Quanto à invalidade por ilegalidade do ato administrativo
Entende-se por invalidade o valor jurídico
negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão para a
produção dos efeitos jurídicos que devia produzir. Portanto, um ato
administrativo que viola a lei é um ato administrativo ilegal. Desde sempre que
houve uma conexão histórica da invalidade com a ilegalidade, mas hoje em dia já
se pode afirmar que há outras situações de invalidade que não são situações de
ilegalidade, como é o caso, da ilicitude, os vícios de vontade - neste post apenas irei tratar das invalidades por ilegalidade.
Quando se diz que um ato administrativo é
ilegal, é porque este é contrario à lei, utilizando a palavra “lei” num sentido
muito amplo. A legalidade inclui a Constituição, a lei ordinária, os regulamentos,
os contratos administrativos, nas suas cláusulas de carácter normativo, os atos
administrativos constitutivos de direitos com força de “caso
decidido”[1]
– todo o bloco legal
serve para avaliar a questão de ilegalidade ou legalidade de um ato
administrativo.
O prof. Vasco P. da Silva entende que a ilegalidade é um juízo de desconformidade de uma atuação administrativa com norma jurídica. Podendo estas, ser orgânicas (competência ou atribuições dos órgãos em causa), procedimentais (violação das regras de procedimento), formais que consistem no desrespeito da forma legalmente exigida para determinadas atuações materiais (obrigam a administração quer se trate de exercícios de poderes discricionários ou vinculados).
Existem várias formas de
ilegalidade do ato administrativo nomeadamente:
Os tradicionais vícios do
ato administrativo, são cinco os vícios do ato administrativo, habitualmente
tratados pela doutrina, a usurpação de poder, a incompetência (correspondem à
ideia de ilegalidade orgânica), o vício de forma (corresponde à ideia de
ilegalidade formal), o desvio de poder e a violação da lei (correspondem à
ideia de ilegalidade material).
1)
A
usurpação de poder é o
vício do ato administrativo pelo qual um órgão da administração pública exerce
uma outra função do Estado que não a função administrativa, sem para isso estar
habilitado, ver a este respeito o art. 161º/2 al. a) CPA. Tratando-se de um
vício que se traduz na violação do princípio da separação de poderes, art. 2º e
111º da CRP,
Na opinião do prof.
Freitas do Amaral, a usurpação de poder comporta três modalidades:
·
Usurpação
do poder legislativo: quando o órgão da administração pratica um ato que
pertence às atribuições do poder legislativo (ex. criação de um imposto por ato
administrativo, este só pode ser criado pelo poder legislativo, art. 165º/1. al.
i) CRP).
·
Usurpação
do poder moderador: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence
às atribuições do poder moderador (ex. despacho do Primeiro-Ministro a demitir
um funcionário da Presidência da República).
·
Usurpação
do poder judicial[2]:
quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do
poder judicial (ex. uma deliberação de uma câmara Municipal que declare a
nulidade de um contrato civil).
2)
A
incompetência é o vício
que consiste na prática, por órgão administrativo, de um ato incluído nas atribuições
ou na competência de outro órgão administrativo.
Tratando-se
de uma consequência direta do princípio da reserva de lei, na sua dimensão de precedência
de lei e do seu subprincípio da legalidade de competência.
Para que haja incompetência
é necessário que o órgão administrativo que praticou o ato invada a esfera própria
de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder
administrativo, é o que diferencia este vício do anterior, pois o anterior é
quando é invadida a esfera de outro
poder do Estado.
A incompetência pode ser
absoluta ou relativa: na incompetência relativa o ato está viciado apenas pela
falta de competência do seu autor, nesta podendo-se distinguir quatro
modalidades de incompetência: em razão da matéria, em razão da hierarquia, em
razão do lugar e em razão do tempo.
Existe em razão da matéria
quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão
administrativo em função do conteúdo dos assuntos. Verifica-se em razão da
hierarquia quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do
grau hierárquico. E existe em razão do lugar, quando um órgão administrativo
invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território em causa, em
razão do tempo quando o órgão administrativo exerce os seus poderes legais
praticando um ato administrativo antes ou depois do momento ou período de tempo
em que se encontra legalmente habilitado para o fazer.
Quanto à incompetência absoluta
ou incompetência por falta de atribuições, trata-se de uma situação em que um órgão
administrativo pratica um ato fora das atribuições da pessoa coletiva a que
pertence.
3)
Vício
de forma, afeta os atos
administrativos praticados com desrespeito pelos seus requisitos objetivos
formais de legalidade.
·
Vicio
de forma por preterição da forma legal (carência de forma legal) – vício de
forma em sentido restrito.
·
Vício
de forma por preterição de formalidades essenciais – vício procedimental.
Prof. Freitas do Amaral
aponta três modalidades:
a)
Preterição
de formalidades anteriores à prática do ato – como é exemplo, a falta de audiência
previa dos interessados num procedimento administrativo quando não tenha sido
nem esteja dispensada;
b)
Preterição
de formalidades reativas à prática do ato – como é exemplo, regras sobre a
votação em órgãos colegiais.
c)
Carência
de forma legal – por exemplo, prática, por despachos, de atos em relação aos
quais a lei exija a forma de portaria ou decreto.
Importa
frisar que a preterição de formalidades posteriores à prática do ato
administrativo não produz ilegalidade, nem invalidade do ato, apenas pode
produzir a sua ineficácia.
4)
O conteúdo
essencial do vicio de violação de lei respeita às ilegalidades objetivas
materiais dos atos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos
aos pressupostos de fato, ao objeto, e ao conteúdo, por outras palavras, este
vício consiste nas discrepâncias entre o conteúdo ou o objeto do ato e as
normas jurídicas que lhe são aplicáveis.
Este vício é também utilizado pela doutrina para garantir o
caracter fechado da teoria dos vícios do ato administrativo, assumindo assim um
caracter residual.[3]
O
vício de violação da lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes
vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou
nada decida quando a lei mande decidir algo.
A violação da lei comporta
várias modalidades, tais como:
· A falta de base legal, isto é, a prática
de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse
tipo (sucederá também nas hipóteses em que se verifique erro de direito, um
erro cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação de
normas jurídicas;
· A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade
do conteúdo, do objeto, dos seus pressupostos, ou dos elementos acessórios do
ato administrativo.
· Qualquer outra ilegalidade do ato
administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício.
5)
O
último vício referente à invalidade por ilegalidade é o desvio de poder,
é um vício funcional, ou seja, decorre da preterição de requisito de legalidade
respeitantes ao fim e aos motivos dos atos administrativos – art.161º/2, al. e)
CPA.
Consiste
no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente
determinante que não condigna com o fim que a lei visou ao conferir tal poder[4].
É por isso uma discrepância
entre o fim legal e o fim real (o fim que é realmente prosseguido pelo o órgão da
Administração).
Para determinar a existência
de um vicio desta natureza tem de se apurar qual o fim visado pela lei ao
conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário,
também tem de se averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática
do ato administrativo em causa e por fim tem de se determinar se este motivo
principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente
estabelecido.
Este vício comporta duas
modalidades principais:
·
O
desvio de poder para fins de interesse público – quando o órgão administrativo
visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe.
·
O desvio
de poder para fins de interesse privado – quando o órgão administrativo não prossegue
um fim de interesse público, mas um fim privado.
Um ato administrativo pode
conter simultaneamente várias ilegalidades: os vícios são cumuláveis, podendo inclusivamente acontecer que haja mais do que um vício do mesmo tipo, ver a este respeito o art.95º., nº3 CPTA.
Quanto às consequências da ilegalidade, ou ilicitude, ou defeitos da vontade, isto é, quais as sanções que ordem jurídica determina para os atos administrativos que sofram destes vícios, os dois desvalores típicos dos atos da administração são a nulidade e anulabilidade - a sede principal destas matérias encontra-se regulada nos artigos 161º. a 163º. do CPA.
[1] O Prof. Marcello Caetano defendia
uma equiparação entre o ato administrativo e a sentença (na linha do defendido
por Otto Mayer), assim o efeito de caso decidido se resumia numa convalidação
do ato administrativo, o que implicava uma sanação do mesmo, passando a ser
válido aos olhos da ordem jurídica, operando-se uma transformação na realidade
substantiva por via de um efeito processual.
[2] “não se verifica, no entanto, usurpação de
poder nos casos de reserva relativa de jurisdição em que a administração está
excecionalmente habilitada a exercer a função jurisdicional”
[3] MARCELO
REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I,
5ª ed., 2014, págs. 158 e 159.
[4] DIOGO
FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Coimbra, Vol. I, 4ª ed.,
2015, e Vol. II, 3ª ed. 2016. Págs. 347 e 348.
Bibliografia:
- FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 2016 (3ª edição), Almedina.
- CAUPERS, João; EIRÓ, Vera; Introdução ao Direito Administrativo; 2016 (12ª edição), Âncora Editora.
- SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral: Atividade administrativa, Tomo III. 1º edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2007.
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