terça-feira, 4 de abril de 2017

A Discricionariedade Administrativa

                                  A Discricionariedade Administrativa

   O objetivo deste Post é de expor as linhas delimitadoras da discricionariedade da Administração Pública portuguesa.
  
   A querela que contrapõe atos vinculados e atos discricionários é muito debatida na doutrina. Segundo Freitas do Amaral a vinculação e a discricionariedade são as duas formas típicas pelas quais a lei modela a atividade da Administração pública.
   A doutrina tem explicado a teoria dos atos vinculados e atos discricionários recorrendo a duas perspetivas diferentes: a perspetiva dos poderes da Administração ou a perspetiva dos atos da Administração. Segundo a teoria dos poderes da Administração, o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do respetivo titular a escolha da solução concreta mais adequada. Por outro lado, o poder é discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o confere. (Freitas do Amaral)

   Considero pertinente, no âmbito deste tema, falar acerca da Autonomia Pública. Bernardo Ayala refere que a Autonomia Pública se trata do ponto de partida para o estudo da margem de livre apreciação no quadro da função administrativa. A Autonomia Pública corresponde, portanto, à margem de livre decisão permitida por lei aos órgãos da Administração (Paulo Otero).
   A Autonomia Pública resulta de uma norma atributiva de competência concreta ao respeito órgão, é ainda uma forma de competência ou permissão legal integrante da competência do respetivo órgão.

   Não é de todo a minha intenção apresentar a Discricionariedade da Administração Pública enquanto um mal, até porque é a própria lei e intenção do legislador que fazem com que esta exista. A legalidade é o fundamento e limite máximo da discricionariedade da Administração Pública.
   Esta subordinação da discricionariedade da Administração Pública à lei encontra-se no Artigo 266.º CRP e no 3º do CPA.

   A discricionariedade não é, portanto, um fenómeno à margem da lei, ela só existirá em virtude e na medida em que o legislador previu que esta existisse.
   João Caupers, nas suas lições de Direito Administrativo, diz ainda que a Discricionariedade não resulta de um “esquecimento” ou de uma incapacidade de previsão do legislador, mas sim de uma opção deste, por considerar que, no entender do órgão decisor, será prosseguido melhor tal interesse público.
   A administração, através da permissão normativa, consegue ter uma margem de liberdade de decisão que é adaptável à diversidade de casos concretos com que esta se depara.
   A discricionariedade deve, pois, ser observada como algo inato à atividade administrativa. E embora as limitações impostas pela legislação, por critérios de eficiência e eficácia, a discricionariedade é um importante instrumento na prática da boa administração, pois orienta a entidade administrativa a prosseguir o interesse público, restringido a margem de decisão a critérios que promovam imparcialidade e a justiça, protegendo interesses legalmente protegidos e Direitos Subjetivos.

   Sérvulo Correia afirma que, no Direito Português, vigora para os atos administrativos o princípio da reserva total da norma jurídica, que determina que um ato administrativo só pode ser praticado à sombra de uma norma jurídica que autorize ou dite a sua emissão. No entanto, Sérvulo Correia diz ainda que deste princípio não decorre “qual deva ser o grau de intensidade da correspondência entre o acto administrativo e a norma em que se firma”.


Quanto ao Controlo jurisdicional da Discricionariedade
Bernardo Ayala identifica 7 vícios típicos:
1-     Incompetência absoluta e relativa;
2-     Usurpação de poderes;
3-     Desvio de poder;
4-     Vício de forma;
5-     Erro de facto;
6-     O erro manifesto de apreciação;
7-     A violação de lei por desrespeito dos princípios gerais de Direito;

   Em suma: A natureza da matéria condiciona, obviamente, a natureza da norma e dita um maior afastamento relativamente às suas condições de aplicação. Havendo este tipo de dúvida, é reconhecida à Administração uma margem livre de apreciação ou discricionariedade.

   A questão da Discricionariedade Administrativa surge, a maior parte das vezes, na tarefa de preenchimento dos conceitos indeterminados. Os conceitos indeterminados são os que requerem do órgão que aplica a norma um juízo próprio de valoração, avaliação ou prognose sobre incertezas suscitadas no caso concreto ( professor Dr. Vasco Pereira da Silva).
   Considero que pode ser pertinente, a respeito deste preenchimento dos conceitos indeterminados, referir o que é entendido por prognose. A prognose é um juízo autónomo de valoração somente subordinado a critérios de aptidão. Ex: nos concursos para preenchimento de vagas na Função Pública há muitas vezes um tipo de decisão, que é uma avaliação de mérito dos funcionários.

   A Discricionariedade é ainda limitada por princípios, e dentro destes princípios o da Proporcionalidade é um dos mais relevantes. A proporcionalidade desdobra-se em três sub-princípios:
1-     A adequação ou aptidão determina que, no exercício de uma margem de livre apreciação, o aplicador deva escolher critérios que sejam aptos, adequados à finalidade com que o legislador lhe concedeu a margem de livre apreciação.
2-     A indispensabilidade impõe que, quando, no âmbito da margem de livre decisão, o aplicador possa conceber medidas diferentes, nenhuma das quais excluída por proibição legal, para atingir o objetivo que o legislador lhe propõe, ele deve optar por, entre várias medidas em abstrato concebíveis como adequadas ou aptas à finalidade em causa, ele deve optar por aquela que seja menos danosa para o particular ou para os particulares;
3-     A proporcionalidade em sentido estrito obriga a realizar o “ balanço entre os vários custos e as vantagens”.

   A Autonomia Administrativa encontra-se, portanto, vinculada pelo fim, pelos pressupostos de autovinculação e pela legalidade em geral.

                        
(Exemplo prático de Margem de livre apreciação)
Margem de livre Apreciação no recrutamento e seleção de pessoal
   O concurso público obedece ao princípio de liberdade da candidatura, de igualdade de condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos, nos termos do artigo 5º do DL nº294/98, de 11 de Julho, devendo a seleção permitir avaliar e classificar os candidatos segundo as aptidões e capacidades indispensáveis para o exercício das tarefas e responsabilidade de cada função.
   A seleção de pessoal da Administração Pública assenta, portanto, na apreciação do mérito e capacidade dos aspirantes ao ingresso ou ao acesso num determinado quadro pessoal.
   De modo a tutelar o princípio da igualdade e assegurar o respeito do princípio da imparcialidade, o legislador consagrou algumas garantias, entre as quais é destacável a neutralidade do júri.
   Os avisos de abertura dos concursos públicos têm de ser publicitados, em obediência ao princípio da transparência, manifestação do princípio da imparcialidade constitucional e legalmente consagrado (artigo 266 nº2 CRP).
   Na fase de seleção são avaliados os candidatos, de modo a que se consigo averiguar a capacidade dos mesmos para exercer o cargo público – o Artigo 5º nº2, do Decreto de Lei nº 204/98, prevê que os métodos e critérios de avaliação devem ser objetivos.
   O Júri deve ainda pautar a sua conduta pelo respeito pelos princípios constitucionais e legais e pela observância da lei. Deve ainda fundamentar as suas decisões nas actas das reuniões.
  
   No que diz respeito à seleção de pessoal, pode ainda a Administração Pública equacionar critérios e factores que densifiquem os métodos de seleção a utilizar e ponderar para a escolha do candidato, sem prejuízo, das limitações legais, como a consideração obrigatória de certos factores na avaliação curricular, de adequação ou ajustamento dos mesmos para aferir e individualizar, de entre os candidatos, o dotado de perfil mais próximo ao perfil modelo delineado pelas funções, exigências e responsabilidades que lhe são inerentes.
   Existem ainda limitações à discricionariedade da administração no que diz respeito ao método de seleção da avaliação curricular, visto que a lei fixa, no nº2 do artigo 22º do Dl 204/98, fatores a ponderar como: habilitação académica de base, a formação profissional e a experiência profissional na área para que o concurso é aberto, bem como outras especificidades.


Bibliografia:
Curso de Direito Administrativo – Volume II – Freitas do Amaral
Introdução ao Direito Administrativo – João Caupers
Em Busca do Acto Administrativo Perdido – Vasco Pereira da Silva
Código do Procedimento Administrativo (Novo)
Constituição da República Portuguesa

Gabriel Nogueira Calado 
Aluno nº 28238

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