A privatização da
Administração Pública é um fenómeno que consiste no exercício, por entidades
privadas de funções Administrativas. De uma outra perspectiva, pode ainda ser
entendido como a transferência para particulares de poderes soberanos
normalmente integrantes da esfera das autoridades públicas. Privatizar a Administração Pública consiste,
portanto, em reduzir a esfera de influência da atuação do Direito
Administrativo.
Do ponto de vista histórico, o professor Dr.
Paulo Otero refere que a redução da intervenção do Estado foi uma realidade que
passa a ser consensual a partir da década de 80, com a queda dos regimes comunistas
europeus e com o desmantelamento das grandes máquinas estaduais, o que levou à
tendência privatizadora da Administração Pública. Os anos 90 foram marcados por
uma verdadeira “fúria privatizadora” da Administração Pública, colocando-se nos
dias de hoje a questão da limitação jurídica deste fenómeno de fuga para o
Direito Privado.
Pensa-se, portanto, que a passagem do Estado
Social para o Pós-Social tenha sido o que levou à generalização da atividade
administrativa jurídico-privada. Há que ponderar que tipo de implicâncias tem
este recurso generalizado ao Direito Privado. Autores como Achterberg referiram
que um dos riscos deste fenómeno é a fragmentação e dispersão causada, que põe
em causa toda a unidade da Administração.
No meu tema em concreto (privatização da
EDP), irei tratar da “Privatização do acesso a uma atividade económica”.
Consiste na abertura à iniciativa económica privada de um ou mais setores
básicos até então vedados, ou seja que eram explorados por entidades públicas
em regime de monopólio.
A EDP
nasceu do DL 502/76 de 30 de Junho.
Posteriormente, o DL 205 – G/75 de 16 de
Abril resultou da nacionalização de empresas que operavam na produção,
transporte e distribuição elétrica.
A privatização da EDP conheceu 8 fases,
tendo a primeira sido iniciada em Junho de 1997, aliada à revisão
constitucional de 1997. A revisão constitucional de 1997 procedeu à
desconstitucionalização da imperatividade de existirem setores básicos vedados
à iniciativa privada, o que permitiu até aos dias de hoje proceder a uma
privatização de áreas de intervenção económica até então vedada à iniciativa
económica privada.
A última fase de privatização da EDP teve
lugar com a aprovação, pelo governo português, do DL nº106-A/2011 de 26 de
Outubro. Esta 8ª e última fase de privatização do capital social da empresa foi
realizada mediante venda direta, pela Parpública, de ações representativas de
21,35% do capital social da EDP.
Segundo um estudo da “PricewaterhouseCoopers”,
a venda de 21,3% do capital social da EDP à China Three Gorges foi a nona maior
transação do mundo na área da energia em 2011.
Foram conhecidos pelo menos 3 interessados
relevantes, no que diz respeito à compra do capital social da EDP: a já
referida China Three Gorges, a alemã E.ON e a brasileira Eletrobas. A proposta
da Three Gorges foi a que convenceu o governo pelas mínimas exigências, para
além do mais, o preço estipulado pelo Estado para a venda das ações era de 2,7
mil milhoes de euros, e a chinesa Three Gorges ofereceu ao Estado um total de
8,7 mil milhões de euros.
Apesar de à partida, a meu ver, o negócio
realizado pelo Estado tenha sido convincente, visto que o valor pretendido para
a venda foi até largamente ultrapassado, uma auditoria do Tribunal de Contas
aos processos de privatização do setor elétrico levou à conclusão que o Estado
poderia ter arrecadado mais dinheiro através da obtenção de dividendos da
empresa, que atualmente é considerada como uma das empresas mais valiosas do
país (se é que não foi sempre, pela
competência fundamental para o bem-estar coletivo que leva a cabo). Esta
auditoria divide consequentemente a opinião dos que debatem acerca da
eficiência da privatização, considerando eu que seria mais rentável manter uma
parcela da empresa nas mãos do Estado, a longo prazo, do que apenas incitar à
prossecução do abatimento imediato da dívida pública através de uma frenética
política de privatizações de entidades públicas.
Na minha ótica, muitas destas tentativas de
agilização da economia e desburocratização da mesma pouco beneficiam o Estado
em termos de receitas e despesas. São políticas que podem até constituir
afrontas ao bem-estar social e aos princípios que o Direito Administrativo usa
para disciplinar a administração. Chega até a existir uma situação de
ingerência em assuntos que apenas deviam competir ao Estado e à Administração
Pública, exemplos como a AGECOP (Associação de Gestão da Cópia Privada) que
sendo uma entidade com personalidade jurídica privada, exerce uma função
pública (a coleta de impostos). Deixar setores indispensáveis como o da
eletricidade e transportes em mãos exclusivamente privadas e para além do mais
(na maior parte das vezes) estrangeiras, sem restrições de normas públicas, torna-se
um perigo para a soberania do país, para o bem estar coletivo e para o
princípio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e
interesses dos cidadãos (consagrado no artigo 4º do CPA), podendo ainda
constituir ameaça indireta a direitos fundamentais presentes na nossa
Constituição.
Privatizações como a da EDP têm como justificação
a redução da dívida pública, mas a meu ver esta justificação advoga uma
política ineficaz. A dívida pública portuguesa ronda os 240 mil milhões de
euros atualmente e a vinda da troika trouxe um plano de privatizações que
rendeu cerca de 9,2 mil milhões de euros, uma quantia que não deixa de ser uma
gota no meio do Oceano e que não justifica a desnacionalização de serviços
essenciais para os cidadãos.
Apesar de todas as vantagens e da
necessidade pragmática do fenómeno da privatização, julgo que estamos perante
um verdadeiro cenário de desnacionalização. É o Presidente da República Popular
da China quem controla a eletricidade em Portugal; os CTT encontram-se numa
situação de plurifinanciamento, de fundos suíços, americanos, alemães, franceses,
entre outros… ; Duas das mais importantes portas de entrada na capital do país,
o aeroporto e as Pontes Vasco da Gama e 25 de Abril, encontram-se nas mãos de
investimento francês;
Para além do mais, muitas das políticas de
privatização põem em causa a “essência” do Estado Pós-Social de Direito, a
função de Estado Prestador. Temos o exemplo dos Correios, em que o Estado
reduziu substancialmente o número de funcionários e reduziu as estações de
correios. Tudo para tornar a empresa mais apetecível aos interesses privados.
Inúmeros têm sido os autores que ao longo
dos tempos têm tentado justificar o fenómeno da fuga às vinculações jurídico-públicas.
A professora Dra. Maria João Estorninho enuncia na sua tese de doutoramento,
entre várias causas: A libertação das regras de organização de Direito Público
e a possibilidade de adopção de processos de decisão e atuação mais flexíveis,
mais desburocratizados, mais rápidos e supostamente mais eficientes. Assim como
a diversificação de meios de financiamento (através da cooperação entre investidores
privados). A redução de custos administrativos e o alívio da Despesa Pública.
O professor Dr. Paulo Otero enuncia como
motivos: A modernização das estruturas económicas, aumentando a sua
competitividade e contribuindo para as estratégias de reestruturação sectorial
e empresarial; Reforçar a capacidade das empresas nacionais; Reduzir o peso
económico da dívida pública;
Apesar do crescente movimento a favor da
Privatização das entidades públicas, existem Limites Gerais à Privatização da
Administração Pública:
1- Limites decorrentes de funções
públicas típicas de soberania: defesa nacional, segurança e administração
internas, justiça e negócios estrangeiros – áreas insuscetíveis de serem objeto
de privatização;
2-
Cláusula
Constitucional de bem-estar ou de Estado Social, inerente ao actual modelo de
Estado e cuja implantação está confiada à Administração Pública enquanto tarefa
fundamental ou incumbência principal do Estado;
3-
Sem
expressa habilitação constitucional ou legal não poderá ser desencadeada
nenhuma forma de privatização da Administração Pública;
4- Expressão de um modelo de “economia
mista” consagrado na CRP, circunstância que impede a eliminação total ou real
do setor público da propriedade de meios de produção;
Para a professora Dra. Maria João
Estorninho, é uma vitória o facto da doutrina estar alerta e preocupada com o
movimento de fuga para o Direito Privado. Uma preocupação fundada e justificada
pela forma como a Administração Pública se tem libertado da vinculação de
direitos fundamentais e conseguir, de uma forma elegante, dar a volta à lei e à
CRP, obtendo um espaço de livre arbítrio administrativo.
São apontadas na doutrina duas soluções para
evitar a fuga para o Direito Privado:
1- A ideia radical – consiste na
completa proibição ao recurso às formas de actuação jurídico-privadas pela
Administração Pública.
2- A solução que visa permitir a atuação
da Administração segundo o Direito Privado, mas obrigando a administração a ter
em consideração certas normas e princípios do Direito Público.
Em geral tem sido este segundo “remédio”
a que a doutrina tem vindo a recorrer para amenizar a febre da fuga para o
Direito Privado.
A professora Dra. Maria João Estorninho refere que é urgente e
fundamental encontrar o equilíbrio na conjugação entre o Direito Público e o
Direito Privado, de modo a que se evite uma "publicização" excessiva. Existe
portanto uma dificuldade em harmonizar as necessidades de eficácia, com a
necessidade de garantia de Direitos Particulares. A doutrina chega a dizer que “santa
coisa” são os princípios constitucionais, mas lembra que “não se morre só de
pouco alimento, também o excesso dele faz mal”.
Em Conclusão:
A meu ver, a submissão da Administração Pública ao Direito Privado deve
pautar-se sobretudo por parâmetros de justiça para com os particulares. A
privatização não deve ser vista apenas do lado sombrio do prisma, onde saltam à
vista os efeitos como a desnacionalização dos serviços e a fragmentação do
poder Administrativo. A fuga para o Direito Privado tem de ser vista pelo
prisma da eficiência, da diminuição dos custos administrativos, do serviço
prestado ao consumidor e tendo em conta, como é claro, o balanço das despesas e
receitas públicas como reflexo deste fenómeno.
Existe uma necessidade de defender as privatizações que tornem a
economia menos estatizada. Visto que em Portugal existe a imposição de diminuir
as necessidades de endividamento do país, de reduzir a fiscalidade a fim de
incentivar o investimento e a criação de emprego.
Bibliografia:
Maria João Estorninho – tese de
doutoramento “A fuga para o Direito Privado”
Coordenadas jurídicas da Privatização
da Administração Pública – Paulo Otero
Curso de Direito Administrativo vol I
– Freitas do Amaral
Lições de Direito Constitucional Vol
II – José Melo Alexandrino
Edp.pt – aba investidores
Gabriel Nogueira Calado
Aluno nº 28238
Direito Administrativo – Turma B15
Sem comentários:
Enviar um comentário