quinta-feira, 20 de abril de 2017

A invalidade do Ato Administrativo

   Quanto à invalidade por ilegalidade do ato administrativo
    Entende-se por invalidade o valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir. Portanto, um ato administrativo que viola a lei é um ato administrativo ilegal. Desde sempre que houve uma conexão histórica da invalidade com a ilegalidade, mas hoje em dia já se pode afirmar que há outras situações de invalidade que não são situações de ilegalidade, como é o caso, da ilicitude, os vícios de vontade - neste post apenas irei tratar das invalidades por ilegalidade.

   Quando se diz que um ato administrativo é ilegal, é porque este é contrario à lei, utilizando a palavra “lei” num sentido muito amplo. A legalidade inclui a Constituição, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos, nas suas cláusulas de carácter normativo, os atos administrativos constitutivos de direitos com força de “caso decidido”[1] – todo o bloco legal serve para avaliar a questão de ilegalidade ou legalidade de um ato administrativo.

   O prof. Vasco P. da Silva entende que a ilegalidade é um juízo de desconformidade de uma atuação administrativa com norma jurídica. Podendo estas, ser orgânicas (competência ou atribuições dos órgãos em causa), procedimentais (violação das regras de procedimento), formais que consistem no desrespeito da forma legalmente exigida para determinadas atuações materiais (obrigam a administração quer se trate de exercícios de poderes discricionários ou vinculados).

Existem várias formas de ilegalidade do ato administrativo nomeadamente:
Os tradicionais vícios do ato administrativo, são cinco os vícios do ato administrativo, habitualmente tratados pela doutrina, a usurpação de poder, a incompetência (correspondem à ideia de ilegalidade orgânica), o vício de forma (corresponde à ideia de ilegalidade formal), o desvio de poder e a violação da lei (correspondem à ideia de ilegalidade material).

1)     A usurpação de poder é o vício do ato administrativo pelo qual um órgão da administração pública exerce uma outra função do Estado que não a função administrativa, sem para isso estar habilitado, ver a este respeito o art. 161º/2 al. a) CPA. Tratando-se de um vício que se traduz na violação do princípio da separação de poderes, art. 2º e 111º da CRP,
Na opinião do prof. Freitas do Amaral, a usurpação de poder comporta três modalidades:
·           Usurpação do poder legislativo: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do poder legislativo (ex. criação de um imposto por ato administrativo, este só pode ser criado pelo poder legislativo, art. 165º/1. al. i) CRP).
·           Usurpação do poder moderador: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do poder moderador (ex. despacho do Primeiro-Ministro a demitir um funcionário da Presidência da República).

·           Usurpação do poder judicial[2]: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do poder judicial (ex. uma deliberação de uma câmara Municipal que declare a nulidade de um contrato civil).

2)     A incompetência é o vício que consiste na prática, por órgão administrativo, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo.
Tratando-se de uma consequência direta do princípio da reserva de lei, na sua dimensão de precedência de lei e do seu subprincípio da legalidade de competência.
Para que haja incompetência é necessário que o órgão administrativo que praticou o ato invada a esfera própria de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo, é o que diferencia este vício do anterior, pois o anterior é quando é invadida a esfera de outro poder do Estado.
A incompetência pode ser absoluta ou relativa: na incompetência relativa o ato está viciado apenas pela falta de competência do seu autor, nesta podendo-se distinguir quatro modalidades de incompetência: em razão da matéria, em razão da hierarquia, em razão do lugar e em razão do tempo.
Existe em razão da matéria quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo em função do conteúdo dos assuntos. Verifica-se em razão da hierarquia quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico. E existe em razão do lugar, quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território em causa, em razão do tempo quando o órgão administrativo exerce os seus poderes legais praticando um ato administrativo antes ou depois do momento ou período de tempo em que se encontra legalmente habilitado para o fazer.
Quanto à incompetência absoluta ou incompetência por falta de atribuições, trata-se de uma situação em que um órgão administrativo pratica um ato fora das atribuições da pessoa coletiva a que pertence.

3)     Vício de forma, afeta os atos administrativos praticados com desrespeito pelos seus requisitos objetivos formais de legalidade.
·           Vicio de forma por preterição da forma legal (carência de forma legal) – vício de forma em sentido restrito.
·           Vício de forma por preterição de formalidades essenciais – vício procedimental.
Prof. Freitas do Amaral aponta três modalidades:
a)     Preterição de formalidades anteriores à prática do ato – como é exemplo, a falta de audiência previa dos interessados num procedimento administrativo quando não tenha sido nem esteja dispensada;
b)     Preterição de formalidades reativas à prática do ato – como é exemplo, regras sobre a votação em órgãos colegiais.
c)      Carência de forma legal – por exemplo, prática, por despachos, de atos em relação aos quais a lei exija a forma de portaria ou decreto.
Importa frisar que a preterição de formalidades posteriores à prática do ato administrativo não produz ilegalidade, nem invalidade do ato, apenas pode produzir a sua ineficácia.
4)     O conteúdo essencial do vicio de violação de lei respeita às ilegalidades objetivas materiais dos atos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de fato, ao objeto, e ao conteúdo, por outras palavras, este vício consiste nas discrepâncias entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis.
Este vício é também utilizado pela doutrina para garantir o caracter fechado da teoria dos vícios do ato administrativo, assumindo assim um caracter residual.[3]

O vício de violação da lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei mande decidir algo.
A violação da lei comporta várias modalidades, tais como:
· A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo (sucederá também nas hipóteses em que se verifique erro de direito, um erro cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação de normas jurídicas;
· A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo, do objeto, dos seus pressupostos, ou dos elementos acessórios do ato administrativo.
· Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício.
5)     O último vício referente à invalidade por ilegalidade é o desvio de poder, é um vício funcional, ou seja, decorre da preterição de requisito de legalidade respeitantes ao fim e aos motivos dos atos administrativos – art.161º/2, al. e) CPA.
Consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condigna com o fim que a lei visou ao conferir tal poder[4].
É por isso uma discrepância entre o fim legal e o fim real (o fim que é realmente prosseguido pelo o órgão da Administração).
Para determinar a existência de um vicio desta natureza tem de se apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário, também tem de se averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática do ato administrativo em causa e por fim tem de se determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido.
Este vício comporta duas modalidades principais:
·           O desvio de poder para fins de interesse público – quando o órgão administrativo visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe.
·           O desvio de poder para fins de interesse privado – quando o órgão administrativo não prossegue um fim de interesse público, mas um fim privado.
Um ato administrativo pode conter simultaneamente várias ilegalidades: os vícios são cumuláveis, podendo inclusivamente acontecer que haja mais do que um vício do mesmo tipo, ver a este respeito o art.95º., nº3 CPTA.
    Quanto às consequências da ilegalidade, ou ilicitude, ou defeitos da vontade, isto é, quais as sanções que ordem jurídica determina para os atos administrativos que sofram destes vícios, os dois desvalores típicos dos atos da administração são a  nulidade e anulabilidade - a sede principal destas matérias encontra-se regulada nos artigos 161º. a 163º. do CPA.


[1] O Prof. Marcello Caetano defendia uma equiparação entre o ato administrativo e a sentença (na linha do defendido por Otto Mayer), assim o efeito de caso decidido se resumia numa convalidação do ato administrativo, o que implicava uma sanação do mesmo, passando a ser válido aos olhos da ordem jurídica, operando-se uma transformação na realidade substantiva por via de um efeito processual.
[2]não se verifica, no entanto, usurpação de poder nos casos de reserva relativa de jurisdição em que a administração está excecionalmente habilitada a exercer a função jurisdicional”
[3] MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 5ª ed., 2014, págs. 158 e 159.
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Coimbra, Vol. I, 4ª ed., 2015, e Vol. II, 3ª ed. 2016. Págs. 347 e 348.



Bibliografia:
  • FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 2016 (3ª edição), Almedina.
  • CAUPERS, João; EIRÓ, Vera; Introdução ao Direito Administrativo; 2016 (12ª edição), Âncora Editora.
  • SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral: Atividade administrativa, Tomo III. 1º edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2007.


Margarida Castanheira

Nº. 24285.




Sem comentários:

Enviar um comentário