade de controlo recorta de uma forma exacta esse âmbito. Manifestamente, não se conseguiria um recorte adequado à especialização daquelas entidades se se dissesse que elas iriam controlar o cumprimento, pelo órgãos administrativos, dos princípios da proporcionalidade, ou da justiça''.[3]


    1. Dos limites da boa administração como eficiência enquanto parâmetro de controlo da actividade administrativa

    Esta questão envolve o funcionamento do princípio da boa administração como parâmetro de controlo de actividade administrativa, sobretudo, de controlo jurisdicional. Coloca-se a questão de determinação dos limites da actuação da função jurisdicional no exercício do controlo administrativo de forma a que não ocorra nenhuma problema de invasão da esfera de mérito da administração.
    A maioria da doutrina defende que a administração está sujeita a um dever de natureza jurídica de boa administração que a vincula a encontrar sempre a melhor opção para o interesse público; porém, este é considerado um dever jurídico imperfeito, dado que, à violação deste dever não se encontra associada nenhuma sanção jurídica.
    Porém, a doutrina portuguesa é bastante abundante em consequências jurídicas resultantes da violação do dever de boa administração tal como a responsabilidade disciplinar de funcionários ou dirigentes como resultado de uma actuação ineficiente ou como a responsabilidade civil da administração perante um terceiro. A eficiência pode fundamentar acções de impugnação ou outras acções de ''orientação e controlo dentro da estrutura administrativa, no contexto dos poderes de controlo atribuídos aos órgãos (sobretudo, ao Governo) titulares dos poderes de direção, superintendência e tutela (no caso de existir tutela de mérito) sobre outros órgãos.''[4]
    Outro aspecto defendido pela grande maioria da doutrina é o facto de os tribunais não poderem invalidar atos administrativos com fundamentação na falta de eficiência, nem conceder tutela preventiva contra actos potencialmente contrários ou insuficientemente económicos. Visto que nestes casos a função jurisdicional estaria a intrometer-se na esfera de mérito da administração.
    Ora, parece pouco justificado que a aplicação jurisdicional do princípio da boa administração se traduza numa usurpação de poderes. Veja-se o seguinte exemplo: o ''Tribunal Constitucional, para cumprir a sua missão, tem de se meter na política, porque o objeto do controlo do Tribunal, que é a lei, é um resultado da actividade política e é desta inseparável; mas meter-se na política não é o mesma coisa que fazer política.''[5]. Seguindo a mesma linha de pensamento, os tribunais que controlam a actividade da administração têm «de se meter na administração», todavia têm de fazê-lo sem nunca exercer a função administrativa. O controlo jurisdicional efetivo não é sinónimo de dupla administração nem de substituição da administração, mas é uma exigência de um Estado de Direito (art. 20º CRP) sobre a administração pública ainda que essa tutela recaía sobre o controlo de mérito, por a administração continuar em todo e sempre, sujeita ao princípio da legalidade.




Conclusão

    A inclusão do novo princípio da boa administração no novo CPA, melhora significativamente o antigo princípio da desburocratização e eficiência com inserção de critérios legais que favorecem a prossecução do interesse público. Porém, não deve fugir ao controlo da função jurisdicional, apesar de em muitas situações se encontrar no limiar da actuação administrativa e o controlo de mérito da administração, sem o perigo de resvalação em juristocracia.






[1]- RAIMUNDO, Miguel Assis; Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, AAFDL Editora, 2015, pp 274
[2]- RAIMUNDO, Miguel Assis; Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, AAFDL Editora, 2015, pp 276
[3]- RAIMUNDO, Miguel Assis; Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, AAFDL Editora, 2015, pp 281
[4]- RAIMUNDO, Miguel Assis; Comentários ao Novo Código de Procedimento Administrativo, AAFDL Editora, 2015, pp 282
[5]- NOVAIS, Jorge Reis; Em Defesa do Tribunal Constitucional, Almedina, 2014, pp 82







André de Sousa Esteves
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