No ceio das sociedades
democráticas e excluindo as que não o são, a Administração Pública encontra-se delimitada
pelo regime da legalidade democrática. Mais concretamente, a sua atuação é
limitada pelo Direito que a submete a normas jurídicas públicas e obrigatórias.
O Regime da Legalidade Democrática deriva, tradicionalmente, dos princípios da Revolução Francesa - teve sua inspiração no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789:
O Regime da Legalidade Democrática deriva, tradicionalmente, dos princípios da Revolução Francesa - teve sua inspiração no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789:
Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não
prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não
tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo
dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei.
Este mesmo principio havia sido
encarado segundo duas óticas distintas inseridas no âmbito da situação política
da altura: primeiramente podemos aferir que este regime afigurava-se como a
grande conclusão resultante do princípio da separação dos poderes; numa segunda
nota é possível concretizar que este regime foi uma “consequência” da nova conceção
ideológica da época que encara a lei como “expressão da vontade geral (…) donde
decorre o carácter subordinado à lei- e portanto, secundário e executivo- da
Administração pública” [FREITAS DO AMARAL; 2001, 122]. Desta forma, facilmente
verificamos que o princípio da legalidade refletia a submissão da Administração
face à lei e esta foi uma noção que rapidamente se difundiu pelo mundo,
juntamente com todos os restantes princípios originários da Revolução Francesa.
Em Portugal, a própria constituição dedica o título IX da sua parte III à Administração Pública sendo que no artigo 266º estatui:
Em Portugal, a própria constituição dedica o título IX da sua parte III à Administração Pública sendo que no artigo 266º estatui:
1. A Administração Pública visa
a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
Após a concretização deste
princípio, resta saber quais as suas consequências. O autor Freitas do Amaral
retira três notas conclusivas a este respeito: num primeiro plano reconhece que
dele resulta que toda a atividade administrativa deve subordinar-se à lei. Esta
nota é importante devido ao facto de, durante bastante tempo a atividade da
Administração apenas estar condicionada normativamente quando a exercia
enquanto particular, nomeadamente em situações de compra e venda de bens Nesta
linha de pensamento, o exercício de funções de autoridade pública seria
completamente livre. Num segundo tópico, decorre deste princípio a natureza jurídica da atividade
administrativa na medida em que, ao se encontrar limitada pelo direito nos mais
diversos sectores, é geradora de direitos e deveres para si própria. Em suma,
na sua terceira nota conclusiva, o Professor considera que resulta ainda do
princípio que a própria ordem jurídica passa a atribuir aos cidadãos e
particulares garantias que lhes assegurem
o cumprimento da lei pela Administração, neste caso, através de tribunais
destinados a esse fim.
No âmbito do Princípio da
Legalidade, os Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos aprofundam
a temática da margem de livre decisão administrativa. Na sua obra definem a
margem de livre decisão como o espaço de
liberdade da atuação administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de
legalidade, implicando, portanto, uma parcial autodeterminação administrativa.
Esta difere da autonomia privada na medida em que, a margem de livre decisão
encontra-se condicionada pelo princípio da legalidade que determina que a
Administração apenas pode agir com base no que a lei proferir expressamente. Já
na autonomia privada, os particulares podem produzir todos os efeitos
que não sejam normativamente proibidos.
É feita ainda uma divisão pertinente entre fundamentos da margem de livre decisão e as consequências da mesma.
Quando nos remetemos para os seus fundamentos, devemos inicialmente encarar a base jurídica da margem de livre decisão, sendo esta a própria lei - o que difere da realidade do estado liberal onde a administração pública possuía liberdade suficiente para agir à margem da lei e nunca sob reserva da lei, como se passa a suceder no estado social. Após identificada a base jurídica, o professor remete ainda para "as razões de ser do ponto de vista político" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 177] onde distingue duas situações: a limitação prática da função legislativa e a separação de poderes enquanto critério de distribuição das funções do estado pelos respetivos órgãos responsáveis. Primeiramente, a função legislativa encontra-se limitada na prática pelos próprios atos gerais e abstratos que dificilmente abrangem casos muito concretos, isto é, dificilmente o legislador consegue antever a ocorrência de todas as situações futuras. Deste modo, é dada à administração o poder de adaptar o sentido normativo das normas a situações específicas que o legislador não conseguiu prever. Numa segunda razão, o princípio da separação conduz a uma limitação da densidade normativa permitindo uma margem de liberdade face tanto ao legislador como à própria função administrativa. Essa mesma liberdade permite não só uma maior equidade e adequação da aplicação do direito, como também uma prossecução mais eficaz daquela que é a sua finalidade - o interesse público e o bem-estar da coletividade.
Em suma, e não menos importante, devemos relevar a consequência mais importante da margem de livre decisão que os professores referem como a ausência de controlo jurisdicional no seu âmbito ou extensão. Segundo o mesmo "(...) não significa, note-se que os atos da administração praticados ao abrigo da margem de livre decisão não possam ser objeto de tal controlo, mas apenas que não o podem ser na medida dessa liberdade" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 178]. No cerne desta questão está o facto de, o controlo ou apreciação, apenas incidir sobre o cumprimento das ações da Administração Pública nos termos em que esta se encontra legalmente vinculada, ou condicionada pelos limites da margem de livre decisão. Desmembrando esta ideologia, é possível fazer uma cisão entre a esfera da legalidade sujeita a controlo jurisdicional e a esfera do mérito, que tanto abarca a apreciação da oportunidade como da conveniência de uma concreta deliberação administrativa. Enquanto a apreciação da oportunidade se caracteriza pelo préstimo específico do agir administrativo na prossecução do interesse público estatuído, a apreciação da conveniência consiste na utilidade de uma determinada ação administrativa para a prossecução do interesse da coletividade legalmente estabelecido, "à luz dos demais interesses públicos envolvidos" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 178]. Deste modo, ainda no âmbito do "não controlo jurisdicional" dessa margem de liberdade administrativa, a atuação da Administração pode gerar divergências sobre a melhor ou pior forma de prosseguir os interesses coletivos, todavia, não se pode admitir que essa atuação seja ilegal.
A ausência de controlo jurisdicional da margem de livre decisão está inclusive, envolvida na própria separação de poderes, uma vez que, na ótica do legislador, a persecução do interesse público terá uma maior eficácia se a administração possuir a palavra final em casos específicos dessa extensão, e não os tribunais - caso os tribunais interferissem totalmente no exercício da margem de livre decisão, originariam um fenómeno de "dupla administração" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 179] onde a atuação administrativa por parte dos mesmos seria necessariamente menos apta do que a Administração Pública.
É feita ainda uma divisão pertinente entre fundamentos da margem de livre decisão e as consequências da mesma.
Quando nos remetemos para os seus fundamentos, devemos inicialmente encarar a base jurídica da margem de livre decisão, sendo esta a própria lei - o que difere da realidade do estado liberal onde a administração pública possuía liberdade suficiente para agir à margem da lei e nunca sob reserva da lei, como se passa a suceder no estado social. Após identificada a base jurídica, o professor remete ainda para "as razões de ser do ponto de vista político" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 177] onde distingue duas situações: a limitação prática da função legislativa e a separação de poderes enquanto critério de distribuição das funções do estado pelos respetivos órgãos responsáveis. Primeiramente, a função legislativa encontra-se limitada na prática pelos próprios atos gerais e abstratos que dificilmente abrangem casos muito concretos, isto é, dificilmente o legislador consegue antever a ocorrência de todas as situações futuras. Deste modo, é dada à administração o poder de adaptar o sentido normativo das normas a situações específicas que o legislador não conseguiu prever. Numa segunda razão, o princípio da separação conduz a uma limitação da densidade normativa permitindo uma margem de liberdade face tanto ao legislador como à própria função administrativa. Essa mesma liberdade permite não só uma maior equidade e adequação da aplicação do direito, como também uma prossecução mais eficaz daquela que é a sua finalidade - o interesse público e o bem-estar da coletividade.
Em suma, e não menos importante, devemos relevar a consequência mais importante da margem de livre decisão que os professores referem como a ausência de controlo jurisdicional no seu âmbito ou extensão. Segundo o mesmo "(...) não significa, note-se que os atos da administração praticados ao abrigo da margem de livre decisão não possam ser objeto de tal controlo, mas apenas que não o podem ser na medida dessa liberdade" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 178]. No cerne desta questão está o facto de, o controlo ou apreciação, apenas incidir sobre o cumprimento das ações da Administração Pública nos termos em que esta se encontra legalmente vinculada, ou condicionada pelos limites da margem de livre decisão. Desmembrando esta ideologia, é possível fazer uma cisão entre a esfera da legalidade sujeita a controlo jurisdicional e a esfera do mérito, que tanto abarca a apreciação da oportunidade como da conveniência de uma concreta deliberação administrativa. Enquanto a apreciação da oportunidade se caracteriza pelo préstimo específico do agir administrativo na prossecução do interesse público estatuído, a apreciação da conveniência consiste na utilidade de uma determinada ação administrativa para a prossecução do interesse da coletividade legalmente estabelecido, "à luz dos demais interesses públicos envolvidos" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 178]. Deste modo, ainda no âmbito do "não controlo jurisdicional" dessa margem de liberdade administrativa, a atuação da Administração pode gerar divergências sobre a melhor ou pior forma de prosseguir os interesses coletivos, todavia, não se pode admitir que essa atuação seja ilegal.
A ausência de controlo jurisdicional da margem de livre decisão está inclusive, envolvida na própria separação de poderes, uma vez que, na ótica do legislador, a persecução do interesse público terá uma maior eficácia se a administração possuir a palavra final em casos específicos dessa extensão, e não os tribunais - caso os tribunais interferissem totalmente no exercício da margem de livre decisão, originariam um fenómeno de "dupla administração" [REBELO DE SOUSA,SALGADO DE MATOS; 2008, 179] onde a atuação administrativa por parte dos mesmos seria necessariamente menos apta do que a Administração Pública.
Bibliografia
FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso De
Direito Administrativo. 2º ed. Almedina, 2001.
REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO
DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral- Tomo I- Introdução e Princípios
Fundamentais. 3ªed. Dom Quixote, 2008.
Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, 1789.
Constituição da República
Portuguesa e Legislação Complementar. 2ªed. AAFDL, 2013.
Patrícia Revés, nº28082
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