I.
Introdução
A atividade administrativa tem diversos meios de
manifestar o poder administrativo, nomeadamente: o regulamento administrativo,
o ato administrativo, o contrato administrativo e as operações materiais.
Como foco do presente trabalho, abordaremos o
regulamento administrativo, sendo relevante, porém, proceder a uma breve
explicação das restantes formas.
Um contrato
administrativo é a forma de atuação da administração através da qual
recorre a particulares para satisfazer os fins de interesse público de que é
responsável.
Por sua vez, um ato
administrativo (definido na sua conceção restritiva nos termos do Art. 148
CPA), diz respeito à forma de atuação, por parte da Administração Pública, que
visa a resolução de situações especificas, concretas e individuais.
Por fim, as operações
materiais, são os atos da administração que não produzem quaisquer
alterações na ordem jurídica, na medida que apenas concretizam uma decisão da
administração.
II.
Conceção de regulamento administrativo
Devemos considerar o regulamento administrativo uma
fonte secundária deste Direito, na medida em que se encontram submetidos a
normas e princípios de Direito Internacional bem como Direito da União Europeia
e ainda à Constituição e à lei ordinária no plano interno. Trata-se de uma
forma de atuação administrativa que para além de vincular os seus
destinatários, vincula ainda a administração para as suas futuras atuações.
Tem como função adaptar de forma mais célere o
conteúdo na norma a situações práticas da vida real, na medida em que o
legislador, por não conseguir ter acesso direto às mesmas, não as consegue
prever, devendo ser deixado um espaço em branco para que a Administração
Pública os possa preencher.
O regulamento respeita a um conjunto de normas
jurídicas que, bem como sabemos, são dotadas das características de
generalidade e abstração. Nessa medida, o regulamento aplica-se a um número
indeterminado ou indeterminável de destinatários, tal como a um número
indeterminado ou indeterminável de situações, respetivamente.
III.
Modalidades de regulamentos
É possível depararmo-nos com variadas espécies de
regulamentos administrativos, passando a enunciá-las e diferenciá-las ao longo
dos seguintes parágrafos.
·
Um regulamento
complementar, por oposição ao regulamento
independente, é aquele que visa desenvolver o regime presente numa lei,
procurando assim pormenorizá-la de modo a que possa ser aplicada a situações
concretas da vida real. Contrariamente, um regulamento
independente, não visa desenvolver ou pormenorizar nenhuma lei, contendo,
por isso, a disciplina inicial sobre certa matéria.
·
Numa segunda análise, podemos distinguir
regulamentos de organização, de funcionamento e de polícia.
Os regulamentos de organização têm como função proceder à organização
da pessoa coletiva pública, definindo as funções de cada departamento e, dentro
destes, de cada agente. Por sua vez, os regulamentos
de funcionamento são aqueles que tratam acerca dos aspetos básicos dos
serviços públicos, respeitantes ao seu dia a dia. Por fim, os regulamentos de polícia, são os que
pretendem evitar a verificação de danos na sociedade, fruto de condutas
perigosas dos agentes, limitando, para isso, a sua liberdade individual.
·
Os regulamentos diferenciam-se ainda por serem
gerais, locais ou institucionais.
Os regulamentos gerais são aqueles que têm aplicabilidade em todo o
território continental, por contraposição aos regulamentos locais, que apenas se aplicam a uma determinada zona
desse território, como é o caso dos regionais ou autárquicos.
Os regulamentos institucionais têm origem em associações ou institutos
públicos e apenas são aplicáveis às pessoas sob a sua jurisdição.
·
Os regulamentos
internos contrapõem-se aos regulamentos
externos.
Os primeiros apenas têm
eficácia dentro da esfera jurídica da própria entidade que os produz, enquanto
que os externos têm eficácia para fora dessa entidade, seja tanto para
particulares, como para outras pessoas coletivas públicas.
IV.
Como podemos distinguir o regulamento do ato
administrativo e da lei?
No universo do Direito, pela multiplicidade de
figuras juridicamente relevantes, pode tornar-se incompreensível a distinção
entre as mesmas, tendo essa tarefa grande relevância para o bom funcionamento
do universo jurídico.
Um regulamento administrativo distingue-se da lei, na
medida em que esta provém de um órgão com competência legislativa, tendo
caráter inovador, enquanto que aquele provém de um órgão com competência regulamentar,
tendo natureza meramente executiva. O regulamento tem valor infralegal,
enquanto que a à lei é reconhecido o princípio da preferência.
Devemos ainda distinguir o regulamento administrativo
do ato administrativo, na medida em que o primeiro tem como características a
generalidade e a abstração, enquanto que o segundo, por oposição, é individual
(dirige-se a apenas um destinatário ou a destinatários específicos) e concreto
(visa regular uma situação em concreto).
Contudo, a sua distinção não os afasta por completo,
na medida em que ambos são uma forma de manifestação de um poder público de
autoridade.
V.
Limites do poder regulamentar
O poder regulamentar é limitado por uma série de
fatores, entre os quais:
1.
Os princípios gerais de Direto, que para além de
limitar o poder regulamentar, limitam também todo o universo jurídico, na
medida em que se apresentam como o seu núcleo fundamental.
2.
A Constituição, sendo a lei fundamental do
Estado, deve ser, obviamente, respeitada por toda a Administração Pública e
também pelos seus regulamentos, sob pena de inconstitucionalidade destes.
3.
Os princípios gerais de direito administrativo,
que por se encontrarem no mesmo “degrau hierárquico” das normas legais, podem
ser revogadas por estas, mas nunca derrogados pelos regulamentos, na medida em
que são hierarquicamente superiores. Caso estes princípios não sejam
respeitados os regulamentos são anuláveis.
4.
A lei é o quarto limite ao poder regulamentar,
identificando-se como o seu fundamento jurídico, submetendo-o
assim, tal como toda a Administração Pública, ao principio da legalidade (Art.
112/7 CRP).
O regulamento não pode
contrariar a lei, na medida em que esta tem prioridade sobre estes, para além
disso, estão sujeitos ao princípio da reserva material de lei, na medida em que
o único caso em que são admitidos regulamentos em matérias reservadas à lei são
os regulamentos de execução em matérias que não versem sobre direitos
fundamentais, limites dos impostos ou tipificação de crimes e penas.
Os regulamentos têm de ter
como antecedente uma lei habilitante, que devem mencionar (Art. 136/CPA), sob
pena de sofrerem do vicio de inconstitucionalidade formal.
5.
Estabelece-se também como limite, os
regulamentos emanados de órgãos hierarquicamente superiores ao que o editou.
Nessa medida, os regulamentos do Governo prevalecem aos restantes.
6.
São proibidos regulamentos retroativos que
culminem de forma desfavorável para o particular (Art. 141/1 CPA).
7.
O regulamento tem ainda de ser editado por um
órgão com competência, sob pena de sofrer de inconstitucionalidade orgânica e
ainda pela forma adequada.
VI. Titulares do poder regulamentar
A titularidade do poder regulamentar encontra-se
completamente dispersa no Direito Português, distribuindo-se uma multiplicidade
de tarefas administrativas por uma multiplicidade de entidades administrativas.
Podemos, atualmente, falar de regulamentos com origem
na administração estadual, regulamentos com origem na administração autónoma e
ainda em regulamentos com origem em entidades privadas com funções
administrativas.
1.
Regulamentos
na função Administrativa Estadual
a)
Administração estadual direta
Enquanto órgão superior da
Administração, o Governo é o grande titular do poder regulamentar (Art. 199/C
CRP), tendo competência para emitir regulamentos externos, quer assumam
natureza executiva, complementar ou, dentro dos limites, independente.
Podem ser emitidas quatro
espécies de regulamentos, tais como: os decretos regulamentares (são os mais
solenes, aprovados em conselho de ministros), as portarias (regulamento de um
ou mais ministros em nome do Governo), despachos (regulamento de um ou mais
ministros em nome do Conselho de ministros) e resoluções do Conselho de
ministros (atos que apesar de não revestirem todas as formalidades, são aprovados em conselho de
ministros, com caráter normativo).
O problema dos
regulamentos independentes consiste no facto de se caracterizarem por
disciplinarem de forma inicial determinada matéria, não visando complementar
uma lei, o que parece colidir com a afirmação de que a lei tem caráter inovador
enquanto que o regulamento apenas a pretende executar. A Constituição parece
admitir esta modalidade de regulamentos, exigindo, no entanto, que sejam
sujeitos a um regime mais exigente, nomeadamente à aprovação do Presidente da
República e referenda ministerial (Art. 134/b; 140/1 CRP). Nesta medida,
concluímos que um regulamento independente tem sempre de ser aprovado sob forma
de decreto regulamentar.
b)
Administração Estadual Indireta
Trata acerca da emissão de
regulamentos pelos órgãos de institutos públicos, ao desempenhar tarefas
supraestaduais, encontrando-se sob superintendência e tutela do Governo.
Também sujeitos ao
princípio da legalidade, os institutos apenas podem aprovar regulamentos na
medida em que o seu estatuto o preveja, ou caso lhes seja concedida uma
atribuição legal casuística.
Num caso de conflito, os
regulamentos dos institutos públicos encontram-se subordinados aos regulamentos
governamentais, o que é justificável, não fosse o governo o órgão superior da
administração e, portanto, com maior legitimidade democrática.
c)
Autoridades reguladoras
São pessoas coletivas
públicas que prosseguem interesses do Estado, mas que não estão sujeitas a
qualquer poder de superintendência ou tutela. A Constituição não reconhece um
poder regulamentar independente a estes organismos. Contudo, existem momentos
em que eles se apresentam como essências para o bom funcionamento do Estado
regulador. Estas entidades encontram-se submetidas ao princípio da legalidade.
2.
Regulamentos
na Administração Autónoma
Afirmam-se como uma manifestação da descentralização
regulativa, sendo no âmbito deste tema que encontramos os regulamentos emitidos
pelas autarquias locais, regiões autónomas, universidades e ordens
profissionais.
No que respeita as regiões autónomas, de forma
sintética, importa salientar que têm autonomia política, administrativa,
financeira, económica e normativa, podendo, por isso, emitir atos legislativos
e regulamentos (Art. 227/1/D CRP).
A competência regulamentar das regiões autónomas
encontra-se dividida entre a Assembleia legislativa e o Governo Regional.
Os regulamentos têm de respeitar a lei a que se
referem, bem como o estatuto da região autónoma. Estes devem incidir sobre um
interesse especifico da região. Apenas podemos considerar que a região autónoma
tem poder regulamentar sobre as leis dos órgãos de soberania, caso a matéria a
tratar tenha de facto importância ao nível da mesma.
Assumem a forma de decreto regulamentar regional.
O poder regulamentar das autarquias locais
justifica-se pela necessidade de persecução não só de interesses gerais da
comunidade nacional, mas também de interesses próprios das comunidades dentro
da nação, cabendo a regulamentação desses interesses especificamente às
autarquias, visto conhecerem as situações com mais proximidade. Têm poder
regulamentar autárquico as juntas de freguesia e as assembleias municipais.
Os regulamentos emanados das autarquias locais também
estão sujeitos a limites, tais como o princípio da legalidade e o facto de dever
estar em causa a persecução de interesses próprios daquela comunidade.
Os regulamentos autárquicos estão subordinados aos
emitidos pela autarquia de grau superior, nessa medida, os regulamentos
emitidos pela freguesia estão subordinados aos emitidos pelo município (Art.
241 CRP). Para além disso, todos os regulamentos autárquicos devem respeitar
aqueles que são emitidos pelo Governo.
Relativamente às universidades, (Art. 76/2
CRP) admitimos que o fundamento do seu poder regulamentar, reside num direito
fundamental enquanto instituição, fornecendo-lhe assim um poder de
autorregulação, autodeterminação e autogoverno.
Os regulamentos devem encontrar-se subordinados aos
estatutos universitários, existindo apenas o poder de emitir um regulamento
autónomo relativamente a matérias diretamente relacionadas com os assuntos
universitários, com competência fundada em lei.
As ordens e câmaras profissionais são
associações públicas que autorregulam profissões de interesse público, devendo
representar e defender os interesses profissionais e regular a sua atividade,
tanto na perspetiva da organização interna, como na perspetiva do exercício da
profissão.
3.
Regulamentos
emanados de entidades privadas com funções administrativas
Tradicionalmente, concebem-se os regulamentos como
sendo normas jurídicas emanadas por órgãos de entidades administrativas, no
entanto, cada vez mais os sujeitos privados se encontram incumbidos da função
administrativa.
Neste âmbito falamos acerca de sociedades de
participação pública, concessionários, entidades privadas que exercem tarefas
de função administrativa, instituições particulares de solidariedade social e
ainda pessoas coletivas de utilidade pública.
É requerida uma habilitação legal prévia, apenas
podendo emitir regulamentos no âmbito das funções administrativas que lhes
competem.
VII.
Bibliografia
- FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II;
2016 (3ª edição), Almedina.
- GONÇALVES MONIZ, Ana Raquel;
Estudos sobre os regulamentos administrativos, 2016, 2ª edição, Almedina.
Rafaela Lemos Carvalho, nº28090, B15
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