1) Introdução
O presente texto pretende ocupar-se
da inovação (ou não) da figura do auxílio administrativo no Novo Código
do Procedimento Administrativo português e sua expressão. O legislador decidiu
rever o antigo Código do Procedimento Administrativo (CPA). Desta inicial
pretensão de revisão resultou, no final, uma revogação do antigo diploma e a
criação de um novo código.
Há quem reconheça traços de
continuidade, mas a maioria dos autores defendem que se identificam um conjunto
expressivo de alterações que deram origem ao Novo CPA. Uma das alterações é,
inevitavelmente, a figura do auxílio administrativo.
O legislador português, inspirado
pelo regime alemão, decidiu autonomizar um artigo no novo CPA que regula as
situações em que um órgão da Administração Pública (AP) pode pedir a
intervenção no procedimento administrativo de qualquer outro órgão da AP, por
exemplo, quando este último tenha um melhor conhecimento da matéria relevante
ou tenha em seu poder documentos ou elementos necessários à preparação da
decisão.
De alguma forma, esta figura,
enquadrada no novo paradigma administrativo que aposta na cooperação e
colaboração, quer entre os órgãos da AP, quer entre a AP e os particulares,
consubstancia um importante progresso em termos de especialização,
sectorialização e eficiências administrativas.
Não obstante dessas vantagens, os
juristas temem que esta técnica legislativa utilizada para consagra este
instituto no novo CPA diminua os efeitos úteis que à partida dele se poderiam
retirar. O uso excessivo de conceitos indeterminados, a falta de clareza e a
existência de lacunas no regime do art. 66º comportam, per si, um obstáculo
enorme à sua aplicação na atividade administrativa.
Este pequeno estudo tem por base a
leitura de um comentário do Professor Doutor Rui Tavares Lanceiro acerca do
instituto, em Comentários ao Novo Código
do Procedimento Administrativo e um artigo da Mestre Ana Rita Babo Pinto.
2)
Uma
verdadeira inovação no novo CPA?
Muitas foram as inovações que o
novo CPA trouxe para o nosso ordenamento jurídico. Mas é certo que não podemos
ignorar o artigo 92º previsto no antigo CPA, que consagrava o seguinte:
Artigo 92.º
Realização de diligências por outros serviços - [revogado -
Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro]
O órgão instrutor pode solicitar a realização de diligências de
prova a outros serviços da administração central, regional ou local, quando
elas não possam ser por si efectuadas.
Na verdade, o órgão instrutor a
par do poder previsto no nº3, do artigo 86, podia solicitar a colaboração de
outros serviços da administração central, regional e local para a realização de
diligencias probatórias.
Acontece que “Enquanto em relação àqueles primeiros, o poder de lhes solicitar a
realização destas diligencias advém de uma relação hierárquica ou similar,
já o poder de as solicitar a outros serviços resulta de uma relação
«horizontal», atípica aliás» [MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE
AMORIM, Código Procedimento Anotado Comentado]. Não podemos esquecer
outras disposições do antigo CPA, nomeadamente os artigos 56, 57, 90, 94, nº2
que, de uma forma ou de outra, incitam à colaboração entre os órgãos na fase de
instrução, incentivando a criação de uma AP mais especializada, sectorial e
eficiente.
Consequentemente, não podemos
considerar que a consagração desta cooperação horizontal entre os órgãos da AP
seja uma novidade no nosso ordenamento jurídico, como aliás, o próprio
legislador o reconheceu no ponto 9 do preambulo do novo CPA, “O artigo 92.º do anterior Código é eliminado
porque, na realidade, ele respeita ao auxílio administrativo, mas apenas no
âmbito demasiado restrito da realização de diligências de prova”.
A vicissitude administrativa tida
como certa é o modo como isto estava previsto no CPA de 1991 e o modo como se
encontra agora regulada no CPA de 2015.
- Em primeiro lugar, porque passamos de uma panóplia de disposições dispersas, para a densificação num único artigo.
- E, em segundo lugar, porque, enquanto o art.92.º do antigo CPA apenas consagrava esta forma de cooperação para o âmbito restrito da realização de diligências de prova que ocorriam na fase da instrução do procedimento, o novo Código alarga esse âmbito
3)
O auxílio administrativo no Novo CPA
3.1. A lei alemã do procedimento administrativo que serve de inspiração ao regime
(n.º 1 do artigo 5.º)
O Professor Rui Tavares Lanceiro
revela que “a inspiração declarada do
regime do auxílio administrativo é o instituto do Amtshilfe”,
presente no ordenamento jus-administrativo alemão e que provém de uma imposição
da constituição alemã. Na verdade, o art. 35º do texto constitucional alemão
vem “afirmar mesmo na ausência de lei ou
de contrato que o prevejam, a existência de um dever de cooperação entre
autoridades”. Assim, as autoridades devem auxiliar-se reciprocamente por
dever de ofício.
Seguindo então o conselho do
Professor, devemos proceder a uma descrição deste regime, uma vez que pode
fornecer pistas quanto à ratio do regime português e à inspiração do legislador,
por um lado, e por outro lado, pode permitir encontrar fragilidades e problemas
na sua aplicação.
O regime da Amtshilfe foi
consagrado no âmbito do poder discricionário da AP e aplica-se apenas aos casos
em que a lei não preveja um outro regime legal específico. No artigo 5º, nº1,
da Verwaltungsverfahrensgesetz (VwVfG)
encontramos as razões pelas quais uma autoridade pode solicitar o auxílio
administrativo, nomeadamente: 1) quando, por razões legais, a autoridade não o
possa fazer; 2) quando a autoridade não disponha de recursos necessários, quer
humanos quer técnicos; 3) quando a autoridade necessite de ser instruída para
conseguir desempenhar corretamente as suas tarefas, porque desconhece e não
consegue obter determinado tipo de informações; 4) quando a autoridade
necessite de competências, documentos, meios de prova que se encontram na posse
da autoridade requerida, 5) quando a autoridade requerente para emitir o ato
tivesse que fazer um esforço significativamente maior do que a autoridade requerida.
No nº2 prevê-se a possibilidade
de a autoridade requerida poder negar-se, após análise do pedido de auxílio, de
prestar assistência por motivos legais ou se isso comportar desvantagens
significativas para a Federação ou um dos seus estados federados. A autoridade
requerida poderá também não aceitar o pedido de auxílio se outra entidade o
puder prestar com mais facilidade, menos esforço ou custos; ou quando isso
ponha seriamente em perigo o cumprimento das suas funções, tendo em conta as
tarefas solicitadas pela autoridade requerente (artigo 5º, nº3). Pode ainda
recusar o pedido tendo por base outra ordem de razões que não as previstas na
lei ou por o considerar inadequado (artigo 5º, nº4). Por fim, no nº5,
consagrasse o dever de notificação da autoridade requerida à requerente, no
caso de recusa de assistência.
No artigo 6.º da VwVfG,
encontramos os critérios para escolher a entidade a quem é solicitado o
auxílio. No artigo 7.º, encontramos a determinação da lei aplicável à atividade
do auxílio, sendo que “a execução do
pedido é regulada pela lei aplicável ao órgão auxiliar, a admissibilidade
da medida executada através da Amtshilfe é aferida à luz da lei aplicável à
entidade auxiliada (artigo 7º, nº1, da VwVfG) A autoridade auxiliada é responsável
pela legalidade da medida a ser tomada face à entidade auxiliar, embora esta última
seja responsável pela execução da Amtshilfe (artigo 7.º, nº2). Por fim, o
artigo 8.º refere-se à imputação e distribuição dos custos que o auxílio
comporta.
3.2. Regime legal do auxílio administrativo no novo CPA
O regime alemão é, sem dúvida, a
base de inspiração do artigo 66º do novo CPA.
O artigo 66.º aplica-se “para além dos casos em que a lei imponha a
intervenção de outros órgãos no procedimento”. Daqui se depreende que
sempre que houver um outro regime específico que preveja a obrigatoriedade de
consultar um outro órgão da AP, afasta-se a aplicação do artigo 66.º do novo
CPA.
Logo de seguida, no nº1,
considera-se capaz de solicitar o auxílio administrativo o órgão competente para a decisão final. A iniciativa, para além de
poder ser sua, poderá também caber ao responsável pela direção do procedimento
ou aos próprios particulares que fazem parte da relação jurídica procedimental
ou aos próprios particulares que fazem parte da relação jurídica procedimental em causa. A relação jurídica
procedimental é constituída pelos sujeitos elencados no artigo 65º do novo CPA.
No que toca aos particulares, temos de conjugar a alínea c) do nº1 do artigo
65º com o artigo 68º do novo CPA, que consagra a legitimidade procedimental dos
particulares.
Por sua vez, “quaisquer outros órgãos da Administração
Pública” podem prestar o auxílio administrativo, consagrando-se aqui um
critério mais vasto, mas, mesmo assim, não tao amplo como o alemão. Na lei
procedimental administrativa alemã, fixa-se um critério mais abrangente,
falando-se quer em “autoridade requerente”
que em “autoridade requerida”.
O auxílio administrativo
português pode ser solicitado em três situações: a) uma investigação seja
necessária e outro órgão da Administração Pública tenha competência exclusiva
ou conhecimento aprofundado na matéria [art. 66º, nº1, al.a) CPA]; b) outro
órgão da Administração Pública tenha documentos/dados necessários à decisão
[art.66º, nº1, al.b) CPA]; c) quando sejam necessários meios técnicos ou
humanos de que órgão competente não disponha [art.66º, nº1, al.c) CPA].
Estas hipóteses não se
diferenciam muito das consagradas no regime alemão. Comparando os dois
ordenamentos jurídicos, o regime português apenas não previu a hipótese de a
autoridade solicitar o auxilio quando a autoridade requerida tivesse de fazer
um esforço significativamente menor para emitir o ato que a autoridade
requerente. As outras hipóteses parecem contempladas na norma portuguesa.
No n.º 2 estabelecem-se as
garantias de sigilo, por remissão para o regime de acesso aos documentos
administrativos.
No n.º3 prevê-se a situação (não
prevista no regime alemão) de recusa do auxílio administrativo solicitado ou de
dilação excessiva na sua prestação. Sem uma solução para o efeito, o auxílio
administrativo não passaria de uma “intenção
piedosa” como entende o legislador português. Mais uma vez, em lugar de
conceber um regime ex novo, remeteu-se para a competência decisória que o Código
define no domínio dos conflitos de jurisdição e de competência.
3.3. Comparação de regimes: a incompletude do regime português
Comparando o regime alemão com o
português, podemos dizer que o nosso
legislador não previu critérios para:
- determinar quando é que a entidade solicitada pode recusar prestar o auxílio administrativo (nºs 2, 3, 4 do art.5º da VwVtG);
- regular a forma como deve ser feita a notificação dessa recusa (nº5 do art.5º da VwVfG), nem fixou critérios para escolher a entidade a quem deve ser solicitado o auxílio (como no art.6 da VwVfaG);
- determinar a lei aplicável à atividade do auxílio e aos custos associados a esta figura, não existindo também normas semelhantes às dos artigos 7º e 8º da lei procedimental alemã, respetivamente.
Parece que o legislador
português, ao consagrar o regime do auxílio administrativo no novo CPA, não foi
tão longe quanto o alemão, essencialmente em 3 patamares legislativos.
- Não aproveitou a consagração do auxilio administrativo no art.66º para o coordenar com a legislação europeia que existe sobre esta matéria. A Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno prevê a instauração de uma cooperação administrativa efetiva entre os Estados membros.
- Para além disso, não encontramos, na nossa lei fundamental portuguesa, um preceito constitucional expresso de cooperação interinstitucional entre órgãos que prossigam o interesse público, como encontramos no art.35º do texto constitucional alemão. Não obstante, poderá eventualmente encontrar-se essa cooperação na segunda parte do nº2 do artigo 267º da CRP, quando se diz que tem de existir uma “necessária eficácia e unidade de ação da Administração”. Na verdade, ver a AP como um todo pode indiretamente remeter para a ideia de colaboração entre os órgãos.
- O último patamar prende-se com a legislação ordinária. Na verdade, o novo CPA não consagra nos seus princípios gerias um dever de colaboração entre os órgãos administrativos. O novo CPA, à semelhança do anterior, continua sem prever uma norma que consagre a cooperação horizontal entre os órgãos da AP.
3.4. Principais dificuldades do regime do
auxílio administrativo no novo CPA
a)
A existência (ou não) de um dever de solicitar o
auxílio administrativo
O art. 92º do antigo CPA dizia que o “órgão instrutor pode” e o atual artigo 66º do CPA diz
que o “órgão competente para a decisão final deve”. Questiona-se, por isso, se, atualmente, o órgão competente
para a decisão final tem o dever de solicitar auxílio administrativo, sempre
que se encontram verificados os pressupostos do art.66º. Na verdade, a resposta
figura-se negativa, essencialmente, por 3 motivos.
- Em primeiro lugar, o facto do artigo 66º começar por afastar a aplicação do regime do auxílio administrativo aos casos em que “a lei imponha a intervenção de outros órgãos no procedimento”, hipóteses estas que serão tratadas num regime específico. E, portanto, neste caso, os critérios para decidir solicitar ou não o auxilio passarão por apurar a sua conveniência ou oportunidade e a decisão da AP será, por isso, claramente discricionária.
- Outra questão: tendo sido proposto o auxílio administrativo pelo responsável pela direção ou pelo particular, poderá o órgão competente para a decisão optar por não o solicitar na mesma. A resposta é afirmativa. A discricionariedade aqui manifesta-se nas “formalidades a observar na prestação ou prática do ato administrativo” consistirá sempre na atribuição de um poder de escolha à AP, neste caso, solicitar ou não o auxilio, independentemente de quem o requereu. Como diz Rui Tavares Lanceiro, “nenhum órgão está sujeito a um dever de pedido de auxílio, nem um sujeito privado pode obrigar o órgão administrativo a pedir auxilio”.
- Nas situações elencadas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 66º, predomina o uso dos conceitos indeterminados, tipicamente usados em zonas de discricionariedade administrativa.
b)
Os órgãos competentes para solicitar e prestar o
auxílio administrativo
Para solicitar o auxílio administrativo, é
competente o órgão que tiver de emitir a decisão final do procedimento. Ora,
para aferir quais são os órgãos competentes para a tomada de decisões, voltamos
ao artigo 65º do novo CPA, que regula a relação jurídica procedimental. A
alínea a) do nº1 diz-nos que são “os
órgãos das entidades referidas no nº1 do artigo 2”, que por sua vez
consagra que serão órgãos competentes para decidir “quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no
exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de
direito administrativo”.
Para prestar auxílio administrativo, o critério
é o conforme com o nº4 do mesmo artigo nº2, a saber “a) os órgãos do Estado e das regiões autónimas que exercem funções
administrativas a título principal; b) as autarquias locais e sias associações
e federações de direito público; c) as entidades administrativas independentes;
d) os institutos públicos e as associações públicas”.
Neste caso, o número de órgãos competentes para
solicitar o auxílio seria maior do que aqueles que o poderiam prestar.
Atendendo a que o legislador português se inspirou no
regime alemão, acérrimo defensor de uma cooperação interinstitucional entre
órgãos e pessoas coletivas públicas; há autores que defendem, e bem a meu ver,
que deve ser adotado o critério do nº1 do artigo 2º do novo CPA para aferir não
só a competência do órgão requerente como do requerido. O critério do artigo
2º, nº1 também deve ser utilizado para aferir o órgão competente para prestar o
auxílio. Não há, na verdade, qualquer motivo para considerar apenas os órgãos
da AP competentes para prestar auxílios administrativos.
c)
O prazo útil
O legislador português no regime do auxílio
administrativo não consagrou um prazo concreto dentro do qual o auxílio
administrativo deve ser prestado, tendo optado, ao invés, por consagrar a
expressão “prazo útil”. Desta
escolha, surgem vários problemas, essencialmente por se estar mais uma vez
perante um conceito indeterminado.
- O primeiro problema prende-se com o facto de ser o órgão competente para a decisão final o responsável por fixar um prazo que considere útil. Tendo a noção de que o órgão não se encontra munido das capacidades técnicas ou das informações necessária para tomar uma decisão sobre essa matéria no procedimento administrativo, em que medida é que conseguirá fixar um prazo razoável e proporcional? Certamente que o órgão requerido saberá, melhor que qualquer outro, os recursos que pode alocar àquela tarefa, o tempo que aquela questão lhe tomará ou que necessitará para arranjar determinado tipo de informação.
- Daqui surge outra questão. Tendo o órgão incumprido o prazo, poderá inicialmente requerer algum tipo de prorrogação? Esta situação não está prevista no artigo 66º do novo CPA. Em principio, o órgão poderá fazê-lo, desde que justifique fundamentalmente esse pedido.
- Resta alertar o facto de o prazo útil ter de ser sempre conjugado com a norma prevista no art.128º do novo CPA que consagra um prazo máximo de 90 dias para ser tomada uma decisão final no procedimento em causa. Ora, para além deste prazo geral, encontram-se outros fixados neste diploma, por exemplo no nº3 do artigo 92 do novo CPA, regra geral, “os pareceres são emitidos no prazo de 30 dias”. Este e outros prazos conjugados poderá resultar na fixação de um prazo bastante curto para a prestação do auxílio administrativo.
d)
As alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 66º do
novo CPA
O auxílio administrativo pode ser requerido no caso de
se verificar uma das três situações taxativas
e previstas nas alíneas do nº1 do artigo 66º do novo CPA. Estas situações,
tendo sido formuladas essencialmente com base em conceitos indeterminados
colocarão seguramente inúmeras questões aos seus intérpretes.
A alínea a) do nº1 do artigo 66º do novo CPA
diz-nos que o auxílio administrativo pode ser pedido quando o órgão solicitado
tenha “melhor conhecimento da matéria
relevante exija uma investigação para a qual o órgão a quem é dirigida a
solicitação disponha de competência exclusiva ou de conhecimentos aprofundados
aos quais o órgão solicitante não tenha acesso”.
Há que distinguir nesta alínea duas situações: a
primeira é a hipótese em que o órgão solicitado tem a competência exclusiva para investigar sobre aquela matéria e isso
só poderá decorrer de uma obrigação legal.
E quando a obrigação legal atribuir essa competência a vários órgãos? Como
escolher dentro do leque de órgãos? Dúvida esta que carece de critérios
definidos pela lei sobre como escolher a entidade requerida.
A segunda hipótese prende-se com as situações em que o
órgão a quem é solicitado o auxilio dispõe e conhecimentos aprofundados aos
quais o órgão solicitante não tenha acesso. Complicado é definir o que
significará ter o melhor conhecimento.
Não tendo órgão competente para emitir a
decisão final conhecimento especializado naquela matéria, como poderá decidir
qual é a entidade mais adequada para a investigar?
Para além disso, que conhecimentos poderão os outros
órgão ter aos quais o órgão solicitante não possa aceder? Ter-se-á de encontrar
um critério que nos permita compreende melhor o que está aqui em causa. Está-se
no âmbito do conceito de kwow-how? Ou seja, o facto de determinada entidade ter
técnica, conhecimento ou determinado tipo de capacidade especialmente
desenvolvida para investigar sobre determinado tipo de matérias? Este será
outro aspeto que a jurisprudência e a doutrina terão que desenvolver.
O auxílio administrativo também poderá ser requerido
quando “o órgão a quem é dirigida a
solicitação tenha em seu poder documentos ou dados cujo conhecimento seja
necessário à preparação da decisão” (alínea b)). Neste caso, o órgão
competente para a decisão final não precisa que o órgão requerido proceda a uma
investigação, mas que lhe forneça informações. Certamente será uma situação em
que se poderá fixar um prazo útil mais curto. Aqui, no acesso a informações e
documentos, terá necessariamente de se compatibilizar a alínea b) com o nº2 do
artigo 66º do novo CPA (e com a LADA).
Por fim, segundo a alínea c), pode ainda requerer-se
auxílio administrativo quando “a
instrução requeira a intervenção de pessoal ou o emprego de meios técnicos de
que o órgão competente para a decisão final não disponha”. Aqui importará
perceber quando é que o órgão competente para a decisão final está efetivamente
com falta de pessoal ou recursos técnicos. Para isso ficar claro, o órgão
requerente terá de expor essa fundamentação no pedido onde solicita o auxílio.
Mas que limite poderá definir essa fronteira entre ter falta ou não de recursos
humanos e/ou técnicos?
Em suma, apesar dos critérios fixados no novo CPA sere
indeterminados, podemos dize que o auxílio administrativo pode ser requerido em
situações em que o órgão solicitado tem competência exclusiva sobre aquelas
matérias; ou apresenta um know-how amplamente reconhecido ou, ainda, um acesso
mais amplo a determinado tipo de documentos, informações, meios técnicos ou
recursos humanos.
e)
A responsabilização do órgão prestador do
auxílio administrativo
O órgão competente para a decisão final não tem o
dever de solicitar o auxílio administrativo; mas, se o fizer, terá o órgão
requerido o dever de prestar esse mesmo auxílio? O Novo CPA não optou por
prever essa situação, contrariamente ao que sucede no regime alemão.
De facto, o artigo 66º consagra uma zona de
discricionariedade. As alíneas do nº1 do artigo 66º do novo CPA permitem que o
órgão a quem foi solicitado tenha uma interpretação diferente do órgão
requerente e considere que não tem competência exclusiva, não detém os
necessários conhecimentos, não pode prestar as informações com base no artigo
6º da LADA ou que o órgão competente para a decisão final efetivamente tem
pessoal e meios técnicos suficientes.
Em segundo lugar porque, como diz Rui Tavares
Lanceiro, “o dever de auxílio opera
dentro dos limites das competências e atribuições do órgão em causa (princípio
da legalidade e artigo 94º, nº2, do CPA) e na medida em que o pedido seja
razoável (princípio da cooperação e principio da proporcionalidade)”.
Caso opte por recusar o pedido de auxílio, o órgão
requerido deve notificar a autoridade requerente. Mais uma vez, isso não está
previso no art.66º do novo CPA, contrariamente ao que se verifica no regime
alemão (artigo 5º, nº5 da VwVfG).
Perante uma recusa ou uma dilação, deve aplicar-se o
nº3 do artigo 66º do novo CPA que determina que a autoridade competente para
dirimir o litígio será aquela que for competente “para a resolução de conflitos de atribuições ou de competência entre os
órgãos solicitante e solicitado ou, não a havendo, por órgão que exerça poderes
de direção, superintendência ou tutela sobre o órgão solicitado”.
Este nº3 levanta de facto algumas questões que terão
de ser resolvidas em conjugação como artigo 51º do novo CPA. Afinal a
autoridade que é competente é a que tem competência para a resolução de
conflitos de atribuições ou competências? Segundo Rui Tavares
Lanceiro, deverá aplicar-se o nº2 do artigo 51º quando os órgãos sejam da mesma
pessoa coletiva; e o nº1 do artigo 51º quando pertençam a pessoas coletivas ou
ministérios diferentes. No caso do nº1 do artigo 51º, quando a competência
couber aos tribunais administrativos e fiscais, sem dúvida que a celeridade e
eficiência do procedimento administrativo serão postos em causa.
Claro que este problema seria muito mais facilmente
ultrapassado, se o legislador português, tal como o alemão, tivesse previsto
situações em que o órgão requerido pode recusar a prestação do auxílio. Aí, o
domínio de análise seria muito mais na fronteira da legalidade do que da
discricionariedade. Não se verificando situação semelhante, há que procurar
novos caminhos. Esses caminhos passam por aceitar a compatibilização da
intervenção dos órgãos com poder de direção na resolução de litígios de recusa
ou dilação da prestação do auxílio administrativo.
4. Conclusão
O novo Código de Procedimento
Administrativo introduz de facto novidades no ordenamento jurídico português,
no entanto, em sede do instituto do auxílio administrativo muitas foram as
questões deixadas em aberto. Não deixa de ser louvável o esforço do legislador
em formular um novo instituto no CPA 2015, até porque vem concretizar um
incentivo à cooperação interinstitucional, importantíssimo para criar uma
administração publica mais eficiente e qualificada.
Apesar de o legislador ter optado
pela densificação do instituto numa única disposição, no momento em que,
efetivamente, o decidiu regular, pecou por defeito. Ainda que tenha sido
inspirado pelo regime alemão, não conseguiu cobrir tantos aspetos como a lei
alemã de procedimento administrativo o faz.
Além disso, o artigo 66º é
demasiado indeterminado, quer no sentido de não fixar um prazo concreto para a
prestação do auxílio, quer quando utiliza conceitos indefinidos nas alíneas do
nº1 do artigo 66º.
Em suma, apesar de o regime do
auxílio administrativo ser um instrumento com um potencial enorme para
contribuir para a modernização e especialização da AP, poderia ter sido
concebido de uma forma mais minuciosa e clara, a par da tendência europeia.
Assim, apesar da utilidade que se poderá retirar deste instituto, o mesmo é
alvo de aperfeiçoamentos, muito possivelmente feitos pela jurisprudência e pela
doutrina sob pena deste instituto nunca chegar a ser suficientemente atrativo
para as entidades públicas ou sujeiras ao direito público o virem a aplicar.
Raquel Lourenço, 28 132
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