quarta-feira, 19 de abril de 2017

O Regulamento Administrativo




         I.            Introdução

A atividade administrativa tem diversos meios de manifestar o poder administrativo, nomeadamente: o regulamento administrativo, o ato administrativo, o contrato administrativo e as operações materiais.

Como foco do presente trabalho, abordaremos o regulamento administrativo, sendo relevante, porém, proceder a uma breve explicação das restantes formas.

Um contrato administrativo é a forma de atuação da administração através da qual recorre a particulares para satisfazer os fins de interesse público de que é responsável.

Por sua vez, um ato administrativo (definido na sua conceção restritiva nos termos do Art. 148 CPA), diz respeito à forma de atuação, por parte da Administração Pública, que visa a resolução de situações especificas, concretas e individuais.

Por fim, as operações materiais, são os atos da administração que não produzem quaisquer alterações na ordem jurídica, na medida que apenas concretizam uma decisão da administração.



       II.            Conceção de regulamento administrativo

Devemos considerar o regulamento administrativo uma fonte secundária deste Direito, na medida em que se encontram submetidos a normas e princípios de Direito Internacional bem como Direito da União Europeia e ainda à Constituição e à lei ordinária no plano interno. Trata-se de uma forma de atuação administrativa que para além de vincular os seus destinatários, vincula ainda a administração para as suas futuras atuações.

Tem como função adaptar de forma mais célere o conteúdo na norma a situações práticas da vida real, na medida em que o legislador, por não conseguir ter acesso direto às mesmas, não as consegue prever, devendo ser deixado um espaço em branco para que a Administração Pública os possa preencher.

O regulamento respeita a um conjunto de normas jurídicas que, bem como sabemos, são dotadas das características de generalidade e abstração. Nessa medida, o regulamento aplica-se a um número indeterminado ou indeterminável de destinatários, tal como a um número indeterminado ou indeterminável de situações, respetivamente.



     III.            Modalidades de regulamentos

É possível depararmo-nos com variadas espécies de regulamentos administrativos, passando a enunciá-las e diferenciá-las ao longo dos seguintes parágrafos.

·         Um regulamento complementar, por oposição ao regulamento independente, é aquele que visa desenvolver o regime presente numa lei, procurando assim pormenorizá-la de modo a que possa ser aplicada a situações concretas da vida real. Contrariamente, um regulamento independente, não visa desenvolver ou pormenorizar nenhuma lei, contendo, por isso, a disciplina inicial sobre certa matéria.



·         Numa segunda análise, podemos distinguir regulamentos de organização, de funcionamento e de polícia.

Os regulamentos de organização têm como função proceder à organização da pessoa coletiva pública, definindo as funções de cada departamento e, dentro destes, de cada agente. Por sua vez, os regulamentos de funcionamento são aqueles que tratam acerca dos aspetos básicos dos serviços públicos, respeitantes ao seu dia a dia. Por fim, os regulamentos de polícia, são os que pretendem evitar a verificação de danos na sociedade, fruto de condutas perigosas dos agentes, limitando, para isso, a sua liberdade individual.



·         Os regulamentos diferenciam-se ainda por serem gerais, locais ou institucionais.

Os regulamentos gerais são aqueles que têm aplicabilidade em todo o território continental, por contraposição aos regulamentos locais, que apenas se aplicam a uma determinada zona desse território, como é o caso dos regionais ou autárquicos.

Os regulamentos institucionais têm origem em associações ou institutos públicos e apenas são aplicáveis às pessoas sob a sua jurisdição.



·         Os regulamentos internos contrapõem-se aos regulamentos externos.

Os primeiros apenas têm eficácia dentro da esfera jurídica da própria entidade que os produz, enquanto que os externos têm eficácia para fora dessa entidade, seja tanto para particulares, como para outras pessoas coletivas públicas.



    IV.            Como podemos distinguir o regulamento do ato administrativo e da lei?

No universo do Direito, pela multiplicidade de figuras juridicamente relevantes, pode tornar-se incompreensível a distinção entre as mesmas, tendo essa tarefa grande relevância para o bom funcionamento do universo jurídico.

Um regulamento administrativo distingue-se da lei, na medida em que esta provém de um órgão com competência legislativa, tendo caráter inovador, enquanto que aquele provém de um órgão com competência regulamentar, tendo natureza meramente executiva. O regulamento tem valor infralegal, enquanto que a à lei é reconhecido o princípio da preferência.

Devemos ainda distinguir o regulamento administrativo do ato administrativo, na medida em que o primeiro tem como características a generalidade e a abstração, enquanto que o segundo, por oposição, é individual (dirige-se a apenas um destinatário ou a destinatários específicos) e concreto (visa regular uma situação em concreto).

Contudo, a sua distinção não os afasta por completo, na medida em que ambos são uma forma de manifestação de um poder público de autoridade.



      V.            Limites do poder regulamentar

O poder regulamentar é limitado por uma série de fatores, entre os quais:

1.       Os princípios gerais de Direto, que para além de limitar o poder regulamentar, limitam também todo o universo jurídico, na medida em que se apresentam como o seu núcleo fundamental.

2.       A Constituição, sendo a lei fundamental do Estado, deve ser, obviamente, respeitada por toda a Administração Pública e também pelos seus regulamentos, sob pena de inconstitucionalidade destes.

3.       Os princípios gerais de direito administrativo, que por se encontrarem no mesmo “degrau hierárquico” das normas legais, podem ser revogadas por estas, mas nunca derrogados pelos regulamentos, na medida em que são hierarquicamente superiores. Caso estes princípios não sejam respeitados os regulamentos são anuláveis.

4.       A lei é o quarto limite ao poder regulamentar, identificando-se como o seu fundamento jurídico, submetendo-o assim, tal como toda a Administração Pública, ao principio da legalidade (Art. 112/7 CRP).

O regulamento não pode contrariar a lei, na medida em que esta tem prioridade sobre estes, para além disso, estão sujeitos ao princípio da reserva material de lei, na medida em que o único caso em que são admitidos regulamentos em matérias reservadas à lei são os regulamentos de execução em matérias que não versem sobre direitos fundamentais, limites dos impostos ou tipificação de crimes e penas.

Os regulamentos têm de ter como antecedente uma lei habilitante, que devem mencionar (Art. 136/CPA), sob pena de sofrerem do vicio de inconstitucionalidade formal.

5.       Estabelece-se também como limite, os regulamentos emanados de órgãos hierarquicamente superiores ao que o editou. Nessa medida, os regulamentos do Governo prevalecem aos restantes.

6.       São proibidos regulamentos retroativos que culminem de forma desfavorável para o particular (Art. 141/1 CPA).

7.       O regulamento tem ainda de ser editado por um órgão com competência, sob pena de sofrer de inconstitucionalidade orgânica e ainda pela forma adequada.





VI. Titulares do poder regulamentar

A titularidade do poder regulamentar encontra-se completamente dispersa no Direito Português, distribuindo-se uma multiplicidade de tarefas administrativas por uma multiplicidade de entidades administrativas.

Podemos, atualmente, falar de regulamentos com origem na administração estadual, regulamentos com origem na administração autónoma e ainda em regulamentos com origem em entidades privadas com funções administrativas.



1.       Regulamentos na função Administrativa Estadual

a)       Administração estadual direta

Enquanto órgão superior da Administração, o Governo é o grande titular do poder regulamentar (Art. 199/C CRP), tendo competência para emitir regulamentos externos, quer assumam natureza executiva, complementar ou, dentro dos limites, independente.

Podem ser emitidas quatro espécies de regulamentos, tais como: os decretos regulamentares (são os mais solenes, aprovados em conselho de ministros), as portarias (regulamento de um ou mais ministros em nome do Governo), despachos (regulamento de um ou mais ministros em nome do Conselho de ministros) e resoluções do Conselho de ministros (atos que apesar de não revestirem todas as formalidades,  são aprovados em conselho de ministros, com caráter normativo).

O problema dos regulamentos independentes consiste no facto de se caracterizarem por disciplinarem de forma inicial determinada matéria, não visando complementar uma lei, o que parece colidir com a afirmação de que a lei tem caráter inovador enquanto que o regulamento apenas a pretende executar. A Constituição parece admitir esta modalidade de regulamentos, exigindo, no entanto, que sejam sujeitos a um regime mais exigente, nomeadamente à aprovação do Presidente da República e referenda ministerial (Art. 134/b; 140/1 CRP). Nesta medida, concluímos que um regulamento independente tem sempre de ser aprovado sob forma de decreto regulamentar.



b)      Administração Estadual Indireta

Trata acerca da emissão de regulamentos pelos órgãos de institutos públicos, ao desempenhar tarefas supraestaduais, encontrando-se sob superintendência e tutela do Governo.

Também sujeitos ao princípio da legalidade, os institutos apenas podem aprovar regulamentos na medida em que o seu estatuto o preveja, ou caso lhes seja concedida uma atribuição legal casuística.

Num caso de conflito, os regulamentos dos institutos públicos encontram-se subordinados aos regulamentos governamentais, o que é justificável, não fosse o governo o órgão superior da administração e, portanto, com maior legitimidade democrática.



c)       Autoridades reguladoras

São pessoas coletivas públicas que prosseguem interesses do Estado, mas que não estão sujeitas a qualquer poder de superintendência ou tutela. A Constituição não reconhece um poder regulamentar independente a estes organismos. Contudo, existem momentos em que eles se apresentam como essências para o bom funcionamento do Estado regulador. Estas entidades encontram-se submetidas ao princípio da legalidade.



2.       Regulamentos na Administração Autónoma

Afirmam-se como uma manifestação da descentralização regulativa, sendo no âmbito deste tema que encontramos os regulamentos emitidos pelas autarquias locais, regiões autónomas, universidades e ordens profissionais.

No que respeita as regiões autónomas, de forma sintética, importa salientar que têm autonomia política, administrativa, financeira, económica e normativa, podendo, por isso, emitir atos legislativos e regulamentos (Art. 227/1/D CRP).

A competência regulamentar das regiões autónomas encontra-se dividida entre a Assembleia legislativa e o Governo Regional.

Os regulamentos têm de respeitar a lei a que se referem, bem como o estatuto da região autónoma. Estes devem incidir sobre um interesse especifico da região. Apenas podemos considerar que a região autónoma tem poder regulamentar sobre as leis dos órgãos de soberania, caso a matéria a tratar tenha de facto importância ao nível da mesma.

Assumem a forma de decreto regulamentar regional.

O poder regulamentar das autarquias locais justifica-se pela necessidade de persecução não só de interesses gerais da comunidade nacional, mas também de interesses próprios das comunidades dentro da nação, cabendo a regulamentação desses interesses especificamente às autarquias, visto conhecerem as situações com mais proximidade. Têm poder regulamentar autárquico as juntas de freguesia e as assembleias municipais.

Os regulamentos emanados das autarquias locais também estão sujeitos a limites, tais como o princípio da legalidade e o facto de dever estar em causa a persecução de interesses próprios daquela comunidade.

Os regulamentos autárquicos estão subordinados aos emitidos pela autarquia de grau superior, nessa medida, os regulamentos emitidos pela freguesia estão subordinados aos emitidos pelo município (Art. 241 CRP). Para além disso, todos os regulamentos autárquicos devem respeitar aqueles que são emitidos pelo Governo.

Relativamente às universidades, (Art. 76/2 CRP) admitimos que o fundamento do seu poder regulamentar, reside num direito fundamental enquanto instituição, fornecendo-lhe assim um poder de autorregulação, autodeterminação e autogoverno.

Os regulamentos devem encontrar-se subordinados aos estatutos universitários, existindo apenas o poder de emitir um regulamento autónomo relativamente a matérias diretamente relacionadas com os assuntos universitários, com competência fundada em lei.

As ordens e câmaras profissionais são associações públicas que autorregulam profissões de interesse público, devendo representar e defender os interesses profissionais e regular a sua atividade, tanto na perspetiva da organização interna, como na perspetiva do exercício da profissão.



3.       Regulamentos emanados de entidades privadas com funções administrativas

Tradicionalmente, concebem-se os regulamentos como sendo normas jurídicas emanadas por órgãos de entidades administrativas, no entanto, cada vez mais os sujeitos privados se encontram incumbidos da função administrativa.

Neste âmbito falamos acerca de sociedades de participação pública, concessionários, entidades privadas que exercem tarefas de função administrativa, instituições particulares de solidariedade social e ainda pessoas coletivas de utilidade pública.

É requerida uma habilitação legal prévia, apenas podendo emitir regulamentos no âmbito das funções administrativas que lhes competem.



   VII.            Bibliografia

- FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 2016 (3ª edição), Almedina.

- GONÇALVES MONIZ, Ana Raquel; Estudos sobre os regulamentos administrativos, 2016, 2ª edição, Almedina.





Rafaela Lemos Carvalho, nº28090, B15








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