domingo, 9 de abril de 2017

Administração Electrónica: Admissibilidade e Limites


Constante do artigo 5º do CPA, o Princípio da boa administração vem reforçar a ideia de que toda a actividade administrativa deve ter como fim último a realização do interesse público, propósito que não pode obliviar-se em nenhuma das suas dimensões. Assim, em todos os contactos da Administração com o Cidadão, nos processos que antecedem a exteriorização de uma decisão por parte dos órgãos competentes e também no meio e modo como a interacção tem lugar, três critérios devem ser observados: "(...) eficiência, economicidade e celeridade.". Será este o conteúdo do referido princípio, cujo propósito, sumarizado no artigo 2º, naturalmente coincide com o supracitado interesse público (artigo 4º). Como indicado no Curso de Direito Administrativo II, de Diogo Freitas do Amaral, a injusticiabilidade do Princípio (relembre-se que os Tribunais não conhecem do mérito da actividade administrativa) não o torna inoperante. Não só se fala de um verdadeiro dever jurídico, como apontado pelo Professor, como nele confluem outros princípios, podendo este primeiro funcionar como referência material destes outros a que referimos.
Na dimensão tocante à relação entre a Administração e os Particulares  - devendo a Administração actuar em "(...) estreita colaboração (...)" com aqueles (artigo 11º), tem vindo a ganhar relevo o Princípio da administração electrónica, constante do artigo 14º. O pressuposto será, claro está, o de que o recurso à tecnologia agiliza a actividade administrativa, quer internamente, quer na sua relação com os particulares, à luz dos já referidos critérios. Recordando a costumeira convicção de que a Administração Pública peca pela falta de agilidade, devida à excessiva burocratização dos procedimentos, facilmente se compreende as aparentes vantagens da adesão às plataformas electrónicas - esquecendo, talvez, que a burocracia será, em parte, salvaguarda das garantias dos particulares: que dizer dos procedimentos automáticos, electronicamente programados? Outra questão pertinente será a de saber se é exigível a todo o cidadão o acesso a plataformas electrónicas, ou a medida de esforço exigível e os seus critérios de apreciação. Correr-se-á, talvez, o risco de burocratização electrónica, caso a transição dos meios convencionais para os meios agora propostos não seja acompanhada dos necessários esclarecimentos aos utilizadores - aqueles cujos interesses visava a transição e os membros da máquina administrativa, cujas actividades técnicas se vêm modificadas com as alterações a introduzir. Por outro lado, a própria estrutura orgânica da administração pode sofrer importantes alterações, uma vez simplificados ou até mesmo automatizados procedimentos ou até mesmo decisões - actos administrativos (e quem responsabilizar, em caso de falha electrónica grave, atentatória dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados?).  A dispensa de interacção entre humanos parece-nos inconcebível, por tudo quanto foi exposto. Ressalta ainda a ideia de que a falta de conhecimento do Administrado quando confrontado com a electronização - e sem qualquer preparação prévia que o habilite a relacionar-se com os programas (verdadeiros regulamentos administrativos codificados) - pode seguramente comprometer o seu são relacionamento com as autoridades administrativas, promovendo o distanciamento - e não a proximidade - entre ambos.
Particularmente assustadora será a hipótese de electronicamente se produzirem actos administrativos. O elemento fulcral - o da decisão - , pressupõe a apreciação de elementos de facto de e de Direito, relativamente aos quais uma máquina terá de se posicionar (sublinhando-se a estranheza do verbo empregue, quando referente a um programa informático) algoritmicamente. Poderá a máquina violar Princípios como os da igualdade e da proporcionalidade? E poderá um informático, ainda que juridicamente aconselhado, definir padrões de decisão que se apliquem a todos os casos com os quais a Administração se confronte? Poder-se-á falar, sequer, de uma ratio informatizada? De manifestações de vontade da Administração por meio de um programa?
Aqui se encontram os limites da electronização da Actividade Administrativa.

Filipa Almeida


Bibliografia: 

Amaral, D. F (2016). Curso de Direito Administrativo II. Coimbra: Almedina
Pereira da Silva, V. (2016). Em Busca do Acto Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina

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