domingo, 30 de outubro de 2016

Comentário a Acórdão do Tribunal de Conflitos



No presente acórdão com o número de processo 015/06 está em causa um conflito de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais judiciais.
Deste modo, litiga-se a responsabilidade civil da Brisa decorrente de uma atividade de concessão, perante um particular que sofre graves danos em consequência de um acidente, provocado por dois animais que inesperadamente surgem na faixa de rodagem. Os animais entram na auto-estrada através de uma abertura existente na vedação que limita os terrenos. O autor instaura a ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, onde o mesmo se julga incompetente em razão de matéria. O autor recorre para o Tribunal Central Administrativo do Norte que confirma a decisão recorrida. Ainda descontente, o autor interpõe recurso no Tribunal de Conflitos. Este tribunal decide que a responsabilidade civil do litígio em causa deve ser julgada pelo Tribunal Comum, aplicando-se assim Direito Privado.
Importa agora ter em atenção as seguintes matérias para saber se estamos no domínio de submissão ao Direito Administrativo ou ao Direito Privado.
O conceito de administração divide-se em três sentidos, material, orgânico e formal. O sentido material traduz o exercício de uma atividade que visa a satisfação das necessidades públicas. O sentido orgânico compreende o conjunto de pessoas que exercem a título principal a função administrativa. O sentido formal são os modos de atuação da administração pública, que se caracteriza pelo uso dos poderes de autoridade da administração que lhe dão supremacia perante os cidadãos.
Dentro do sentido material e orgânica relativo à origem ou à natureza dos interesses cuja gestão se encontra em causa, importa referir duas realidades distintas. Primeira, podem estar em causa interesses privados, encontramo-nos dentro do núcleo da Administração Privada. Segundo, podem estar em causa interesses públicos, encontramo-nos dentro do núcleo da Administração Pública. Embora esta seja a regra geral, nem sempre isto acontece desta maneira. As entidades Privadas podem ser encarregues de gestão de interesses públicos, exercendo poderes administrativos. Fala-se então, em exercício privado de interesses públicos, numa delegação de tarefas da administração a privados.
A distinção entre Administração Pública e Administração Privada é a seguinte: 1º Administração Publica visa sempre seguir interesses públicos enquanto a Administração Privada segue interesses Particulares; 2º Administração Pública rege-se pelo Direito Público e a Administração Privada rege-se pelo Direito Privado; 3º a primeira subordina-se pelo Princípio da Legalidade e da Competência e a segunda pode fazer tudo aquilo que não é proibido por lei; 4º a primeira submete-se aos Tribunais Administrativos e a segunda submete-se aos Tribunais Comuns. Perante estas distinções tão rigorosas importa definir em que âmbito se encontra o nosso caso.
          Analisando o caso em concreto com o recurso aos critérios do sujeito, finalidade e dos poderes empregues concluiu-se o seguinte.
Se observamos os sujeitos em causa, estamos perante um Particular (autor) e uma Pessoa Coletiva de Direito Privado -Sociedade Anónima (Brisa-Auto-Estradas de Portugal SA).
 No critério da finalidade, concluiu-se que o autor prossegue interesses particulares. Ao contrário, a Pessoa Coletiva que embora não faça parte da administração, a mesma prossegue interesses públicos através de uma concessão. A ré como concessionária desempenha uma função pública. O facto de esse serviço ser gerido por uma entidade privada, não se perde o intuito de prossecução de interesses públicos. Aqui, o que está em causa é um fenómeno de exercício privado de funções públicas, tal como dito anteriormente há uma delegação de poderes da administração a entidades privadas. O contrato de concessão é previsto no DL 467/72.
 No critério de poderes, não se empregou nenhum poder de autoridade.
Numa primeira fase poderíamos achar que estamos perante a aplicação de direito administrativo, por estarem em causa interesses públicos geridos pela Ré, ou seja, uma gestão pública de coisa pública. Estaria em causa uma relação jurídica administrativa. Logo a competência de jurisdição diria respeito aos Tribunais Administrativos e Fiscais ao abrigo do artigo 212º nº3 CRP. Contudo esta interpretação estaria errada, primeiro porque só o critério da prossecução do interesse público é insuficiente para decidir a esse favor e segundo porque o que se trata é de definir qual a jurisdição competente para apreciar um pedido de indemnização.
O pedido do autor é a responsabilidade civil e a correspondente indeminização dos prejuízos sofridos por ele (automobilista) perante um dever de vigiar, guardar, reparar e conservar as respectivas vedações conferido à sociedade anonima (ao abrigo do Dl 294/97). Ou seja a relação jurídica em causa é entre dois particulares (automobilista e SA), logo regida por direito privado. Ainda assim, só a utilização do critério dos sujeitos seria insuficiente.
Estes três critérios parecem insuficientes para concluir se estamos perante a submissão ao direito administrativo ou ao direito privado. Assim, é necessário observar a conjunção dos três critérios com as normas que estiverem em causa perante cada caso.
Deste modo, o tribunal concluiu que a nível de responsabilidade contratual, não existe a celebração de nenhum contrato entre o autor e a ré (não há o pagamento de nenhuma quantia em nome de se garantir a segurança), sujeita-o a um regime substantivo de direito público. Não haveria nenhuma relação contratual entre as duas entidades privadas.
Outra perspetiva, é que mesmo a nível de responsabilidade contratual e extracontratual, o fundamento não podendo ser nenhum dos critérios enunciados antes. Temos de observar as bases da concessão, onde existe uma norma que refere especificamente que é da responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que sejam devidas a terceiros (Base XLIX DL 294/97). Esta norma reflete a natureza privada da concessionária perante terceiro e a submissão deste litígio ao direito privado, sem qualquer dúvida.
Tal como o Tribunal de Conflitos corretamente entendeu, este litígio pertence aos Tribunais Comuns (211º nº1 CRP).

Bibliografia
Otero, Paulo, Manual de Direito Administrativo Volume I 
Sousas, Marcelo Rebelo, Direito Administrativo Geral Tomo I


Margarida Gil Silva Nº24421

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