A doutrina administrativista portuguesa diverge quanto à
classificação das universidades públicas, relativamente ao tipo de administração
exercida por estas: administração estadual indireta ou administração autónoma?
Importa em primeiro lugar distinguir ambos os tipos de
administração, ainda que sumariamente e de forma sucinta. A administração
estadual indireta caracteriza-se pela prossecução dos fins do Estado por outras
entidades que dele diferem e por ele (Estado) criadas, para esse mesmo efeito.
É, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, uma atividade administrativa do
Estado realizada por entidades públicas com personalidade jurídica própria que
prosseguem os fins do Estado, com autonomia administrativa e financeira, ou
meramente administrativa.
Distintamente, a administração autónoma prossegue interesses
públicos próprios (e não do Estado) das pessoas que a constituem, dirigindo-se
a si própria (auto-administração) e definindo de forma independente a
orientação da sua atividade, sem sujeição hierárquica ou superintendência do
Governo. Segundo o artigo 199º, alínea d) da Constituição (CRP) releva ainda
uma diferença entre os dois tipos de administração: a administração estadual indireta
está sujeita, em princípio, à superintendência do Governo e à tutela do mesmo e
a administração autónoma apenas está sujeita ao poder de tutela do Governo.
O Professor Diogo Freitas do Amaral traça fundamentalmente duas
espécies de organismos que desenvolvem uma administração estadual indireta: os
institutos públicos e as empresas públicas, sendo que para importam de momento
apenas os institutos públicos, pois é neste tipo de organismo que irá inserir
as universidades públicas. O mesmo Professor recorta então três espécies de
institutos públicos: os serviços personalizados, as fundações públicas, e os
estabelecimentos públicos, inserindo nesta última espécie de instituto público
as universidades públicas. Este Professor define estabelecimentos públicos como
"os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como
serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações individuais à
generalidade dos cidadãos que dela careçam" e dá como principal exemplo
deste grupo as "Universidades públicas não convertidas em fundações
públicas de direito privado".
O Professor Vital Moreira, por sua vez, reconhece que as
universidades públicas gozam de autonomia ampla, tanto pedagógica como estatutária
de quase total autogoverno e auto-administração, mas não as inclui na
administração autónoma em resultado da lei não as qualificar como associações
públicas. Por outro lado, o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa sustenta que apesar de as universidades públicas não se
poderem qualificar como associações públicas, não deixam de integrar a
administração autónoma. Por outro lado, o Professor João Caupers defende que as
universidades públicas devem integrar também a administração autónoma e, por
fim, o Professor Jorge Miranda entendia, em 1985, que as universidades
públicas, sem terem natureza associativa, pelo menos por enquanto, poderiam ser
consideradas figuras mistas.
Depois de enunciadas as várias posições quanto a esta
divergência doutrinária, importa analisar objetivamente como se poderá chegar a
uma classificação plausível e lógica, ainda que não seja consensual ou unânime.
Na minha opinião deve ter-se em primeira linha de conta aquilo que a lei nos
diz acerca do assunto, pois é através desta que se poderá auferir o regime
jurídico aplicável e a posição das universidades públicas nesta divergência
doutrinária de acordo com o enquadramento legal que lhes é dada. Desta forma, e
tal como exposto pelo Professor João Caupers, o Regime Jurídico das Instituições
do Ensino Superior aprovado pela Lei nº 62/2007 de 10 de Setembro dá-nos uma
primeira e importante aproximação da resposta ao problema. O legislador
considerou as universidades públicas como pessoas coletivas de direito público,
admitindo que possam igualmente revestir a forma jurídica de fundações públicas
com regime de direito privado (artigo 9.º, nº1). Com exceção das que optem por
este estatuto jurídico (fundação pública com regime de direito privado), mandou
aplicar às universidades públicas, a título subsidiário, as leis aplicáveis às
demais pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa,
nomeadamente a LQIP (Lei-quadro dos institutos públicos), como consta do artigo
9.º, nº2.
Faz sentido afirmar e afigura-se compreensível concluir, que
a lei, apesar de não qualificar as universidades públicas inequivocamente
através da sua letra como institutos públicos, as quis integrar na
administração indireta do Estado (as que se excetuarem do estatuto
fundacional), adotando a tendência dominante do Ministério das Finanças, tal
como demonstra o Professor João Caupers, que ainda assim integra as
universidades públicas na administração autónoma, o que me parece uma
contradição clara, tanto quanto aos argumentos do autor, como à sua posição e
por fim, mas não menos importante, ao enquadramento da lei e ao seu elemento
literal. Um outro argumento que ajuda à qualificação das universidades públicas
como administração indireta do Estado deve-se ao Professor Diogo Freitas do
Amaral, que atenta à impossibilidade de classificar as Universidades do Estado,
num regime democrático e pluralista, que respeite a autonomia universitária,
como direções-gerais (serviços personalizados). Por outro lado, não podem estas
ser consideradas fundações públicas pois o seu principal objetivo não é gerir
os seus bens, nem consistem basicamente num património. Elas têm carácter
cultural, dispõem-se de forma organizada como serviços abertos ao público e
destinam-se a prestações individuais, ou seja, ministrar o ensino aos
estudantes.
Apesar da larga autonomia e do substrato institucional
autónomo que possuem como estabelecimento público (são sujeito de direito como
instituição distinta do Estado, ao qual a lei confere personalidade jurídica)
estas não deixam de fazer parte da administração indireta do Estado. Os órgãos
que a constituem são órgãos do instituto público, o seu pessoal é privativo do
instituto público, as finanças são para-estaduais (o seu património é próprio)
mas, no entanto, continuam vinculadas estatutariamente à prossecução dos
interesses públicos do Estado.
Podemos assim reconduzir as universidades públicas à
administração estadual indireta, ainda que estas possuam uma grande margem de
manobra que se aproxima do conceito de auto-administração e de autogoverno
apresentada pelo Professor Vital Moreira. Não se afigura pela lei razoável que
estas possam ser integradas na administração autónoma, pois por omissão,
lacuna, ou regime supletivo, se procede mais facilmente à sua integração na
administração estadual indireta pela LQIP (lei-quadro dos institutos públicos)
e consequentemente à figura proposta pelo professor Diogo Freitas do Amaral do
estabelecimento público, espécie de instituto público, a par dos serviços
personalizados e das fundações públicas.
Pela administração autónoma não se conseguirá reconduzir as
universidades públicas às associações públicas, autarquias locais ou às regiões
autónomas dos Açores e da Madeira, pelo que apesar da quase auto-administração
destes estabelecimentos públicos não se considerar plausível integrá-la na
administração autónoma, devido à prossecução geral dos fins do Estado por
estas, e pela possibilidade de o legislador as sujeitar a simples poderes de
tutela - em função das particularidades destas entidades pertencentes à
administração indireta.
Apesar disto, e concluindo, não deixa de ser o Governo a
realizar, com maior ou menor intensidade e proximidade, a superintendência e
poder de tutela sobre estas, definindo e traçando os objetivos fundamentais a
prosseguir (o ensino superior), contrariamente à administração autónoma que irá
sempre prosseguir fins próprios, distintos do Estado, e administrar-se a si
própria (auto-administração) com apenas o poder de tutela previsto
constitucionalmente a limitá-la.
Bibliografia:
·
FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo -
Volume I; 2015 (4ª edição), Almedina.
·
CAUPERS, JOÃO; Introdução
ao Direito Administrativo
2013(11ªedição), Âncora Editora.
·
MIRANDA, Jorge; As
associações públicas no direito português, Lisboa, 1985, p. 24
·
MOREIRA, Vital; Administração
Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, p. 368
·
REBELO
DE SOUSA, Marcelo; Lições de Direito Administrativo, Lisboa, 1999, p. 307-311
Ricardo Silva; Nº de aluno
– 28531; Turma B – TB 15
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