sexta-feira, 7 de abril de 2017

A impressão jurisdicional da Administração Pública

A impressão jurisdicional da Administração Pública


O Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa define atos reais como condutas administrativas com carácter predominantemente fáctico, sendo ele um superconceito que abarca diversos grupos de manifestações do agir administrativo rebeldes à dissolução nas formas tradicionais da atuação administrativa.
Deste modo, distingue, dentro deste superconceito, quatro tipo de atos reais: simples atuações administrativas; atos materiais; omissões e atuações informais.
De momento, cabe-nos focar nos dois primeiros, passando a análisa-los de forma mais extensa.
Assim, para o autor, são simples atuações administrativas “os atos de administração, unilaterais, não normativos e de gestão pública, sem vocação para a produção de efeitos jurídicos próprios e que podem, quando muito, produzir efeitos jurídicos instrumentais”, considerando-as, assim, uma categoria residual em relação à do ato administrativo.
Compreende vários tipos de simples atuações administrativas, sendo, dentro de outros mais, atos de opinião, na medida em que exprimem a opinião de um órgão da Administração Pública acerca de questões de facto, podendo, entre estes, encontrar-se várias categorias: a informação burocrática, que por seu turno de destina a dar opinião, pelo subalterno, a um superior hierárquico para que este se encontre habilitado a exercer uma competência sua; o parecer, regulado nos artigos 91º e 92º do CPA, sendo ele uma opinião dada a um órgão consultivo, com o objetivo de habilitar o órgão competente a decidir e, por fim, a proposta de decisão que pese embora se identifique com o parecer, esta, para além de uma opinião, fornece a formulação textual de uma possível decisão.
Da mesma forma, define os atos exortativos como um tipo de simples atuação administrativa, na medida em que estes contêm também uma opinião, acrescentando um apelo a que essa decisão seja acatada pelo seu destinatário que, apesar de não vinculativos, podem ter explícita ou implícita a ameaça de uma reação administrativa subsequente em caso de não acatamento do apelo neles contido, como são casos as recomendações e as advertências.
Outro tipo prende-se com os atos que visam permitir o conhecimento de, ou a produção de efeitos por outros atos, tais como atos de notificação e publicação (artigos 110º ss. e 158º CPA), atas de reuniões de órgãos coletivos ou diligências procedimentais realizadas oralmente, bem como alvarás, que titulam a autorização ou licença de operações urbanísticas. Contudo, para o Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, existem atos deste tipo que são qualificáveis como verdadeiros atos administrativos, na medida em que visam também a produção de efeitos imputáveis ao seu próprio conteúdo decisório (atos certificativos e integrativos), apesar de o Supremo Tribunal Administrativo rejeitar expressamente esta qualificação, incluindo nessa rejeição os alvarás.
O autor refere-se também a declarações negociais e atos em matéria contratual, mais concretamente quanto à preparação, celebração e vigência dos contratos, considerando que a Administração Pública pratica atos unilaterais puramente jurídicos que não visam produzir efeitos jurídicos por si próprios, como é o caso dos convites a contratar, as consultas em procedimentos de negociação e o próprio ato de celebração. Contudo, não são simples atuações administrativas os atos administrativos pré-contratuais e aqueles que, praticados durante a execução dos contratos, traduzam o exercício de poderes administrativos (artigo 302º CCP).
São, da mesma forma, considerados simples atuações administrativas os atos sobre a existência, o conteúdo e a extensão do dever de executar sentenças dos tribunais administrativos, uma vez que, sob pena de esvaziamento do carácter vinculativo das decisões dos tribunais, fica subtraído a Administração Pública qualquer possibilidade de se exprimir imperativamente acerca da existência do dever de executar, do seu conteúdo ou da sua extensão, sendo que um ato com tal objetivo que a Administração pretenda dotar de imperatividade é nulo, nos termos do artigo 161º/2 alínea i).
Por fim, os atos praticados em juízo são também eles tipos de simples atuações administrativas, sendo que, quando é parte em processo jurisdicional, a Administração Pública pratica atos unilaterais que visam sustentar a sua posição perante o tribunal, habilitando-o a decidir a questão que lhe foi suscitada, encontrando nesta categoria os articulados, os requerimentos e as alegações processuais. Contudo, atos praticados em juízo que produzem efeitos jurídicos por si, não podem ser considerados simples atuações administrativas.
No geral, as simples atuações administrativas não possuem um regime jurídico geral ou sequer uniforme, estando, no entanto, sujeitas aos princípios fundamentais da atividade administrativa, em especial o princípio da legalidade, nas suas duas vertentes da preferência e reserva de lei.
Naquilo que não sejam especialmente reguladas, podem aplicar-se analogamente os aspetos do regime do ato administrativo (na sua maioria, as normas relativas aos vícios e desvalores), que não pressuponham a produção de efeitos próprios.
Já em relação aos atos materiais, o Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa define-os como “condutas voluntárias da Administração Pública suscetíveis de apreensão sensorial direta”.
Sendo que, em certas situações, para que se possa atingir um determinado resultado não é suficiente um único ato material, determina-se que o conjunto de atos materiais unificados pela prossecução do mesmo objetivo são designados como operações materiais, sendo elas a única forma da atividade administrativa que se projeta direta e exclusivamente no mundo físico. Enquanto que, para o Prof. Dr. Freitas do Amaral, são operações materiais “quaisquer tipos de atuação física levada a cabo pelo Administração pública, ou em seu nome ou por sua conta, para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real”.
Estes podem ser funcionais ou pessoais, consoante forem praticados por um titular de órgão ou trabalhador administrativo no exercício das suas funções e por causa delas, imputáveis a uma pessoa coletiva administrativa ou, por sua vez, imputáveis à esfera privada de um titular de órgão ou trabalhador administrativo.
Os atos materiais são necessários à efetuação de todas as tarefas administrativas, por entidade públicas ou privadas, surgindo em todos os âmbitos da Administração Pública em sentido material e em todos os ramos e direito administrativo especial. Deste modo, são a única forma de atividade administrativa eventualmente capaz de rivalizar com o ato administrativo em termos de frequência estatística.
Assim, os atos materiais podem ser, do ponto de vista do Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, positivos ou negativos, quando se trata de ações ou omissões; podem ser internos ou externos, quando se relacionam com o funcionamento quotidiano do aparelho administrativo ou quando dizem respeito a relações entre sujeitos jurídicos; podem ser jurídicos, quando produzem efeitos de direito, como é o caso dos que envolvem de forma imediata o exercício de poderes, o cumprimento de deveres e a sua violação, bem como aqueles dos quais resulte a constituição, extinção ou modificação de situações jurídicas, ou podem ser não jurídicos, como é o caso geral dos atos materiais instrumentais.
Podem também ser instrumentais, quando praticados no decurso do funcionamento normal e quotidiano da Administração Pública, sem que tenha uma ligação direta com outros atos jurídico-públicos; podem ser preparatórios, se praticados no decurso de um procedimento administrativo, visando a manifestação da vontade da Administração Pública através da emissão de um ato administrativo, regulamento ou da celebração de um contrato; podendo igualmente ser de execução se efetivam de modo prático uma decisão anteriormente tomada; podem ser de coação direta, quando aplicam diretamente normas jurídicas legais ou regulamentos, sem mediação de uma decisão vertida num ato administrativo per si ou podem, por fim, ser atos de gestão pública ou privada.
Enquanto que o Prof. Dr. Freitas do Amaral divide as operações materiais em relação à sua estrutura, classificando-as como instantâneas, quando ocorrem num único momento, ou como continuadas quando se prolongam no tempo, assumindo o nome de atividade.
Em razão do seu fim, determina que estas podem visar a conservação de uma dada situação de facto, ou a modificação, parcial ou total (eliminação), de uma situação já existente.
Relativamente ao seu regime jurídico, refere as operações de gestão pública, efetuadas em regra no exercício de poderes públicos ou no cumprimento de deveres públicos, destacando as operações materiais coativas, bem como refere as operações de gestão privada, que decorrem sob a égide do direito privado.
Quanto ao seu significado e alcance, podem ser internas, ou seja, dentro da entidade pública que as promove, ou externas, que são favoráveis a particulares.
Por fim, quanto à sua conformidade com as leis em vigor, podem ser legais ou ilegais, podendo, no caso das últimas, ser ilícitas se violarem ou sacrificarem, sem fundamento jurídico bastante, os direitos de terceiro, sendo então fonte de responsabilidade civil, sem embrago de outras formas de responsabilidade que no caso couberem.
Os atos materiais estão também eles submetidos aos princípios fundamentais da atividade administrativa e às normas legais que concretizem preceitos constitucionais, considerando que o princípio da proporcionalidade assume uma importância fundamental neste campo, pois, ao contrário do que sucede com os atos puramente jurídicos, a atividade administrativa material pode produzir modificações físicas irreversíveis e causar danos de difícil ou impossível reparação para os particulares, sendo, então, o direito de resistência o último reduto da garantia das posições jurídicas subjetivas dos particulares contra os atos materiais ilegais da Administração.
Assim, a lei enfatiza a vinculação da Administração Pública ao princípio da proporcionalidade a propósito da execução dos atos administrativos através dos atos materiais.

Bibliografia:

  • FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 2016 (3ª edição), Almeida. 
  • REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO MATOS, André; Direito Administrativo Geral: Tomo I Introdução e Princípios Fundamentais; 2008 (3ª edição), D. Quixote.
Ricardo Silva, nº28531

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