O texto que se
segue pretende expor, de forma sucinta e concisa, as várias visões
históricas relativas ao procedimento administrativo.
O procedimento
administrativo é, segundo o artigo 1º do Código do Procedimento Administrativo,
a sucessão ordenada de atos e
formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos
órgãos da Administração Pública. Segundo o Professor Vasco Pereira da
Silva, esta definição dada pelo legislador é não só uma visão ultrapassada do
procedimento como também uma das justificações utilizadas para explicar
decisões criticáveis por parte da Administração[1].
Em
termos históricos, existem três construções fundamentais de doutrina
jus-administrativa relativas a questões procedimentais. A primeira construção,
na perspetiva do Professor Vasco Pereira da Silva, é a negacionista da
autonomia do procedimento e corresponde à opinião dominante no direito francês.
Segundo esta clássica visão de origem jurisprudencial, o procedimento
administrativo não é valorizado na tomada de decisões, ou seja, há uma
desconsideração – ou, em alguns casos, secundarização - da relevância autónoma
do procedimento e privilegia-se a visão contenciosa de análise do Direito
Administrativo. Assim, o legislador não se preocupa com o procedimento
administrativo, concentra-se, antes, no ato e processo administrativos: o ato
administrativo - centro do direito administrativo - é a única realidade que
releva no processo administrativo, processo este que serve para anular atos
administrativos. Uma das consequências necessárias desta corrente é o descurar
do procedimento administrativo pois, quando considerado (porque pode não o
ser), serve apenas para explicar a formação da decisão final da Administração
enquanto instrumento ao serviço do ato administrativo.
Em segundo
lugar, cabe-nos referir outra construção dos primórdios do direito
administrativo que tem por base o positivismo jurídico dos finais do século XIX.
Segundo esta corrente, representada por um grande setor das doutrinas austríaca
e alemã – embora que com algumas diferenças -, o poder administrativo e o poder
jurisdicional são equiparáveis na medida em que ambos correspondem a funções
secundárias e derivadas que concretizam a vontade da lei. Consequentemente, e
seguindo esta linha de pensamento, processo e procedimento são igualmente
equiparados e este último é visto como uma realidade de natureza processual –
doutrina defendida, em Portugal, pelo Professor Marcelo Caetano, por toda a
Escola de Lisboa dos anos 60/70 e ainda, mais recentemente, pelo Professor
Freitas do Amaral. Segundo Mario Nigro, há uma “deslocação do centro de
gravidade da atividade: do ato administrativo (…) para o próprio iter formação da decisão”[2],
o que significa que “o procedimento deixa de ser visto em função do ato final para
passar a ser considerado em si mesmo, enquanto manifestação genuína e
específica da atividade administrativa”[3].
A dogmática austríaca é uma das pioneiras na valorização teórica e prática do
procedimento administrativo, facto que se verifica no elevado nível de detalhe –
e extensão - do seu Código de Processo Administrativo. Na Alemanha, o
procedimento administrativo é alvo de grande discussão doutrinária, pelo que o
objetivo da dogmática alemã é encontrar uma solução que equilibre e conjugue o
procedimento, o direito material e a proteção judicial, tendo em conta a dupla
dimensão do procedimento, tanto enquanto instrumento de correção e legitimidade
da atuação administrativa, como meio de defesa do cidadão perante autoridades administrativas.
A
terceira posição é, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, aquela que o
legislador português parece ter adotado em 2015: a da autonomia limitada do
procedimento em relação às formas de atuação administrativa. Tendo por base o
suprarreferido artigo do CPA, podemos concluir que o procedimento não é
valorado enquanto tal, na medida em que se destina à execução da vontade dos
órgãos da Administração Pública. Assim, ainda que relativamente às construções
anteriores tenha alguma autonomia, essa autonomia é muito relativa pois surge
como uma realidade funcionalmente subordinada, especialmente ao ato
administrativo. Segundo Sandulli[4],
o procedimento é “uma sucessão coordenada de atos preordenados em relação a um
fim unitário”; esta noção é elaborada em razão do produto final da atuação administrativa
que é, na maior parte das vezes, um ato administrativo. Assim, para Sandulli, o
procedimento tanto é um fenómeno autónomo como uma realidade funcionalmente
subordinada às formas de atuação da Administração.
Para
o Professor Vasco Pereira da Silva, a orientação mais correta e atual é a que valoriza
autonomamente o procedimento como uma realidade que vale por si mesma. Deste
modo, quando forem preteridas as regras procedimentais, a única consequência
admissível é a de considerar a invalidade do ato administrativo. De acordo com
este ponto de vista, o procedimento não conduz única e exclusivamente a um
produto final nem funciona como um simples instrumento formal; é, antes, um
instrumento de democratização e legitimidade da Administração Pública.
Carolina Miguel Pedro Ferreira
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[1] AMARAL, Diogo
Freitas do; Direito
Administrativo, volume III, Lisboa, 1989;
[2] NIGRO,
Mario; Diritto Amministrativo e Processo
Amministrativo nel Bilancio di Dieci Anni di Giurisprudenza, in ALLEGRETTI /
BATTAGLINI / SORACE - Diritto
Amministrativo e Giustizia Amministrativa nel Bilancio di un Decennio di
Giurisprudenza, tomo II, Maggioli Editore, Rimini, 1987;
[3] SILVA,
Vasco Pereira da; Em busca do ato
administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1998;
[4] SANDULLI,
Aldo; Il Procedimento Amministrativo,
volume I, XV edição, Jovene, Napoli, 1989;
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