A Discricionariedade Administrativa
O objetivo deste Post é de expor as linhas
delimitadoras da discricionariedade da Administração Pública portuguesa.
A querela
que contrapõe atos vinculados e atos discricionários é muito debatida na
doutrina. Segundo Freitas do Amaral a
vinculação e a discricionariedade são as duas formas típicas pelas quais a lei
modela a atividade da Administração pública.
A doutrina
tem explicado a teoria dos atos vinculados e atos discricionários recorrendo a
duas perspetivas diferentes: a perspetiva dos poderes da Administração ou a
perspetiva dos atos da Administração. Segundo a teoria dos poderes da
Administração, o poder é vinculado quando a lei não remete para o critério do
respetivo titular a escolha da solução concreta mais adequada. Por outro lado,
o poder é discricionário quando o seu exercício fica entregue ao critério do
respetivo titular, que pode e deve escolher a solução a adotar em cada caso
como mais ajustada à realização do interesse público protegido pela norma que o
confere. (Freitas do Amaral)
Considero
pertinente, no âmbito deste tema, falar acerca da Autonomia Pública. Bernardo
Ayala refere que a Autonomia Pública se trata do ponto de partida para
o estudo da margem de livre apreciação no quadro da função administrativa. A
Autonomia Pública corresponde, portanto, à margem de livre decisão permitida
por lei aos órgãos da Administração (Paulo Otero).
A Autonomia
Pública resulta de uma norma atributiva de competência concreta ao respeito
órgão, é ainda uma forma de competência ou permissão legal integrante da
competência do respetivo órgão.
Não é de
todo a minha intenção apresentar a Discricionariedade da Administração Pública
enquanto um mal, até porque é a própria lei e intenção do legislador que fazem
com que esta exista. A legalidade é o
fundamento e limite máximo da discricionariedade da Administração Pública.
Esta subordinação da discricionariedade
da Administração Pública à lei encontra-se no Artigo 266.º CRP e no 3º do CPA.
A discricionariedade não é, portanto, um
fenómeno à margem da lei, ela só existirá em virtude e na medida em que o
legislador previu que esta existisse.
João
Caupers, nas suas lições de Direito Administrativo, diz ainda que a
Discricionariedade não resulta de um “esquecimento” ou de uma incapacidade de
previsão do legislador, mas sim de uma opção deste, por considerar que, no
entender do órgão decisor, será prosseguido melhor tal interesse público.
A
administração, através da permissão normativa, consegue ter uma margem de
liberdade de decisão que é adaptável à diversidade de casos concretos com que
esta se depara.
A
discricionariedade deve, pois, ser observada como algo inato à atividade administrativa.
E embora as limitações impostas pela legislação, por critérios de eficiência e
eficácia, a discricionariedade é um importante instrumento na prática da boa
administração, pois orienta a entidade administrativa a prosseguir o interesse
público, restringido a margem de decisão a critérios que promovam
imparcialidade e a justiça, protegendo interesses legalmente protegidos e
Direitos Subjetivos.
Sérvulo
Correia afirma que, no Direito Português, vigora para os atos
administrativos o princípio da reserva total da norma jurídica, que determina
que um ato administrativo só pode ser praticado à sombra de uma norma jurídica
que autorize ou dite a sua emissão. No entanto, Sérvulo Correia diz ainda
que deste princípio não decorre “qual deva ser o grau de intensidade da
correspondência entre o acto administrativo e a norma em que se firma”.
Quanto ao
Controlo jurisdicional da Discricionariedade
Bernardo Ayala identifica 7 vícios
típicos:
1- Incompetência
absoluta e relativa;
2- Usurpação
de poderes;
3- Desvio
de poder;
4- Vício
de forma;
5- Erro
de facto;
6- O
erro manifesto de apreciação;
7- A
violação de lei por desrespeito dos princípios gerais de Direito;
Em suma: A
natureza da matéria condiciona, obviamente, a natureza da norma e dita um maior
afastamento relativamente às suas condições de aplicação. Havendo este tipo de
dúvida, é reconhecida à Administração uma margem livre de apreciação ou
discricionariedade.
A questão da
Discricionariedade Administrativa surge, a maior parte das vezes, na tarefa de
preenchimento dos conceitos
indeterminados. Os conceitos indeterminados são os que requerem do órgão
que aplica a norma um juízo próprio de valoração, avaliação ou prognose sobre
incertezas suscitadas no caso concreto ( professor
Dr. Vasco Pereira da Silva).
Considero
que pode ser pertinente, a respeito deste preenchimento dos conceitos
indeterminados, referir o que é entendido por prognose. A prognose é um juízo autónomo de valoração somente subordinado a
critérios de aptidão. Ex: nos concursos
para preenchimento de vagas na Função Pública há muitas vezes um tipo de
decisão, que é uma avaliação de mérito dos funcionários.
A
Discricionariedade é ainda limitada por princípios,
e dentro destes princípios o da Proporcionalidade é um dos mais relevantes. A
proporcionalidade desdobra-se em três sub-princípios:
1- A
adequação ou aptidão determina que,
no exercício de uma margem de livre apreciação, o aplicador deva escolher
critérios que sejam aptos, adequados à finalidade com que o legislador lhe
concedeu a margem de livre apreciação.
2- A
indispensabilidade impõe que,
quando, no âmbito da margem de livre decisão, o aplicador possa conceber
medidas diferentes, nenhuma das quais excluída por proibição legal, para
atingir o objetivo que o legislador lhe propõe, ele deve optar por, entre
várias medidas em abstrato concebíveis como adequadas ou aptas à finalidade em
causa, ele deve optar por aquela que seja menos danosa para o particular ou
para os particulares;
3- A
proporcionalidade em sentido estrito
obriga a realizar o “ balanço entre os vários custos e as vantagens”.
A Autonomia Administrativa encontra-se,
portanto, vinculada pelo fim, pelos pressupostos de autovinculação e pela
legalidade em geral.
(Exemplo prático de Margem de livre apreciação)
Margem de
livre Apreciação no recrutamento e seleção de pessoal
O concurso
público obedece ao princípio de liberdade da candidatura, de igualdade de
condições e de igualdade de oportunidades para todos os candidatos, nos termos
do artigo 5º do DL nº294/98, de 11 de Julho, devendo a seleção permitir avaliar
e classificar os candidatos segundo as aptidões e capacidades indispensáveis
para o exercício das tarefas e responsabilidade de cada função.
A seleção de
pessoal da Administração Pública assenta, portanto, na apreciação do mérito e
capacidade dos aspirantes ao ingresso ou ao acesso num determinado quadro
pessoal.
De modo a
tutelar o princípio da igualdade e assegurar o respeito do princípio da
imparcialidade, o legislador consagrou algumas garantias, entre as quais é
destacável a neutralidade do júri.
Os avisos de
abertura dos concursos públicos têm de ser publicitados, em obediência ao
princípio da transparência, manifestação do princípio da imparcialidade
constitucional e legalmente consagrado (artigo 266 nº2 CRP).
Na fase de
seleção são avaliados os candidatos, de modo a que se consigo averiguar a
capacidade dos mesmos para exercer o cargo público – o Artigo 5º nº2, do Decreto
de Lei nº 204/98, prevê que os métodos e critérios de avaliação devem ser
objetivos.
O Júri deve
ainda pautar a sua conduta pelo respeito pelos princípios constitucionais e
legais e pela observância da lei. Deve ainda fundamentar as suas decisões nas
actas das reuniões.
No que diz
respeito à seleção de pessoal, pode
ainda a Administração Pública equacionar critérios e factores que densifiquem
os métodos de seleção a utilizar e ponderar para a escolha do candidato, sem
prejuízo, das limitações legais, como a consideração obrigatória de certos
factores na avaliação curricular, de adequação ou ajustamento dos mesmos para
aferir e individualizar, de entre os candidatos, o dotado de perfil mais
próximo ao perfil modelo delineado pelas funções, exigências e
responsabilidades que lhe são inerentes.
Existem
ainda limitações à discricionariedade da administração no que diz respeito ao
método de seleção da avaliação curricular, visto que a lei fixa, no nº2 do
artigo 22º do Dl 204/98, fatores a ponderar como: habilitação académica de
base, a formação profissional e a experiência profissional na área para que o
concurso é aberto, bem como outras especificidades.
Bibliografia:
Curso de Direito Administrativo – Volume II – Freitas
do Amaral
Introdução ao Direito Administrativo – João Caupers
Em Busca do Acto Administrativo Perdido – Vasco Pereira
da Silva
Código do Procedimento Administrativo (Novo)
Constituição da República Portuguesa
Gabriel Nogueira Calado
Aluno nº 28238
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