segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Universidades públicas: Administração indireta do Estado (administração estadual indireta) ou administração autónoma?

 

A doutrina administrativista portuguesa diverge quanto à classificação das universidades públicas, relativamente ao tipo de administração exercida por estas: administração estadual indireta ou administração autónoma?
Importa em primeiro lugar distinguir ambos os tipos de administração, ainda que sumariamente e de forma sucinta. A administração estadual indireta caracteriza-se pela prossecução dos fins do Estado por outras entidades que dele diferem e por ele (Estado) criadas, para esse mesmo efeito. É, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, uma atividade administrativa do Estado realizada por entidades públicas com personalidade jurídica própria que prosseguem os fins do Estado, com autonomia administrativa e financeira, ou meramente administrativa.
Distintamente, a administração autónoma prossegue interesses públicos próprios (e não do Estado) das pessoas que a constituem, dirigindo-se a si própria (auto-administração) e definindo de forma independente a orientação da sua atividade, sem sujeição hierárquica ou superintendência do Governo. Segundo o artigo 199º, alínea d) da Constituição (CRP) releva ainda uma diferença entre os dois tipos de administração: a administração estadual indireta está sujeita, em princípio, à superintendência do Governo e à tutela do mesmo e a administração autónoma apenas está sujeita ao poder de tutela do Governo.
O Professor Diogo Freitas do Amaral traça fundamentalmente duas espécies de organismos que desenvolvem uma administração estadual indireta: os institutos públicos e as empresas públicas, sendo que para importam de momento apenas os institutos públicos, pois é neste tipo de organismo que irá inserir as universidades públicas. O mesmo Professor recorta então três espécies de institutos públicos: os serviços personalizados, as fundações públicas, e os estabelecimentos públicos, inserindo nesta última espécie de instituto público as universidades públicas. Este Professor define estabelecimentos públicos como "os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que dela careçam" e dá como principal exemplo deste grupo as "Universidades públicas não convertidas em fundações públicas de direito privado".
O Professor Vital Moreira, por sua vez, reconhece que as universidades públicas gozam de autonomia ampla, tanto pedagógica como estatutária de quase total autogoverno e auto-administração, mas não as inclui na administração autónoma em resultado da lei não as qualificar como associações públicas.  Por outro lado, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa sustenta que apesar de as universidades públicas não se poderem qualificar como associações públicas, não deixam de integrar a administração autónoma. Por outro lado, o Professor João Caupers defende que as universidades públicas devem integrar também a administração autónoma e, por fim, o Professor Jorge Miranda entendia, em 1985, que as universidades públicas, sem terem natureza associativa, pelo menos por enquanto, poderiam ser consideradas figuras mistas.  
Depois de enunciadas as várias posições quanto a esta divergência doutrinária, importa analisar objetivamente como se poderá chegar a uma classificação plausível e lógica, ainda que não seja consensual ou unânime. Na minha opinião deve ter-se em primeira linha de conta aquilo que a lei nos diz acerca do assunto, pois é através desta que se poderá auferir o regime jurídico aplicável e a posição das universidades públicas nesta divergência doutrinária de acordo com o enquadramento legal que lhes é dada. Desta forma, e tal como exposto pelo Professor João Caupers, o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior aprovado pela Lei nº 62/2007 de 10 de Setembro dá-nos uma primeira e importante aproximação da resposta ao problema. O legislador considerou as universidades públicas como pessoas coletivas de direito público, admitindo que possam igualmente revestir a forma jurídica de fundações públicas com regime de direito privado (artigo 9.º, nº1). Com exceção das que optem por este estatuto jurídico (fundação pública com regime de direito privado), mandou aplicar às universidades públicas, a título subsidiário, as leis aplicáveis às demais pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa, nomeadamente a LQIP (Lei-quadro dos institutos públicos), como consta do artigo 9.º, nº2.
Faz sentido afirmar e afigura-se compreensível concluir, que a lei, apesar de não qualificar as universidades públicas inequivocamente através da sua letra como institutos públicos, as quis integrar na administração indireta do Estado (as que se excetuarem do estatuto fundacional), adotando a tendência dominante do Ministério das Finanças, tal como demonstra o Professor João Caupers, que ainda assim integra as universidades públicas na administração autónoma, o que me parece uma contradição clara, tanto quanto aos argumentos do autor, como à sua posição e por fim, mas não menos importante, ao enquadramento da lei e ao seu elemento literal. Um outro argumento que ajuda à qualificação das universidades públicas como administração indireta do Estado deve-se ao Professor Diogo Freitas do Amaral, que atenta à impossibilidade de classificar as Universidades do Estado, num regime democrático e pluralista, que respeite a autonomia universitária, como direções-gerais (serviços personalizados). Por outro lado, não podem estas ser consideradas fundações públicas pois o seu principal objetivo não é gerir os seus bens, nem consistem basicamente num património. Elas têm carácter cultural, dispõem-se de forma organizada como serviços abertos ao público e destinam-se a prestações individuais, ou seja, ministrar o ensino aos estudantes.
Apesar da larga autonomia e do substrato institucional autónomo que possuem como estabelecimento público (são sujeito de direito como instituição distinta do Estado, ao qual a lei confere personalidade jurídica) estas não deixam de fazer parte da administração indireta do Estado. Os órgãos que a constituem são órgãos do instituto público, o seu pessoal é privativo do instituto público, as finanças são para-estaduais (o seu património é próprio) mas, no entanto, continuam vinculadas estatutariamente à prossecução dos interesses públicos do Estado.
Podemos assim reconduzir as universidades públicas à administração estadual indireta, ainda que estas possuam uma grande margem de manobra que se aproxima do conceito de auto-administração e de autogoverno apresentada pelo Professor Vital Moreira. Não se afigura pela lei razoável que estas possam ser integradas na administração autónoma, pois por omissão, lacuna, ou regime supletivo, se procede mais facilmente à sua integração na administração estadual indireta pela LQIP (lei-quadro dos institutos públicos) e consequentemente à figura proposta pelo professor Diogo Freitas do Amaral do estabelecimento público, espécie de instituto público, a par dos serviços personalizados e das fundações públicas.
Pela administração autónoma não se conseguirá reconduzir as universidades públicas às associações públicas, autarquias locais ou às regiões autónomas dos Açores e da Madeira, pelo que apesar da quase auto-administração destes estabelecimentos públicos não se considerar plausível integrá-la na administração autónoma, devido à prossecução geral dos fins do Estado por estas, e pela possibilidade de o legislador as sujeitar a simples poderes de tutela - em função das particularidades destas entidades pertencentes à administração indireta.
Apesar disto, e concluindo, não deixa de ser o Governo a realizar, com maior ou menor intensidade e proximidade, a superintendência e poder de tutela sobre estas, definindo e traçando os objetivos fundamentais a prosseguir (o ensino superior), contrariamente à administração autónoma que irá sempre prosseguir fins próprios, distintos do Estado, e administrar-se a si própria (auto-administração) com apenas o poder de tutela previsto constitucionalmente a limitá-la.
Bibliografia:

·      FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume I; 2015 (4ª edição), Almedina.
·      CAUPERS, JOÃO; Introdução ao Direito Administrativo 2013(11ªedição), Âncora Editora.
·      MIRANDA, Jorge; As associações públicas no direito português, Lisboa, 1985, p. 24
·      MOREIRA, Vital; Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, p. 368
·      REBELO DE SOUSA, Marcelo; Lições de Direito Administrativo, Lisboa, 1999, p. 307-311


Ricardo Silva; Nº de aluno – 28531; Turma B – TB 15

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