sexta-feira, 28 de abril de 2017

Tipologia dos actos administrativos

O acto administrativo é uma decisão de um órgão da Administração que, sujeito a normas de direito público,visa produzir efeitos numa dada situação.
Quanto ao tipo,os actos dividem-se em dois grupos:
•Actos primários;
•Actos secundários;
Os actos primários subdividem-se em actos impositivos e actos permissivos
Na categoria dos actos impositivos,integram-se:
- actos de comando: que impõem a adopção,por parte do particular, de uma conduta positiva ( ordens ) ou negativa ( proibições );
- actos abalativos: geradores de extinção ou modificação do conteúdo de um direito. Têm como contrapartida uma indemnização compensatória por parte da Administração Pública;
-juízos: actos através dos quais um orgão administrativo qualifica pessoas,coisas ou actos submetidos à sua apreciação,segundo valores de justiça ou critérios técnicos;
- punitivos: impõem uma sanção de carácter administrativo,que resultam de comportamentos ilícitos por parte dos particulares,por violação de normas de direito administrativo. Existem diversas sanções administrativas como as sanções disciplinares internas e externas,institucionais e corporativas e municipais;
Os actos permissivos,que possibilitam a adopção de uma conduta ou a omissão de um comportamento – que de outro modo estaria vedado ao particular – podem conferir ou ampliar vantagens.
Compreendem:
- a autorização: que permite ao destinatário a prática de um direito ou competência preexistente;
- a licença: que concede o direito de exercer uma actividade privada legalmente proibida;
- a concessão: possibilita à Administração transferir para a entidade privada o exercício de uma actividade pública,cujo destinatário a desempenhará por sua conta e risco – apesar de ser de interesse público;
- delegação: acto através do qual a Administração,com competência em determinada matéria permite (nos termos da lei) que outro órgão ou titular pratique actos incidentes sobre essa mesma matéria,para a qual passará, também,a ter competência;
- admissão: permite a investidura de um particular numa determinada categoria legal,que lhe confere deveres e direitos;
- subvenção: acto através do qual a AP atribuí a um particular uma quantia de dinheiro destinada a cobrir os custos inerentes à prossecução de uma actividade privada com reconhecido interesse público.
Alude-se,doutrinariamente,às pré-decisões,que têm como objectivo diminuir o risco de investimento dos sujeitos de direito privado,uma vez que pré-avisam em relação ao que poderá surgir no final do procedimento administrativo. Distinguem-se,no seu seio,os actos prévios – através dos quais a Administração Pública resolve questões particulares com decisão dependente de autorização ou licença requerida pelo particular – e os actos parciais – através dos quais a Administração decide antecipadamente uma parte da questão final,que seria decidida mais tarde em relação a um acto permissivo.
Contudo,os actos permissivos podem,por outro lado,conferir ao particular efeitos absolutamente opostos aos acima mencionados – são actos permissivos,que ao invés dos anteriores,eliminam ou reduzem vantagens.
Alude-se aos seguintes:
-dispensa: permissão,nos termos da lei,e face ao seu destinatário,do não cumprimento de uma obrigação geral. Incorpora duas modalidades:
– isenção: concedida para prosseguir um interesse público relevante;
– escusa: facultada a um órgão da AP para garantir a imparcialidade da sua actuação;
- renúncia: gera a perda de um direito na esfera do particular.
Por sua vez, os actos secundários,incidem sobre um acto primário anterior regulando de modo indirecto a realidade subjacente ao acto primitivo. Comportam três categorias:
• actos integrativos: completam actos administrativos anteriores;
• actos saneadores: eliminam a ilegalidade de um acto administrativo anterior e, os seus efeitos repercutem-se nos efeitos do acto correspondente;
• actos desintegrativos: implicam a destruição total ou parcial dos efeitos dos actos administrativos anteriores.
Quanto aos primeiros:
- aprovação: confere eficácia a um acto anterior preexistente. Distingue-se da homologação uma vez que esta última,por seu turno,não incide sobre um acto mas sim sobre um parecer/proposta;
- visto: declara que a AP tomou conhecimento de outro acto,conferindo-lhe eficácia sem se pronunciar acerca do seu conteúdo;
- acto confirmativo: permite manter em vigor e conferir obrigatoriedade a um acto administrativo prévio;
- ratificação-confirmativa: acto através do qual determinado orgão competente para dispor acerca de certa matéria,confere a sua concordância a actos praticados por um orgão excepcionalmente competente, a titulo extraordinário;
Os actos saneadores integram:
-ratificação: visa suprir as ilegalidades de que padece um acto inválido praticado anteriormente;
- reforma: permite “conservar” a parte do acto não afectada pela ilegalidade;
- conversão: tal como o próprio nome indica,pretende converter um acto ilegal anterior num acto legal.
Todos têm eficácia retroactiva
Relativamente aos actos desintegrativos:
- revogação: destrói os efeitos de um acto anterior;
- declaração de nulidade: tem como finalidade afirmar que determinado acto é insusceptível de produzir efeitos jurídicos;
- declaração de inexistência: declara como inexistente um acto jurídico anterior;
- declaração de caducidade: expira os efeitos de actos jurídicos posteriores;
- substituição: dispõe-se novamente sobre determinada matéria mas de forma incompatível, impondo o fim da vigência do acto anterior. Se a substituição for parcial, o acto anterior só deixa de vigorar na parte em que é incompatível com o acto posterior.
- modificação: altera um acto anterior,mas não cessa a sua vigência. Apenas continua a vigorar o mesmo acto com conteúdo ou objecto diferentes;
- suspensão: paralisa temporariamente os efeitos do acto;
- rescisão: permite que a Administração extinga contratos unilateralmente.
Importa, por fim,fazer uma breve referência aos actos instrumentais, auxiliares de actos decisórios. Incorporam as declarações de conhecimento(1) e os actos opinativos(2)
(1): através delas a AP exprime o seu conhecimento relativo a certos factos ou situações. Têm eficácia retroactiva mas não alteram as situações anteriores;
(2): permitem que a AP expresse a sua opinião acerca de determinada questão. Incluem:
• informações burocráticas: opiniões concedidas pelos serviços ao seu superior hierárquico com poder decisório/não se confundem com as informações ao público prestadas pela Administração (estas últimas são declarações de conhecimento);
• recomendações: emite-se uma opinião apelando ao orgão competente que decida de certo modo,sem impor qualquer decisão;
• pareceres: elaborados por peritos especializados ou orgãos colegiais consultivos.

Beatriz Antunes
28264

sexta-feira, 21 de abril de 2017

OS MODOS PARADIGMÁTICOS DE EXERCÍCIO DO PODER ADMINISTRATIVO

A Administração Pública exerce o poder administrativo através do regulamento administrativo, do ato administrativo, do contrato administrativo e, ainda através de operações materiais.

Analisaremos, os modos paradigmáticos de exercício do poder administrativo.

O regulamento administrativo consiste em “normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos”, conforme dispõe o artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA, doravante). A existência de regulamento depende de lei habilitante, ao abrigo do artigo 136.º, nº1, CPA. Existem diversas modalidades de regulamentos administrativos que podemos distinguir, em função:
  • ·         do seu objeto- podemos referir três espécies de regulamentos: de organização, de funcionamento e de polícia. Os de organização, nas palavras do Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, versam sobre a organização da “máquina administrativa”, uma vez que distribuem, pelos diversos departamentos e unidades, as funções. Os de funcionamento são, muitas vezes confundidos com os primeiros, todavia estes são responsáveis pela disciplina da vida quotidiana dos serviços públicos. Os últimos, impõem limitações à liberdade individual, com o intuito de evitar que sucedam danos, originados pela conduta dos indivíduos.
  • ·       da sua relação com a lei- podemos distinguir duas modalidades de regulamento, designadamente, os regulamentos complementares ou de execução e os regulamentos de independentes ou autónomos. Os primeiros “são aqueles que desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei”. Os segundos, nos termos do nº3 do artigo 136.º, são os “que visam introduzir uma disciplina jurídica inovadora no âmbito das atribuições das entidades que os emitam”.
  • ·  do seu âmbito de aplicação- a partir do terceiro critério distinguem-se três espécies:regulamentos gerais, institucionais e locais. Os gerais vigoram em todo o território de Portugal Continental. Os locais são os que a sua vigência é delimitada pelo território, exemplificando, os regulamentos regionais – aplicáveis nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Os institucionais são os provenientes das associações ou institutos públicos, cuja aplicação se restringe aos indivíduos que estão sobre a sua jurisdição.
  • ·         da projeção da sua eficácia –este critério permite-nos distinguir entre regulamentos internos e externos. Sendo que os primeiros apenas produzem efeitos na esfera jurídica do órgão que os emana, ao passo que os segundos produzem efeitos jurídicos em relação a outros sujeitos diferentes, ou seja, produz efeitos relativamente a outras pessoas coletivas publicas ou em relação a particulares. O artigo 135º do CPA consagra esta ultima espécie de regulamento.

Ao poder regulamentar são impostos limites:
  • ·         Princípios gerais de Direito
  • ·  A Constituição – esta consagra diversas regras relativas aos regulamentos administrativos, nomeadamente, sobre a forma. A violação do disposto na constituição leva à inconstitucionalidade dos regulamentos.
  • ·         Princípios gerais de Direito Administrativo
  • ·    O princípio da legalidade (a Lei) - um ato legislativo não pode ser contrariado por regulamento - princípio da preferência de lei.Os únicos regulamentos permitidos em matérias reservadas à lei são os de execução.
  • ·      A disciplina jurídica constante de regulamentos editados por órgãos que se situem num plano superior ao do órgão que editou o regulamento.
  • ·      Proibição de regulamentos que imponham, retroativamente, deveres, encargos, ónus, sanções ou sujeições, que sejam mais gravosos e/ou restrinjam direitos ou interesses lealmente protegidos, de acordo com o disposto no artigo 141.º CPA.
  • ·       Limites de forma e de competência – A competência dos órgãos é estabelecida pela constituição e pela lei, sendo que um regulamento emanado por um órgão que não tenha competência para tal, sofrerá de ilegalidade ou inconstitucionalidade orgânica.


     O CPA consagra, também, preceitos que limitam os regulamentos em termos de eficácia      e invalidade. O artigo 143.ºprevê, no nº1, que “são inválidos os regulamentos que sejam      desconformes com a Constituição, a lei e os princípios gerais de direito administrativo ou     que infrinjam normas de direito internacional ou de direito da União Europeia”. No nº2            consagra outras três causas de invalidade:
  • a)    a violação de regulamentos emanados de órgãos hierarquicamente superiores ou dotados de superintendência;
  • b)    o desrespeito por regulamentos emanados pelo delegante, salvo se a delegação incluir a competência regular;
  • c)    o desrespeito pelos estatutos emanados ao abrigo da autonomia normativa nas quais se funde a competência para a respetiva emissão.


             Relativamente à competência e à forma, existem diferentes tipos de regulamento,                designadamente,
  • O regulamento do Governo – a competência regulamentar cabe ao Governo. Esta competência é atribuída pelo artigo 199.º, alínea c), da Constituição da República Portuguesa (futuramente, CRP): “fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis”; e, ainda pela alínea g) do mesmo artigo: “praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção de desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas”. Em regra, a competência cabe ao Ministro responsável pelo assunto em causa. Apenas nos casos expressamente previstos na Lei, o Conselho de Ministros intervém, como dispõe o artigo 201.º, nº2, alínea a), da CRP.
  • No que diz respeito à forma, o regulamento do Governo pode adotar diferentes formas:
  • ·         Decreto regulamentar – forma solene de regulamento do Governo. Artigo 112.º, nº6, CRP. Carece de aprovação do Conselho de Ministros
  • ·    A resolução do Conselho de Ministros – surge quando a competência regulamentar está a cargo do Conselho de Ministros; não são necessariamente regulamentos, podendo adotar a forma de atos administrativos ou outro tipo de atos. Carece de aprovação do Conselho de Ministros
  • ·         Portaria – ocorre quando o regulamento é emanado, em nome do Governo, por um ou mais ministros. Não necessita de aprovação do Conselho de Ministros.
  • ·        Despacho normativo – Emanado de um Ministro, desta vez não em nome do Governo, mas sim do seu Ministério.
  • ·        Despacho simples – o conteúdo pode ter matéria regulamento, contudo não é correto.

O regulamento das regiões autónomas
Quer o Governo Regional, quer a Assembleia Legislativa, têm competência para “regulamentar a legislação regional e as leis emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respetivo poder regulamentar”. Esta competência é atribuída pelo artigo 227.º, nº1, alínea d), da CRP. Ao Governo Regional cabe regulamentar a matéria da sua organização e funcionamento, nos termos do artigo 231.º, nº6, da CRP.
A forma não está consagrada na Constituição da República Portuguesa, porém, o Estatuto Político Administrativo prevê-o:
  • ·         Decreto legislativo regional – regulamentos da Assembleia legislativa regional, das leis emanadas dos órgãos de soberania que não tenham competência para regulamentar a matéria em causa.
  • ·         Decreto Regulamentar regional – regulamentos do Governo Regional.

O regulamento das autarquias locais
O artigo 241.º, da CRP, atribui competência regulamentar às Autarquias locais. O regulamento, no seguimento dos Professores Vital Moreira e Gomes Canotilho, é a forma de legislar das Autarquias locais. O regulamento permite a esta entidade dar resposta às especificidades locais, com maior facilidade e eficiência. Trata-se de um poder regulamentar autónomo.


Analisemos agora o Contrato administrativo.
Este modo de atuação da Administração Pública tem vindo a adquirir cada vez mais relevância. A administração para prosseguir os seus interesses procura a colaboração dos particulares.
O contrato administrativo “é o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica”.
Para a celebração de um contrato administrativo não é necessário uma habilitação específica, conforme dispõe o nº3, do artigo 200.º, do CPA.
De contrato administrativo podemos distinguir o contrato público - os celebrados pela Administração Pública, independentemente de serem, ou não, regulados pelo direito administrativo.Assim, todos os contratos administrativos são públicos.

Os contratos administrativos têm classificações diversas:
  • ·Contratos entre a Administração e particulares, entre entidades públicas e só entre particulares – os contratos mais vulgares são os entre a Administração e o particular. Este tipo de contratos está previsto no Código dos Contratos Públicos (CCP, de agora em diante), na Parte III do Título II: empreitadas de obras-públicas, contratos de bens móveis e de serviços, exemplificando.
  • No caso de a parte pública ser uma entidade privada no exercício de funções materialmente administrativas podemos estar perante um contrato entre particulares.
  • Os contratos entre entidades públicas são aqueles cujas partes são, somente, pessoas coletivas públicas ou entidades que compõem a Administração Pública.
  • Contratos de colaboração e de atribuição - está em causa o critério da finalidade. Os de colaboração “são aqueles pelos quais uma das partes se obriga a proporcionar à outra uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas, mediante remuneração.”
  • O contrato de atribuição são os que têm por causa-função atribuir uma vantagem ao particular. Nestes casos a prestação relevante e essencial é a da Administração, assumindo a do particular uma posição de mera consequência.
  • Contratos de subordinação e de cooperação– está em causa a posição relativa dos contraentes no equilíbrio contratual. Nos primeiros o contraente público pode fiscalizar, modificar, sancionar e resolver, unilateralmente, o contrato. No caso dos segundos, surgem relações de igualdade entre as partes.
  • Contratos Primários e Secundários – os que regulam as situações da vida diretamente correspondem aos primários. Os secundários são os que versam sobre contratos anteriores, alterando-os ou extinguindo-os.
  • ·Contratos administrativos típicos e atípicos – os primeiros estão previstos e caracterizados na Lei, ao passo que os segundos não são referidos pela Lei, sendo que no âmbito da autonomia contratual pública a Administração pode celebrar contratos “novos”. 
  • Contratos administrativos com objeto passível de ato administrativo e com objeto passível de contrato de direito privado- uns têm por objeto uma situação jurídica que poderia ser regulada por Direito administrativo. Outros têm por objeto situações jurídicas que também poderiam ser objeto de um contrato de direito privado.


        Vejamos, agora, as Operações Materiais Administrativas

As operações Materiais Administrativas definem-se como quaisquer tipos de               atuação física levada a cabo pela Administração Pública, em seu nome ou por sua conta,   para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real.”Temos, como       exemplo, deste modo de atuação da Administração Pública, os trabalhos de construção     civil efetuados para a realização de uma obra pública ou, a intervenção policial para deter   suspeitos da prática de um crime.
As “operações materiais” pressupõem a existência de uma ação física no mundo real e     são executadas por agentes da Administração Pública, no segundo supra mencionado, a polícia.

Tendo por base determinados critérios podemos distinguir diversos tipos de operações materiais administrativas:
  • ·  Estrutura – podemos identificar dois tipos de “operações”: as continuadas e as instantâneas. As primeiras prolongam-se no tempo, quer através de prestações periódicas ou de uma atuação única. As que ocorrem num único momento correspondem às instantâneas.
  • ·      Finalidade– podem visar a conservação de uma situação de facto, ou a modificação de uma situação existente, ou, ainda, a total eliminação de um objeto.
  • ·        Regime jurídico– podemos distinguir a gestão pública e a gestão privada. As de gestão pública são efetuadas no exercício de poderes públicos. As de gestão privada são as que decorrem do direito privado.
  • ·     Significado e alcance – podem, segundo este critério, ser Internas – efetivam-se no âmbito da entidade pública que as promove; ou Externas–se atingirem, fisicamente, a pessoa ou o património de outros sujeitos de direito.
  • ·       Conformidade com as leis em vigor – podemos identificar as “operações” legais e as ilegais.


As operações materiais administrativas carecem de habilitação legal. Na realização destas, a Administração Pública está sujeita aos princípios constitucionais do Direito Administrativo, aos princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade e de respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares.

Analisemos, agora, o Ato Administrativo.
O conceito de Ato administrativo surgiu como modo de delimitação de certos comportamentos da Administração, em função da fiscalização da sua atividades pelos tribunais. Primeiramente, funcionou como garantia da administração e, posteriormente, como garantia dos particulares.
A noção legal está positivada no artigo 148.º do CPA. O Ato administrativo, segundo uma definição doutrinária, consiste no “ato jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da administração, ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta”.
No período do Estado Liberal o ato administrativo é o centro de todas as coisas. O ato administrativo permitiria a resolução de todos os problemas.
As teorias atocêntricas defendem que o ato administrativo era tudo, assumindo-se como protagonista do Direito Administrativo. A Administração impunha de forma autoritária a sua vontade aos particulares.
O Professor Marcello Caetano designa o ato como definitivo executório. Era definitivo porque definia o tal direito aplicado ao particular. Era praticado pelo governo, terminava o procedimento administrativo e definia o direito.O ato executório existia no direito substantivo, permanecendo no domínio processual, como juízo sobre o ato e não como ação.
No Estado Social e Pós-Social, as relações jurídicas passam a ser multilaterais. Uma decisão administrativa, independentemente, da forma que adote, tem uma multiplicidade de sujeitos que são afetados e que, portanto, devem ser sujeitos da relação jurídica administrativa. O Professor Doutor Francisco Paes Marques, na sua tese de doutoramento, aborda as relações jurídicas multilaterais. O Professor designa as relações jurídicas de multipolares, acrescentando, ainda, que são sinónimos de relações multilaterais epoligonais.O Professor Doutor Vasco Pereira da Silva discorda dessa nominação, todavia, admite que, no direito português, as expressões em causa são utilizadas como sinónimas, quer pelo Professor Gomes Canotilho, quer pelo Professor Sérvulo Correia.

Em suma, a Administração Pública portuguesa, em tempos, apenas prosseguia as suas funções recorrendo ao ato administrativo. Atualmente, dispõe de uma multiplicidade de formas de atuação, sendo que, deve escolher a que considerar mais correta para a satisfação do interesse em causa, tendo sempre em atenção determinados critérios, nomeadamente, os princípios gerais de direitos, a Constituição e a Lei.


Bibliografia 

AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", vol. II, 3º edição, Almedina, 2016 
Constituição da República Portuguesa, AAFDL, 2015.
Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, 2015.
Código dos Contratos Públicos 
SILVA, Vasco Pereira da, "Em Busca do Ato Administrativo"

Madalena Rosado
nº28141

quinta-feira, 20 de abril de 2017

A invalidade do Ato Administrativo

   Quanto à invalidade por ilegalidade do ato administrativo
    Entende-se por invalidade o valor jurídico negativo que afeta o ato administrativo em virtude da sua inaptidão para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir. Portanto, um ato administrativo que viola a lei é um ato administrativo ilegal. Desde sempre que houve uma conexão histórica da invalidade com a ilegalidade, mas hoje em dia já se pode afirmar que há outras situações de invalidade que não são situações de ilegalidade, como é o caso, da ilicitude, os vícios de vontade - neste post apenas irei tratar das invalidades por ilegalidade.

   Quando se diz que um ato administrativo é ilegal, é porque este é contrario à lei, utilizando a palavra “lei” num sentido muito amplo. A legalidade inclui a Constituição, a lei ordinária, os regulamentos, os contratos administrativos, nas suas cláusulas de carácter normativo, os atos administrativos constitutivos de direitos com força de “caso decidido”[1] – todo o bloco legal serve para avaliar a questão de ilegalidade ou legalidade de um ato administrativo.

   O prof. Vasco P. da Silva entende que a ilegalidade é um juízo de desconformidade de uma atuação administrativa com norma jurídica. Podendo estas, ser orgânicas (competência ou atribuições dos órgãos em causa), procedimentais (violação das regras de procedimento), formais que consistem no desrespeito da forma legalmente exigida para determinadas atuações materiais (obrigam a administração quer se trate de exercícios de poderes discricionários ou vinculados).

Existem várias formas de ilegalidade do ato administrativo nomeadamente:
Os tradicionais vícios do ato administrativo, são cinco os vícios do ato administrativo, habitualmente tratados pela doutrina, a usurpação de poder, a incompetência (correspondem à ideia de ilegalidade orgânica), o vício de forma (corresponde à ideia de ilegalidade formal), o desvio de poder e a violação da lei (correspondem à ideia de ilegalidade material).

1)     A usurpação de poder é o vício do ato administrativo pelo qual um órgão da administração pública exerce uma outra função do Estado que não a função administrativa, sem para isso estar habilitado, ver a este respeito o art. 161º/2 al. a) CPA. Tratando-se de um vício que se traduz na violação do princípio da separação de poderes, art. 2º e 111º da CRP,
Na opinião do prof. Freitas do Amaral, a usurpação de poder comporta três modalidades:
·           Usurpação do poder legislativo: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do poder legislativo (ex. criação de um imposto por ato administrativo, este só pode ser criado pelo poder legislativo, art. 165º/1. al. i) CRP).
·           Usurpação do poder moderador: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do poder moderador (ex. despacho do Primeiro-Ministro a demitir um funcionário da Presidência da República).

·           Usurpação do poder judicial[2]: quando o órgão da administração pratica um ato que pertence às atribuições do poder judicial (ex. uma deliberação de uma câmara Municipal que declare a nulidade de um contrato civil).

2)     A incompetência é o vício que consiste na prática, por órgão administrativo, de um ato incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo.
Tratando-se de uma consequência direta do princípio da reserva de lei, na sua dimensão de precedência de lei e do seu subprincípio da legalidade de competência.
Para que haja incompetência é necessário que o órgão administrativo que praticou o ato invada a esfera própria de outra autoridade administrativa, mas sem sair do âmbito do poder administrativo, é o que diferencia este vício do anterior, pois o anterior é quando é invadida a esfera de outro poder do Estado.
A incompetência pode ser absoluta ou relativa: na incompetência relativa o ato está viciado apenas pela falta de competência do seu autor, nesta podendo-se distinguir quatro modalidades de incompetência: em razão da matéria, em razão da hierarquia, em razão do lugar e em razão do tempo.
Existe em razão da matéria quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo em função do conteúdo dos assuntos. Verifica-se em razão da hierarquia quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico. E existe em razão do lugar, quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território em causa, em razão do tempo quando o órgão administrativo exerce os seus poderes legais praticando um ato administrativo antes ou depois do momento ou período de tempo em que se encontra legalmente habilitado para o fazer.
Quanto à incompetência absoluta ou incompetência por falta de atribuições, trata-se de uma situação em que um órgão administrativo pratica um ato fora das atribuições da pessoa coletiva a que pertence.

3)     Vício de forma, afeta os atos administrativos praticados com desrespeito pelos seus requisitos objetivos formais de legalidade.
·           Vicio de forma por preterição da forma legal (carência de forma legal) – vício de forma em sentido restrito.
·           Vício de forma por preterição de formalidades essenciais – vício procedimental.
Prof. Freitas do Amaral aponta três modalidades:
a)     Preterição de formalidades anteriores à prática do ato – como é exemplo, a falta de audiência previa dos interessados num procedimento administrativo quando não tenha sido nem esteja dispensada;
b)     Preterição de formalidades reativas à prática do ato – como é exemplo, regras sobre a votação em órgãos colegiais.
c)      Carência de forma legal – por exemplo, prática, por despachos, de atos em relação aos quais a lei exija a forma de portaria ou decreto.
Importa frisar que a preterição de formalidades posteriores à prática do ato administrativo não produz ilegalidade, nem invalidade do ato, apenas pode produzir a sua ineficácia.
4)     O conteúdo essencial do vicio de violação de lei respeita às ilegalidades objetivas materiais dos atos administrativos que desrespeitem requisitos de legalidade relativos aos pressupostos de fato, ao objeto, e ao conteúdo, por outras palavras, este vício consiste nas discrepâncias entre o conteúdo ou o objeto do ato e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis.
Este vício é também utilizado pela doutrina para garantir o caracter fechado da teoria dos vícios do ato administrativo, assumindo assim um caracter residual.[3]

O vício de violação da lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a Administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decida quando a lei mande decidir algo.
A violação da lei comporta várias modalidades, tais como:
· A falta de base legal, isto é, a prática de um ato administrativo quando nenhuma lei autoriza a prática de um ato desse tipo (sucederá também nas hipóteses em que se verifique erro de direito, um erro cometido pela Administração na interpretação, integração ou aplicação de normas jurídicas;
· A incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo, do objeto, dos seus pressupostos, ou dos elementos acessórios do ato administrativo.
· Qualquer outra ilegalidade do ato administrativo insuscetível de ser reconduzida a outro vício.
5)     O último vício referente à invalidade por ilegalidade é o desvio de poder, é um vício funcional, ou seja, decorre da preterição de requisito de legalidade respeitantes ao fim e aos motivos dos atos administrativos – art.161º/2, al. e) CPA.
Consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condigna com o fim que a lei visou ao conferir tal poder[4].
É por isso uma discrepância entre o fim legal e o fim real (o fim que é realmente prosseguido pelo o órgão da Administração).
Para determinar a existência de um vicio desta natureza tem de se apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário, também tem de se averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática do ato administrativo em causa e por fim tem de se determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido.
Este vício comporta duas modalidades principais:
·           O desvio de poder para fins de interesse público – quando o órgão administrativo visa alcançar um fim de interesse público, embora diverso daquele que a lei impõe.
·           O desvio de poder para fins de interesse privado – quando o órgão administrativo não prossegue um fim de interesse público, mas um fim privado.
Um ato administrativo pode conter simultaneamente várias ilegalidades: os vícios são cumuláveis, podendo inclusivamente acontecer que haja mais do que um vício do mesmo tipo, ver a este respeito o art.95º., nº3 CPTA.
    Quanto às consequências da ilegalidade, ou ilicitude, ou defeitos da vontade, isto é, quais as sanções que ordem jurídica determina para os atos administrativos que sofram destes vícios, os dois desvalores típicos dos atos da administração são a  nulidade e anulabilidade - a sede principal destas matérias encontra-se regulada nos artigos 161º. a 163º. do CPA.


[1] O Prof. Marcello Caetano defendia uma equiparação entre o ato administrativo e a sentença (na linha do defendido por Otto Mayer), assim o efeito de caso decidido se resumia numa convalidação do ato administrativo, o que implicava uma sanação do mesmo, passando a ser válido aos olhos da ordem jurídica, operando-se uma transformação na realidade substantiva por via de um efeito processual.
[2]não se verifica, no entanto, usurpação de poder nos casos de reserva relativa de jurisdição em que a administração está excecionalmente habilitada a exercer a função jurisdicional”
[3] MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 5ª ed., 2014, págs. 158 e 159.
[4] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Coimbra, Vol. I, 4ª ed., 2015, e Vol. II, 3ª ed. 2016. Págs. 347 e 348.



Bibliografia:
  • FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 2016 (3ª edição), Almedina.
  • CAUPERS, João; EIRÓ, Vera; Introdução ao Direito Administrativo; 2016 (12ª edição), Âncora Editora.
  • SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de. Direito Administrativo Geral: Atividade administrativa, Tomo III. 1º edição. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2007.


Margarida Castanheira

Nº. 24285.




  Artigo 148.º
Conceito de ato administrativo
Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

É relevante questionarmos-nos sobre a relevância da conceptualização normativa do acto administrativo, uma vez que a doutrina alemã, principalmente no decurso do estudo do BGB, se pronuncia contra preposições definitórias, em razão de pouca utilidade terem face à mutabilidade da interpretação e de criação doutrinária. Fará sentido e será útil o legislador ter concretizado um dever ser, ou por outras palavras, uma norma de conduta interpretativa? Não, não faz.

Não faz sentido porque o conceito de acto administrativo é um conceito a que se tem apontado a sua decadência em termos de utilidade e de relevância, mas também porque é virtualmente desnecessário o legislador penetrar o espaço em que deve operar a doutrina, por via de criação de densidade de pressupostos. E porquê dar apenas relevância ao conceito de acto, de regulamento e de conferência procedimental (as preposições definitórias mais evidentes)? Porque não se procura definir todo os possíveis e quasi-exclusivos conceitos administrativos no CPA? Se já se atendeu à definição destes três, então porque não de mais? E porquê ainda destes três conceitos quando são estes os mais comuns e com mais certeza quanto ao seu conteúdo? Certamente que faria mais sentido conceptualizar em devida norma no CPA o significado do princípio da justiça (e da razoabilidade), dada ser um conceito indeterminado e de provocar anarquia interpretativa.

Em suma, julgamos a posição tomada do legislador em sede conceptualizar determinados conceitos inútil.


Pedro Seabra Caeiro

quarta-feira, 19 de abril de 2017

O Regulamento Administrativo




         I.            Introdução

A atividade administrativa tem diversos meios de manifestar o poder administrativo, nomeadamente: o regulamento administrativo, o ato administrativo, o contrato administrativo e as operações materiais.

Como foco do presente trabalho, abordaremos o regulamento administrativo, sendo relevante, porém, proceder a uma breve explicação das restantes formas.

Um contrato administrativo é a forma de atuação da administração através da qual recorre a particulares para satisfazer os fins de interesse público de que é responsável.

Por sua vez, um ato administrativo (definido na sua conceção restritiva nos termos do Art. 148 CPA), diz respeito à forma de atuação, por parte da Administração Pública, que visa a resolução de situações especificas, concretas e individuais.

Por fim, as operações materiais, são os atos da administração que não produzem quaisquer alterações na ordem jurídica, na medida que apenas concretizam uma decisão da administração.



       II.            Conceção de regulamento administrativo

Devemos considerar o regulamento administrativo uma fonte secundária deste Direito, na medida em que se encontram submetidos a normas e princípios de Direito Internacional bem como Direito da União Europeia e ainda à Constituição e à lei ordinária no plano interno. Trata-se de uma forma de atuação administrativa que para além de vincular os seus destinatários, vincula ainda a administração para as suas futuras atuações.

Tem como função adaptar de forma mais célere o conteúdo na norma a situações práticas da vida real, na medida em que o legislador, por não conseguir ter acesso direto às mesmas, não as consegue prever, devendo ser deixado um espaço em branco para que a Administração Pública os possa preencher.

O regulamento respeita a um conjunto de normas jurídicas que, bem como sabemos, são dotadas das características de generalidade e abstração. Nessa medida, o regulamento aplica-se a um número indeterminado ou indeterminável de destinatários, tal como a um número indeterminado ou indeterminável de situações, respetivamente.



     III.            Modalidades de regulamentos

É possível depararmo-nos com variadas espécies de regulamentos administrativos, passando a enunciá-las e diferenciá-las ao longo dos seguintes parágrafos.

·         Um regulamento complementar, por oposição ao regulamento independente, é aquele que visa desenvolver o regime presente numa lei, procurando assim pormenorizá-la de modo a que possa ser aplicada a situações concretas da vida real. Contrariamente, um regulamento independente, não visa desenvolver ou pormenorizar nenhuma lei, contendo, por isso, a disciplina inicial sobre certa matéria.



·         Numa segunda análise, podemos distinguir regulamentos de organização, de funcionamento e de polícia.

Os regulamentos de organização têm como função proceder à organização da pessoa coletiva pública, definindo as funções de cada departamento e, dentro destes, de cada agente. Por sua vez, os regulamentos de funcionamento são aqueles que tratam acerca dos aspetos básicos dos serviços públicos, respeitantes ao seu dia a dia. Por fim, os regulamentos de polícia, são os que pretendem evitar a verificação de danos na sociedade, fruto de condutas perigosas dos agentes, limitando, para isso, a sua liberdade individual.



·         Os regulamentos diferenciam-se ainda por serem gerais, locais ou institucionais.

Os regulamentos gerais são aqueles que têm aplicabilidade em todo o território continental, por contraposição aos regulamentos locais, que apenas se aplicam a uma determinada zona desse território, como é o caso dos regionais ou autárquicos.

Os regulamentos institucionais têm origem em associações ou institutos públicos e apenas são aplicáveis às pessoas sob a sua jurisdição.



·         Os regulamentos internos contrapõem-se aos regulamentos externos.

Os primeiros apenas têm eficácia dentro da esfera jurídica da própria entidade que os produz, enquanto que os externos têm eficácia para fora dessa entidade, seja tanto para particulares, como para outras pessoas coletivas públicas.



    IV.            Como podemos distinguir o regulamento do ato administrativo e da lei?

No universo do Direito, pela multiplicidade de figuras juridicamente relevantes, pode tornar-se incompreensível a distinção entre as mesmas, tendo essa tarefa grande relevância para o bom funcionamento do universo jurídico.

Um regulamento administrativo distingue-se da lei, na medida em que esta provém de um órgão com competência legislativa, tendo caráter inovador, enquanto que aquele provém de um órgão com competência regulamentar, tendo natureza meramente executiva. O regulamento tem valor infralegal, enquanto que a à lei é reconhecido o princípio da preferência.

Devemos ainda distinguir o regulamento administrativo do ato administrativo, na medida em que o primeiro tem como características a generalidade e a abstração, enquanto que o segundo, por oposição, é individual (dirige-se a apenas um destinatário ou a destinatários específicos) e concreto (visa regular uma situação em concreto).

Contudo, a sua distinção não os afasta por completo, na medida em que ambos são uma forma de manifestação de um poder público de autoridade.



      V.            Limites do poder regulamentar

O poder regulamentar é limitado por uma série de fatores, entre os quais:

1.       Os princípios gerais de Direto, que para além de limitar o poder regulamentar, limitam também todo o universo jurídico, na medida em que se apresentam como o seu núcleo fundamental.

2.       A Constituição, sendo a lei fundamental do Estado, deve ser, obviamente, respeitada por toda a Administração Pública e também pelos seus regulamentos, sob pena de inconstitucionalidade destes.

3.       Os princípios gerais de direito administrativo, que por se encontrarem no mesmo “degrau hierárquico” das normas legais, podem ser revogadas por estas, mas nunca derrogados pelos regulamentos, na medida em que são hierarquicamente superiores. Caso estes princípios não sejam respeitados os regulamentos são anuláveis.

4.       A lei é o quarto limite ao poder regulamentar, identificando-se como o seu fundamento jurídico, submetendo-o assim, tal como toda a Administração Pública, ao principio da legalidade (Art. 112/7 CRP).

O regulamento não pode contrariar a lei, na medida em que esta tem prioridade sobre estes, para além disso, estão sujeitos ao princípio da reserva material de lei, na medida em que o único caso em que são admitidos regulamentos em matérias reservadas à lei são os regulamentos de execução em matérias que não versem sobre direitos fundamentais, limites dos impostos ou tipificação de crimes e penas.

Os regulamentos têm de ter como antecedente uma lei habilitante, que devem mencionar (Art. 136/CPA), sob pena de sofrerem do vicio de inconstitucionalidade formal.

5.       Estabelece-se também como limite, os regulamentos emanados de órgãos hierarquicamente superiores ao que o editou. Nessa medida, os regulamentos do Governo prevalecem aos restantes.

6.       São proibidos regulamentos retroativos que culminem de forma desfavorável para o particular (Art. 141/1 CPA).

7.       O regulamento tem ainda de ser editado por um órgão com competência, sob pena de sofrer de inconstitucionalidade orgânica e ainda pela forma adequada.





VI. Titulares do poder regulamentar

A titularidade do poder regulamentar encontra-se completamente dispersa no Direito Português, distribuindo-se uma multiplicidade de tarefas administrativas por uma multiplicidade de entidades administrativas.

Podemos, atualmente, falar de regulamentos com origem na administração estadual, regulamentos com origem na administração autónoma e ainda em regulamentos com origem em entidades privadas com funções administrativas.



1.       Regulamentos na função Administrativa Estadual

a)       Administração estadual direta

Enquanto órgão superior da Administração, o Governo é o grande titular do poder regulamentar (Art. 199/C CRP), tendo competência para emitir regulamentos externos, quer assumam natureza executiva, complementar ou, dentro dos limites, independente.

Podem ser emitidas quatro espécies de regulamentos, tais como: os decretos regulamentares (são os mais solenes, aprovados em conselho de ministros), as portarias (regulamento de um ou mais ministros em nome do Governo), despachos (regulamento de um ou mais ministros em nome do Conselho de ministros) e resoluções do Conselho de ministros (atos que apesar de não revestirem todas as formalidades,  são aprovados em conselho de ministros, com caráter normativo).

O problema dos regulamentos independentes consiste no facto de se caracterizarem por disciplinarem de forma inicial determinada matéria, não visando complementar uma lei, o que parece colidir com a afirmação de que a lei tem caráter inovador enquanto que o regulamento apenas a pretende executar. A Constituição parece admitir esta modalidade de regulamentos, exigindo, no entanto, que sejam sujeitos a um regime mais exigente, nomeadamente à aprovação do Presidente da República e referenda ministerial (Art. 134/b; 140/1 CRP). Nesta medida, concluímos que um regulamento independente tem sempre de ser aprovado sob forma de decreto regulamentar.



b)      Administração Estadual Indireta

Trata acerca da emissão de regulamentos pelos órgãos de institutos públicos, ao desempenhar tarefas supraestaduais, encontrando-se sob superintendência e tutela do Governo.

Também sujeitos ao princípio da legalidade, os institutos apenas podem aprovar regulamentos na medida em que o seu estatuto o preveja, ou caso lhes seja concedida uma atribuição legal casuística.

Num caso de conflito, os regulamentos dos institutos públicos encontram-se subordinados aos regulamentos governamentais, o que é justificável, não fosse o governo o órgão superior da administração e, portanto, com maior legitimidade democrática.



c)       Autoridades reguladoras

São pessoas coletivas públicas que prosseguem interesses do Estado, mas que não estão sujeitas a qualquer poder de superintendência ou tutela. A Constituição não reconhece um poder regulamentar independente a estes organismos. Contudo, existem momentos em que eles se apresentam como essências para o bom funcionamento do Estado regulador. Estas entidades encontram-se submetidas ao princípio da legalidade.



2.       Regulamentos na Administração Autónoma

Afirmam-se como uma manifestação da descentralização regulativa, sendo no âmbito deste tema que encontramos os regulamentos emitidos pelas autarquias locais, regiões autónomas, universidades e ordens profissionais.

No que respeita as regiões autónomas, de forma sintética, importa salientar que têm autonomia política, administrativa, financeira, económica e normativa, podendo, por isso, emitir atos legislativos e regulamentos (Art. 227/1/D CRP).

A competência regulamentar das regiões autónomas encontra-se dividida entre a Assembleia legislativa e o Governo Regional.

Os regulamentos têm de respeitar a lei a que se referem, bem como o estatuto da região autónoma. Estes devem incidir sobre um interesse especifico da região. Apenas podemos considerar que a região autónoma tem poder regulamentar sobre as leis dos órgãos de soberania, caso a matéria a tratar tenha de facto importância ao nível da mesma.

Assumem a forma de decreto regulamentar regional.

O poder regulamentar das autarquias locais justifica-se pela necessidade de persecução não só de interesses gerais da comunidade nacional, mas também de interesses próprios das comunidades dentro da nação, cabendo a regulamentação desses interesses especificamente às autarquias, visto conhecerem as situações com mais proximidade. Têm poder regulamentar autárquico as juntas de freguesia e as assembleias municipais.

Os regulamentos emanados das autarquias locais também estão sujeitos a limites, tais como o princípio da legalidade e o facto de dever estar em causa a persecução de interesses próprios daquela comunidade.

Os regulamentos autárquicos estão subordinados aos emitidos pela autarquia de grau superior, nessa medida, os regulamentos emitidos pela freguesia estão subordinados aos emitidos pelo município (Art. 241 CRP). Para além disso, todos os regulamentos autárquicos devem respeitar aqueles que são emitidos pelo Governo.

Relativamente às universidades, (Art. 76/2 CRP) admitimos que o fundamento do seu poder regulamentar, reside num direito fundamental enquanto instituição, fornecendo-lhe assim um poder de autorregulação, autodeterminação e autogoverno.

Os regulamentos devem encontrar-se subordinados aos estatutos universitários, existindo apenas o poder de emitir um regulamento autónomo relativamente a matérias diretamente relacionadas com os assuntos universitários, com competência fundada em lei.

As ordens e câmaras profissionais são associações públicas que autorregulam profissões de interesse público, devendo representar e defender os interesses profissionais e regular a sua atividade, tanto na perspetiva da organização interna, como na perspetiva do exercício da profissão.



3.       Regulamentos emanados de entidades privadas com funções administrativas

Tradicionalmente, concebem-se os regulamentos como sendo normas jurídicas emanadas por órgãos de entidades administrativas, no entanto, cada vez mais os sujeitos privados se encontram incumbidos da função administrativa.

Neste âmbito falamos acerca de sociedades de participação pública, concessionários, entidades privadas que exercem tarefas de função administrativa, instituições particulares de solidariedade social e ainda pessoas coletivas de utilidade pública.

É requerida uma habilitação legal prévia, apenas podendo emitir regulamentos no âmbito das funções administrativas que lhes competem.



   VII.            Bibliografia

- FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 2016 (3ª edição), Almedina.

- GONÇALVES MONIZ, Ana Raquel; Estudos sobre os regulamentos administrativos, 2016, 2ª edição, Almedina.





Rafaela Lemos Carvalho, nº28090, B15