domingo, 9 de abril de 2017

A figura da Amtshilfe alemã e o Auxílio Administrativo português: regime e principais dificuldades


1)      Introdução
O presente texto pretende ocupar-se da inovação (ou não) da figura do auxílio administrativo no Novo Código do Procedimento Administrativo português e sua expressão. O legislador decidiu rever o antigo Código do Procedimento Administrativo (CPA). Desta inicial pretensão de revisão resultou, no final, uma revogação do antigo diploma e a criação de um novo código.
Há quem reconheça traços de continuidade, mas a maioria dos autores defendem que se identificam um conjunto expressivo de alterações que deram origem ao Novo CPA. Uma das alterações é, inevitavelmente, a figura do auxílio administrativo.
O legislador português, inspirado pelo regime alemão, decidiu autonomizar um artigo no novo CPA que regula as situações em que um órgão da Administração Pública (AP) pode pedir a intervenção no procedimento administrativo de qualquer outro órgão da AP, por exemplo, quando este último tenha um melhor conhecimento da matéria relevante ou tenha em seu poder documentos ou elementos necessários à preparação da decisão.
De alguma forma, esta figura, enquadrada no novo paradigma administrativo que aposta na cooperação e colaboração, quer entre os órgãos da AP, quer entre a AP e os particulares, consubstancia um importante progresso em termos de especialização, sectorialização e eficiências administrativas.
Não obstante dessas vantagens, os juristas temem que esta técnica legislativa utilizada para consagra este instituto no novo CPA diminua os efeitos úteis que à partida dele se poderiam retirar. O uso excessivo de conceitos indeterminados, a falta de clareza e a existência de lacunas no regime do art. 66º comportam, per si, um obstáculo enorme à sua aplicação na atividade administrativa.
Este pequeno estudo tem por base a leitura de um comentário do Professor Doutor Rui Tavares Lanceiro acerca do instituto, em Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo e um artigo da Mestre Ana Rita Babo Pinto.

2)      Uma verdadeira inovação no novo CPA?
Muitas foram as inovações que o novo CPA trouxe para o nosso ordenamento jurídico. Mas é certo que não podemos ignorar o artigo 92º previsto no antigo CPA, que consagrava o seguinte:
Artigo 92.º
Realização de diligências por outros serviços - [revogado - Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro]
O órgão instrutor pode solicitar a realização de diligências de prova a outros serviços da administração central, regional ou local, quando elas não possam ser por si efectuadas.

Na verdade, o órgão instrutor a par do poder previsto no nº3, do artigo 86, podia solicitar a colaboração de outros serviços da administração central, regional e local para a realização de diligencias probatórias.
Acontece que “Enquanto em relação àqueles primeiros, o poder de lhes solicitar a realização destas diligencias advém de uma relação hierárquica ou similar, já o poder de as solicitar a outros serviços resulta de uma relação «horizontal», atípica aliás» [MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código Procedimento Anotado Comentado]. Não podemos esquecer outras disposições do antigo CPA, nomeadamente os artigos 56, 57, 90, 94, nº2 que, de uma forma ou de outra, incitam à colaboração entre os órgãos na fase de instrução, incentivando a criação de uma AP mais especializada, sectorial e eficiente.
Consequentemente, não podemos considerar que a consagração desta cooperação horizontal entre os órgãos da AP seja uma novidade no nosso ordenamento jurídico, como aliás, o próprio legislador o reconheceu no ponto 9 do preambulo do novo CPA, “O artigo 92.º do anterior Código é eliminado porque, na realidade, ele respeita ao auxílio administrativo, mas apenas no âmbito demasiado restrito da realização de diligências de prova”.
A vicissitude administrativa tida como certa é o modo como isto estava previsto no CPA de 1991 e o modo como se encontra agora regulada no CPA de 2015.
  • Em primeiro lugar, porque passamos de uma panóplia de disposições dispersas, para a densificação num único artigo.
  • E, em segundo lugar, porque, enquanto o art.92.º do antigo CPA apenas consagrava esta forma de cooperação para o âmbito restrito da realização de diligências de prova que ocorriam na fase da instrução do procedimento, o novo Código alarga esse âmbito

3)      O auxílio administrativo no Novo CPA
3.1. A lei alemã do procedimento administrativo que serve de inspiração ao regime (n.º 1 do artigo 5.º)
O Professor Rui Tavares Lanceiro revela que “a inspiração declarada do regime do auxílio administrativo é o instituto do Amtshilfe”, presente no ordenamento jus-administrativo alemão e que provém de uma imposição da constituição alemã. Na verdade, o art. 35º do texto constitucional alemão vem “afirmar mesmo na ausência de lei ou de contrato que o prevejam, a existência de um dever de cooperação entre autoridades”. Assim, as autoridades devem auxiliar-se reciprocamente por dever de ofício.
Seguindo então o conselho do Professor, devemos proceder a uma descrição deste regime, uma vez que pode fornecer pistas quanto à ratio do regime português e à inspiração do legislador, por um lado, e por outro lado, pode permitir encontrar fragilidades e problemas na sua aplicação.
O regime da Amtshilfe foi consagrado no âmbito do poder discricionário da AP e aplica-se apenas aos casos em que a lei não preveja um outro regime legal específico. No artigo 5º, nº1, da Verwaltungsverfahrensgesetz (VwVfG) encontramos as razões pelas quais uma autoridade pode solicitar o auxílio administrativo, nomeadamente: 1) quando, por razões legais, a autoridade não o possa fazer; 2) quando a autoridade não disponha de recursos necessários, quer humanos quer técnicos; 3) quando a autoridade necessite de ser instruída para conseguir desempenhar corretamente as suas tarefas, porque desconhece e não consegue obter determinado tipo de informações; 4) quando a autoridade necessite de competências, documentos, meios de prova que se encontram na posse da autoridade requerida, 5) quando a autoridade requerente para emitir o ato tivesse que fazer um esforço significativamente maior do que a autoridade requerida.
No nº2 prevê-se a possibilidade de a autoridade requerida poder negar-se, após análise do pedido de auxílio, de prestar assistência por motivos legais ou se isso comportar desvantagens significativas para a Federação ou um dos seus estados federados. A autoridade requerida poderá também não aceitar o pedido de auxílio se outra entidade o puder prestar com mais facilidade, menos esforço ou custos; ou quando isso ponha seriamente em perigo o cumprimento das suas funções, tendo em conta as tarefas solicitadas pela autoridade requerente (artigo 5º, nº3). Pode ainda recusar o pedido tendo por base outra ordem de razões que não as previstas na lei ou por o considerar inadequado (artigo 5º, nº4). Por fim, no nº5, consagrasse o dever de notificação da autoridade requerida à requerente, no caso de recusa de assistência.
No artigo 6.º da VwVfG, encontramos os critérios para escolher a entidade a quem é solicitado o auxílio. No artigo 7.º, encontramos a determinação da lei aplicável à atividade do auxílio, sendo que “a execução do pedido é regulada pela lei aplicável ao órgão auxiliar, a admissibilidade da medida executada através da Amtshilfe é aferida à luz da lei aplicável à entidade auxiliada (artigo 7º, nº1, da VwVfG) A autoridade auxiliada é responsável pela legalidade da medida a ser tomada face à entidade auxiliar, embora esta última seja responsável pela execução da Amtshilfe (artigo 7.º, nº2). Por fim, o artigo 8.º refere-se à imputação e distribuição dos custos que o auxílio comporta.

3.2. Regime legal do auxílio administrativo no novo CPA
O regime alemão é, sem dúvida, a base de inspiração do artigo 66º do novo CPA.
O artigo 66.º aplica-se “para além dos casos em que a lei imponha a intervenção de outros órgãos no procedimento”. Daqui se depreende que sempre que houver um outro regime específico que preveja a obrigatoriedade de consultar um outro órgão da AP, afasta-se a aplicação do artigo 66.º do novo CPA.
Logo de seguida, no nº1, considera-se capaz de solicitar o auxílio administrativo o órgão competente para a decisão final. A iniciativa, para além de poder ser sua, poderá também caber ao responsável pela direção do procedimento ou aos próprios particulares que fazem parte da relação jurídica procedimental ou aos próprios particulares que fazem parte da relação jurídica procedimental em causa. A relação jurídica procedimental é constituída pelos sujeitos elencados no artigo 65º do novo CPA. No que toca aos particulares, temos de conjugar a alínea c) do nº1 do artigo 65º com o artigo 68º do novo CPA, que consagra a legitimidade procedimental dos particulares.
Por sua vez, “quaisquer outros órgãos da Administração Pública” podem prestar o auxílio administrativo, consagrando-se aqui um critério mais vasto, mas, mesmo assim, não tao amplo como o alemão. Na lei procedimental administrativa alemã, fixa-se um critério mais abrangente, falando-se quer em “autoridade requerente” que em “autoridade requerida”.
O auxílio administrativo português pode ser solicitado em três situações: a) uma investigação seja necessária e outro órgão da Administração Pública tenha competência exclusiva ou conhecimento aprofundado na matéria [art. 66º, nº1, al.a) CPA]; b) outro órgão da Administração Pública tenha documentos/dados necessários à decisão [art.66º, nº1, al.b) CPA]; c) quando sejam necessários meios técnicos ou humanos de que órgão competente não disponha [art.66º, nº1, al.c) CPA].
Estas hipóteses não se diferenciam muito das consagradas no regime alemão. Comparando os dois ordenamentos jurídicos, o regime português apenas não previu a hipótese de a autoridade solicitar o auxilio quando a autoridade requerida tivesse de fazer um esforço significativamente menor para emitir o ato que a autoridade requerente. As outras hipóteses parecem contempladas na norma portuguesa.
No n.º 2 estabelecem-se as garantias de sigilo, por remissão para o regime de acesso aos documentos administrativos.
No n.º3 prevê-se a situação (não prevista no regime alemão) de recusa do auxílio administrativo solicitado ou de dilação excessiva na sua prestação. Sem uma solução para o efeito, o auxílio administrativo não passaria de uma “intenção piedosa” como entende o legislador português. Mais uma vez, em lugar de conceber um regime ex novo, remeteu-se para a competência decisória que o Código define no domínio dos conflitos de jurisdição e de competência.

3.3. Comparação de regimes: a incompletude do regime português
Comparando o regime alemão com o português, podemos dizer que o nosso legislador não previu critérios para:
  •     determinar quando é que a entidade solicitada pode recusar prestar o auxílio administrativo (nºs 2, 3, 4 do art.5º da VwVtG);
  •        regular a forma como deve ser feita a notificação dessa recusa (nº5 do art.5º da VwVfG), nem fixou critérios para escolher a entidade a quem deve ser solicitado o auxílio (como no art.6 da VwVfaG);
  •    determinar a lei aplicável à atividade do auxílio e aos custos associados a esta figura, não existindo também normas semelhantes às dos artigos 7º e 8º da lei procedimental alemã, respetivamente.

Parece que o legislador português, ao consagrar o regime do auxílio administrativo no novo CPA, não foi tão longe quanto o alemão, essencialmente em 3 patamares legislativos.
  1. Não aproveitou a consagração do auxilio administrativo no art.66º para o coordenar com a legislação europeia que existe sobre esta matéria. A Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno prevê a instauração de uma cooperação administrativa efetiva entre os Estados membros.
  2. Para além disso, não encontramos, na nossa lei fundamental portuguesa, um preceito constitucional expresso de cooperação interinstitucional entre órgãos que prossigam o interesse público, como encontramos no art.35º do texto constitucional alemão. Não obstante, poderá eventualmente encontrar-se essa cooperação na segunda parte do nº2 do artigo 267º da CRP, quando se diz que tem de existir uma “necessária eficácia e unidade de ação da Administração”. Na verdade, ver a AP como um todo pode indiretamente remeter para a ideia de colaboração entre os órgãos.
  3. O último patamar prende-se com a legislação ordinária. Na verdade, o novo CPA não consagra nos seus princípios gerias um dever de colaboração entre os órgãos administrativos. O novo CPA, à semelhança do anterior, continua sem prever uma norma que consagre a cooperação horizontal entre os órgãos da AP.

3.4. Principais dificuldades do regime do auxílio administrativo no novo CPA

a)       A existência (ou não) de um dever de solicitar o auxílio administrativo
O art. 92º do antigo CPA dizia que o “órgão instrutor pode” e o atual artigo 66º do CPA diz que o “órgão competente para a decisão final deve”. Questiona-se, por isso, se, atualmente, o órgão competente para a decisão final tem o dever de solicitar auxílio administrativo, sempre que se encontram verificados os pressupostos do art.66º. Na verdade, a resposta figura-se negativa, essencialmente, por 3 motivos.
  1. Em primeiro lugar, o facto do artigo 66º começar por afastar a aplicação do regime do auxílio administrativo aos casos em que “a lei imponha a intervenção de outros órgãos no procedimento”, hipóteses estas que serão tratadas num regime específico. E, portanto, neste caso, os critérios para decidir solicitar ou não o auxilio passarão por apurar a sua conveniência ou oportunidade e a decisão da AP será, por isso, claramente discricionária.
  2. Outra questão: tendo sido proposto o auxílio administrativo pelo responsável pela direção ou pelo particular, poderá o órgão competente para a decisão optar por não o solicitar na mesma. A resposta é afirmativa. A discricionariedade aqui manifesta-se nas “formalidades a observar na prestação ou prática do ato administrativo” consistirá sempre na atribuição de um poder de escolha à AP, neste caso, solicitar ou não o auxilio, independentemente de quem o requereu. Como diz Rui Tavares Lanceiro, “nenhum órgão está sujeito a um dever de pedido de auxílio, nem um sujeito privado pode obrigar o órgão administrativo a pedir auxilio”.
  3. Nas situações elencadas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 66º, predomina o uso dos conceitos indeterminados, tipicamente usados em zonas de discricionariedade administrativa.


b)      Os órgãos competentes para solicitar e prestar o auxílio administrativo
Para solicitar o auxílio administrativo, é competente o órgão que tiver de emitir a decisão final do procedimento. Ora, para aferir quais são os órgãos competentes para a tomada de decisões, voltamos ao artigo 65º do novo CPA, que regula a relação jurídica procedimental. A alínea a) do nº1 diz-nos que são “os órgãos das entidades referidas no nº1 do artigo 2”, que por sua vez consagra que serão órgãos competentes para decidir “quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo”.
Para prestar auxílio administrativo, o critério é o conforme com o nº4 do mesmo artigo nº2, a saber “a) os órgãos do Estado e das regiões autónimas que exercem funções administrativas a título principal; b) as autarquias locais e sias associações e federações de direito público; c) as entidades administrativas independentes; d) os institutos públicos e as associações públicas”.
Neste caso, o número de órgãos competentes para solicitar o auxílio seria maior do que aqueles que o poderiam prestar.
Atendendo a que o legislador português se inspirou no regime alemão, acérrimo defensor de uma cooperação interinstitucional entre órgãos e pessoas coletivas públicas; há autores que defendem, e bem a meu ver, que deve ser adotado o critério do nº1 do artigo 2º do novo CPA para aferir não só a competência do órgão requerente como do requerido. O critério do artigo 2º, nº1 também deve ser utilizado para aferir o órgão competente para prestar o auxílio. Não há, na verdade, qualquer motivo para considerar apenas os órgãos da AP competentes para prestar auxílios administrativos.

c)       O prazo útil
O legislador português no regime do auxílio administrativo não consagrou um prazo concreto dentro do qual o auxílio administrativo deve ser prestado, tendo optado, ao invés, por consagrar a expressão “prazo útil”. Desta escolha, surgem vários problemas, essencialmente por se estar mais uma vez perante um conceito indeterminado.
  1. O primeiro problema prende-se com o facto de ser o órgão competente para a decisão final o responsável por fixar um prazo que considere útil. Tendo a noção de que o órgão não se encontra munido das capacidades técnicas ou das informações necessária para tomar uma decisão sobre essa matéria no procedimento administrativo, em que medida é que conseguirá fixar um prazo razoável e proporcional? Certamente que o órgão requerido saberá, melhor que qualquer outro, os recursos que pode alocar àquela tarefa, o tempo que aquela questão lhe tomará ou que necessitará para arranjar determinado tipo de informação.
  2. Daqui surge outra questão. Tendo o órgão incumprido o prazo, poderá inicialmente requerer algum tipo de prorrogação? Esta situação não está prevista no artigo 66º do novo CPA. Em principio, o órgão poderá fazê-lo, desde que justifique fundamentalmente esse pedido.
  3. Resta alertar o facto de o prazo útil ter de ser sempre conjugado com a norma prevista no art.128º do novo CPA que consagra um prazo máximo de 90 dias para ser tomada uma decisão final no procedimento em causa. Ora, para além deste prazo geral, encontram-se outros fixados neste diploma, por exemplo no nº3 do artigo 92 do novo CPA, regra geral, “os pareceres são emitidos no prazo de 30 dias”. Este e outros prazos conjugados poderá resultar na fixação de um prazo bastante curto para a prestação do auxílio administrativo.


d)      As alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 66º do novo CPA
O auxílio administrativo pode ser requerido no caso de se verificar uma das três situações taxativas e previstas nas alíneas do nº1 do artigo 66º do novo CPA. Estas situações, tendo sido formuladas essencialmente com base em conceitos indeterminados colocarão seguramente inúmeras questões aos seus intérpretes.
A alínea a) do nº1 do artigo 66º do novo CPA diz-nos que o auxílio administrativo pode ser pedido quando o órgão solicitado tenha “melhor conhecimento da matéria relevante exija uma investigação para a qual o órgão a quem é dirigida a solicitação disponha de competência exclusiva ou de conhecimentos aprofundados aos quais o órgão solicitante não tenha acesso”.
Há que distinguir nesta alínea duas situações: a primeira é a hipótese em que o órgão solicitado tem a competência exclusiva para investigar sobre aquela matéria e isso só poderá decorrer de uma obrigação legal. E quando a obrigação legal atribuir essa competência a vários órgãos? Como escolher dentro do leque de órgãos? Dúvida esta que carece de critérios definidos pela lei sobre como escolher a entidade requerida.
A segunda hipótese prende-se com as situações em que o órgão a quem é solicitado o auxilio dispõe e conhecimentos aprofundados aos quais o órgão solicitante não tenha acesso. Complicado é definir o que significará ter o melhor conhecimento. Não tendo  órgão competente para emitir a decisão final conhecimento especializado naquela matéria, como poderá decidir qual é a entidade mais adequada para a investigar?
Para além disso, que conhecimentos poderão os outros órgão ter aos quais o órgão solicitante não possa aceder? Ter-se-á de encontrar um critério que nos permita compreende melhor o que está aqui em causa. Está-se no âmbito do conceito de kwow-how? Ou seja, o facto de determinada entidade ter técnica, conhecimento ou determinado tipo de capacidade especialmente desenvolvida para investigar sobre determinado tipo de matérias? Este será outro aspeto que a jurisprudência e a doutrina terão que desenvolver.

O auxílio administrativo também poderá ser requerido quando “o órgão a quem é dirigida a solicitação tenha em seu poder documentos ou dados cujo conhecimento seja necessário à preparação da decisão (alínea b)). Neste caso, o órgão competente para a decisão final não precisa que o órgão requerido proceda a uma investigação, mas que lhe forneça informações. Certamente será uma situação em que se poderá fixar um prazo útil mais curto. Aqui, no acesso a informações e documentos, terá necessariamente de se compatibilizar a alínea b) com o nº2 do artigo 66º do novo CPA (e com a LADA).

Por fim, segundo a alínea c), pode ainda requerer-se auxílio administrativo quando “a instrução requeira a intervenção de pessoal ou o emprego de meios técnicos de que o órgão competente para a decisão final não disponha”. Aqui importará perceber quando é que o órgão competente para a decisão final está efetivamente com falta de pessoal ou recursos técnicos. Para isso ficar claro, o órgão requerente terá de expor essa fundamentação no pedido onde solicita o auxílio. Mas que limite poderá definir essa fronteira entre ter falta ou não de recursos humanos e/ou técnicos?

Em suma, apesar dos critérios fixados no novo CPA sere indeterminados, podemos dize que o auxílio administrativo pode ser requerido em situações em que o órgão solicitado tem competência exclusiva sobre aquelas matérias; ou apresenta um know-how amplamente reconhecido ou, ainda, um acesso mais amplo a determinado tipo de documentos, informações, meios técnicos ou recursos humanos.


e)      A responsabilização do órgão prestador do auxílio administrativo
O órgão competente para a decisão final não tem o dever de solicitar o auxílio administrativo; mas, se o fizer, terá o órgão requerido o dever de prestar esse mesmo auxílio? O Novo CPA não optou por prever essa situação, contrariamente ao que sucede no regime alemão.
De facto, o artigo 66º consagra uma zona de discricionariedade. As alíneas do nº1 do artigo 66º do novo CPA permitem que o órgão a quem foi solicitado tenha uma interpretação diferente do órgão requerente e considere que não tem competência exclusiva, não detém os necessários conhecimentos, não pode prestar as informações com base no artigo 6º da LADA ou que o órgão competente para a decisão final efetivamente tem pessoal e meios técnicos suficientes.
Em segundo lugar porque, como diz Rui Tavares Lanceiro, “o dever de auxílio opera dentro dos limites das competências e atribuições do órgão em causa (princípio da legalidade e artigo 94º, nº2, do CPA) e na medida em que o pedido seja razoável (princípio da cooperação e principio da proporcionalidade)”.

Caso opte por recusar o pedido de auxílio, o órgão requerido deve notificar a autoridade requerente. Mais uma vez, isso não está previso no art.66º do novo CPA, contrariamente ao que se verifica no regime alemão (artigo 5º, nº5 da VwVfG).
Perante uma recusa ou uma dilação, deve aplicar-se o nº3 do artigo 66º do novo CPA que determina que a autoridade competente para dirimir o litígio será aquela que for competente “para a resolução de conflitos de atribuições ou de competência entre os órgãos solicitante e solicitado ou, não a havendo, por órgão que exerça poderes de direção, superintendência ou tutela sobre o órgão solicitado”.

Este nº3 levanta de facto algumas questões que terão de ser resolvidas em conjugação como artigo 51º do novo CPA. Afinal a autoridade que é competente é a que tem competência para a resolução de conflitos de atribuições ou competências? Segundo Rui Tavares Lanceiro, deverá aplicar-se o nº2 do artigo 51º quando os órgãos sejam da mesma pessoa coletiva; e o nº1 do artigo 51º quando pertençam a pessoas coletivas ou ministérios diferentes. No caso do nº1 do artigo 51º, quando a competência couber aos tribunais administrativos e fiscais, sem dúvida que a celeridade e eficiência do procedimento administrativo serão postos em causa.
Claro que este problema seria muito mais facilmente ultrapassado, se o legislador português, tal como o alemão, tivesse previsto situações em que o órgão requerido pode recusar a prestação do auxílio. Aí, o domínio de análise seria muito mais na fronteira da legalidade do que da discricionariedade. Não se verificando situação semelhante, há que procurar novos caminhos. Esses caminhos passam por aceitar a compatibilização da intervenção dos órgãos com poder de direção na resolução de litígios de recusa ou dilação da prestação do auxílio administrativo.

4.       Conclusão
O novo Código de Procedimento Administrativo introduz de facto novidades no ordenamento jurídico português, no entanto, em sede do instituto do auxílio administrativo muitas foram as questões deixadas em aberto. Não deixa de ser louvável o esforço do legislador em formular um novo instituto no CPA 2015, até porque vem concretizar um incentivo à cooperação interinstitucional, importantíssimo para criar uma administração publica mais eficiente e qualificada.
Apesar de o legislador ter optado pela densificação do instituto numa única disposição, no momento em que, efetivamente, o decidiu regular, pecou por defeito. Ainda que tenha sido inspirado pelo regime alemão, não conseguiu cobrir tantos aspetos como a lei alemã de procedimento administrativo o faz.
Além disso, o artigo 66º é demasiado indeterminado, quer no sentido de não fixar um prazo concreto para a prestação do auxílio, quer quando utiliza conceitos indefinidos nas alíneas do nº1 do artigo 66º.
Em suma, apesar de o regime do auxílio administrativo ser um instrumento com um potencial enorme para contribuir para a modernização e especialização da AP, poderia ter sido concebido de uma forma mais minuciosa e clara, a par da tendência europeia. Assim, apesar da utilidade que se poderá retirar deste instituto, o mesmo é alvo de aperfeiçoamentos, muito possivelmente feitos pela jurisprudência e pela doutrina sob pena deste instituto nunca chegar a ser suficientemente atrativo para as entidades públicas ou sujeiras ao direito público o virem a aplicar.
Raquel Lourenço, 28 132

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