segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A proteção do particular na norma e os seus direitos subjetivos

Várias são as teorias sobre os direitos subjetivos dos particulares em Direito Administrativo. No entanto, a enumeração, descrição e apreciação crítica destas não são o objeto do presente artigo. Pretende-se uma reflexão introdutória a uma das conceções dos direitos subjetivos: a teoria da norma de proteção ou Schutznormtheorie. Parece relevante sublinhar, a título introdutório, que para compreender o conceito de direito subjetivo administrativo (segundo esta ou outras conceções) é necessário compreender e aceitar a existência das relações jurídicas administrativas. Tema pertinente, mas para outro artigo que não este.

A teoria da norma de proteção tem origem no século XIX, e com o passar dos tempos é alvo de várias reformulações que a mantiveram “viva” e suficientemente bem adaptada para que se possa entender o conceito através dela, para se compreender o que é um direito subjetivo administrativo. De modo introdutório deve-se então resumir brevemente a história desta conceção de direito subjetivo.

Comecemos com a sua origem na doutrina alemã, com Bühler, no século XIX. Nesta teorização inovadora assentava-se como requisitos para a existência de um direito subjetivo administrativo três condições. Sendo estas três condições a existência de uma norma vinculativa que constituísse na esfera do particular uma posição de vantagem, que esta norma tivesse como sentido a proteção dos particulares (batizando assim a teoria como a “Teoria da norma de proteção”) e, por fim, que essa posição de vantagem, se lesada, fosse tutelável (pelo menos) em tribunal.

Nos anos 50, no século XX, após um período histórico conturbadíssimo, na Alemanha, Otto Bachof recupera esta teoria e adapta-a para incluir situações que antes não eram incluídas na primeira versão da Schutznormtheorie. Nesta adaptação desta teoria ao seu tempo, Bachof aumenta o alcance dos critérios de Bühler. Agora, nesta conceção é apenas necessário que exista uma vinculação ou mais na aplicação da norma para que exista um direito subjetivo público. Mas o que significará uma norma ser vinculadora juridicamente (parcial ou integralmente)?

Considere-se como exemplo as normas que concedem discricionariedade através de mecanismos vários (quer o faça através de conceitos indeterminados, quer o realize através de opções previstas na lei, que consoante a situação a administração escolha a ação a praticar, ou a não praticar). Ora, mesmo a utilização (obrigatória, entenda-se) da discricionariedade está vinculada a princípios, quer constitucionais quer os que estão especialmente mencionados no Código de Processo Administrativo, que vincula toda a atividade administrativa (tenha-se em conta, por exemplo, os princípios de igualdade, imparcialidade e proporcionalidade, entre outros). Assim compreende-se melhor o que é uma norma vinculada.
Bachof, de certo modo, para além de afirmar que a norma deve ter como sentido o da proteção dos particulares chega a afirmar que não só a norma com a orientação de proteção cria um direito subjetivo, como essa mesma norma cria um dever na esfera jurídica da Administração como correspondência à existência desse direito.

Conclui, ainda, que a possível tutela através de uma ação num tribunal trata-se de uma consequência da existência de um direito subjetivo na esfera do particular, não se trata de uma das causas da constituição desse mesmo direito. No direito português este direito encontra-se consagrado no artigo 268º/nº4 e 5 da Constituição da República Portuguesa (o acesso à justiça administrativa), o que, de acordo com este argumento de Bachof confirma-se que este direito existe, e se este direito é uma consequência de um direito subjetivo, então este tem de existir.

Com o boom de direitos fundamentais nas Constituições das décadas de 70 e 80, com o grande alargamento de direitos fundamentais, surge um problema. Será que podem corresponder a estes direitos fundamentais direitos subjetivos dos particulares na relação jurídica administrativa?

Como resposta a esta questão surge Schmidt-Aβmann que alarga mais uma vez o âmbito da teoria da norma de proteção, a Schutznormtheorie, respondendo afirmativamente à questão anterior. Não só afirma que podem corresponder a direitos subjetivos como ainda afirma que as possíveis agressões que violem os direitos consagrados na Constituição são ilegais. Daqui decorre então que os particulares têm esses direitos enquanto direitos subjetivos.

Mas qual é a relevância da teoria da norma da proteção? É um problema atual, ou com alguma utilidade prática? É desde logo importante, por exemplo, para a delimitação entre interesses e direitos legalmente protegidos e entre interesses simples. Tem como utilidade prática imediata para o particular, dependendo da conceção do direto subjetivo o seu direito lesado pode existir ou não, o que o irá afetar, obviamente.

Mas como descobrir numa norma uma intenção de proteção? Como descobrir um direito subjetivo através desta teoria (Schutznormtheorie)? Um modo que nos parece adequado para revelar através da interpretação da norma uma intenção de proteção é sugerida na doutrina. Quando uma norma jurídica que regula a relação administrativa entre um particular e a administração, uma norma de direito objetivo, “é necessária ou adequada à satisfação de determinados interesses dos particulares” como afirma Vieira de Andrade. Resulta desta aceção que a norma acaba por satisfazer o interesse próprio do particular, o qual é protegido pela norma. Significa isto que não se trata de uma mera satisfação do interesse do particular de modo reflexo ou de forma ocasional devido ao interesse público presente na norma. Daqui resulta que esta intenção de proteger protege autonomamente o interesse do particular como interesse público. Será que assim é?

Mas que questões levantam os direitos subjetivos dos particulares face á Administração? Como é que a existência e a tutela destes direitos subjetivos é afetada por outras teorias que não a teoria da norma de proteção? Que modalidades e tipos de direitos subjetivos existem? Quais os meios de realizar o seu exercício?


Tudo questões do mais elevado interesse mas que por limitações de extensão do presente suporte de publicação não nos é possível explorar neste artigo. No entanto abre-se a porta a essas reflexões futuras depois desta breve introdução à teoria da norma de proteção e dos direitos subjetivos públicos.


Por Gastão Lorena de Sèves
nº 28151

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Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, VASCO «Em Busca do Acto Administrativo Perdido», Almedina, Coimbra, 1996.
CAUPERS, JOÃO; Introdução ao Direito Administrativo 2013 (11ªedição), Âncora Editora
VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS; A Justiça Administrativa, Almedina, 2016
WOLFF, HANS J.; BACHOF, OTTO; STOBER, ROLF; Verwaltungsrecht I, 10ª edição, C.H. Beck, 1994


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