O princípio
da imparcialidade consagrado no art.266º/2CRP[1]
e art.6º CPA nem sempre foi entendido da mesma forma. Importa referir que
durante muito tempo o princípio da imparcialidade era entendido como uma
imposição de tratamento que visava uma actuação isenta por parte da
administração pública perante os particulares, não os podendo favorecer ou
desfavorecer de acordo com os interesses particulares do órgão ou agente decisório.
Actualmente, a imparcialidade tem de ser entendida como uma directriz de
consideração e ponderação, por parte da administração dos interesses públicos e
privados em causa, para cada decisão que por si venha a ser tomada.
A
decisão imparcial tem essencialmente duas vertentes:
1)
Uma vertente subjectiva, que consiste na
imparcialidade pessoal, que se traduz na proibição do agente ou órgão, no caso
concreto, demonstrar qualquer convicção pessoal – prejuízo ou preconceito.
2)
Uma vertente objectiva, em que o agente ou
órgão tem que demonstrar uma transparência capaz de excluir qualquer dúvida de
falta de imparcialidade.
“Deve ser presumida a imparcialidade de
quem decide, competindo a quem alega fazer prova do que alegou”[2]
Considero
que a administração tem que relevar, para a boa decisão da causa, todos os
interesses públicos e privados que importam atender e apenas estes.
Existem
duas dimensões[3] deste
princípio, uma que proíbe a administração de no caso concreto tornar relevantes
interesses que não o são, tendo em conta o objectivo da norma – dimensão negativa. Outra
que, previamente, obriga a administração a considerar e a ponderar todos os
interesses públicos e privados importantes para a decisão, tendo em conta o objectivo
da norma – dimensão positiva.
O
legislador enumera taxativamente no art.44º. CPA as garantias preventivas, que
consistem instrumentos de controlo da actuação do agente ou titular do órgão,
em situações susceptíveis de apelar ao interesse do próprio, ou de terceiros
com ele relacionados.
Tal
como o art.44º. do CPA também o art.48º. do CPA identifica “casos de impedimento”,
enumerando os mais gravosos – impedimentos absolutos – no art.44º., casos em que
a proximidade, entre o titular do órgão ou agente e os interesses privados em
jogo no procedimento, é maior, e por essa razão a ordem jurídica estabeleceu
mecanismos mais radicais em relação a estes, desde logo a consequência dos
actos ou contratos em que tenham intervindo mesmo que impedidos são ilegais e anuláveis[4].
Os menos gravosos - impedimentos relativos - no art.48º. CPA[5]
- a proximidade entre o titular do órgão ou agente e os interesses privados em
jogo no procedimento, são menores, e por isso, mesmo que surjam dúvidas
relativas à isenção da actuação, estas situações não resultam numa proibição
absoluta, o titular do órgão ou agente não é afastado do procedimento.
Não
encontramos na ordem jurídica uma definição expressa do princípio de
imparcialidade é necessário cumulativamente considerar outros princípios gerais
como o princípio da transparência que previne violações da imparcialidade e
fomenta a confiança dos administrados; o princípio da proporcionalidade
consagrado no art.266º./2 CRP, é entendido como “o princípio segundo o qual a limitação dos bens ou interesses privados
por actos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos
que tais actos prosseguem (…) ”[6] Importa
ainda relevar o princípio da igualdade, princípio da racionalidade, da
adequação e por último da boa – fé, todos estes princípios reunidos
levar-nos-ão a uma situação quase plena de justiça, este conceito que acaba por
carecer de preenchimento valorativo e ser demasiado amplo, mas que certamente
esta justiça administrativa estará relacionada com a correcta interpretação e
aplicação da lei e do direito, no caso concreto.
De
acordo com o estudo feito, considero que a jurisprudência[7]
tem entendido, que basta a verificação de um mero risco de actuação parcial da
Administração para que seja considerada ilícita.
Vejamos
este exemplo, o ac. de 28 de Novembro de 2007, o STA concluiu “anulado por decisão administrativa, o acto
de homologação da lista classificativa final de um concurso de provimento, pelo
facto do júri ter fixado critérios e factores de avaliação depois de conhecidos
os currículos dos candidatos, sendo ilegal, por violação do principio da
imparcialidade, a fixação de novos critérios pelo mesmo júri, impõe-se a
constituição de novo júri para prosseguir a subsequente tramitação do concurso
(…)” considerando que houve violação dos principio da justiça, na dimensão
da igualdade, imparcialidade e transparência contemplados no art.266º./2 CRP.
Assim,
concluindo considera que o principio da imparcialidade é uma imposição jurídico-constitucional
e jurídico-administrativa, que tem obrigatoriamente que ser respeitada, daí
serem estabelecidas certas garantias preventivas, pois este principio protege
por um lado o cidadão contra decisões obscuras e não isentas da administração,
como também protege a confiança dos cidadãos na administração publica, podendo
esta ser abalada pelo simples risco de não imparcialidade, independentemente de
no caso concreto a decisão da administração ter ou não violado a imparcialidade
por isso justificam-se medidas preventivas de forma a impedir que certos valores
possam vir a ser afectados.
Parece-me
unanime que este princípio está mais do que enraizado na nossa ordem jurídica,
sendo assumido como fundamental na relação entre os cidadãos e administração pública.
Uma
actuação leal, transparente, imparcial e justa por parte da administração
revela-se bastante eficaz contra práticas corruptivas e fortalece a relação de
confiança entre administração pública e os cidadãos, que a meu ver é essencial
para o desenvolvimento saudável do Estado de Direito.
“A administração é necessariamente parcial na prossecução do interesse público, mas também necessariamente imparcial na ponderação de interesses públicos e privados sobre os quais a sua acção se repercute.”[8]
Bibliografia:
Constituição
da República Portuguesa e Legislação Complementar. AAFDL,
2015.
FREITAS
DO AMARAL, Diogo, Curso De Direito
Administrativo. 4º ed. Almedina, 2015.
REBELO
DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. “Direito
Administrativo Geral- Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais”. 3ªed.
Dom Quixote, 2008.
ANDRADE,
VIEIRA De, “A imparcialidade de Administração como Princípio Constitucional”,
Coimbra, 1974.
RIBEIRO,
Maria Teresa De Melo, “Princípio da imparcialidade da administração pública”
(dissertação de Mestrado e Ciências Jurídico-políticas), Coimbra, Almedina.
[1]
A Administração deve comportar-se sempre com isenção e numa atitude de
equidistância perante todos os particulares, que com ela encontrem em relação,
não privilegiando ninguém, nem discriminando contra ninguém.
[2]
Cfr. Sousa, António Francisco De, Código
do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 2ªed,2010.
[3]
Cfr. REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. “Direito Administrativo
Geral- Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais”. 3ªed. Dom Quixote, 2008.
[4]
Cfr. Art. 51º do CPA
[5]
Casos de escusa ou suspeição, são situações em que não
existe proibição absoluta de intervenção absoluta mas em que esta deve ser
excluída por iniciativa do próprio titular do órgão ou agente – a escusa – ou
do cidadão interessado – a suspeição (art. 48º CPA). Cfr. CAUPERS,
João. Introdução ao Direito Administrativo. 9ªed. Âncora.
[6]
Cfr. FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso De Direito Administrativo. 4º ed.
Almedina, 2015.
[7]
Cfr. Acórdão do Trib. Central Administrativo Sul nº205/97, de 18 de Janeiro
2001
[8]
Cfr. REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo
Geral- Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais. 3ªed. Dom Quixote, 2008.
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