No presente acórdão com o número de processo 015/06 está em causa um
conflito de jurisdição entre os tribunais administrativos e os tribunais
judiciais.
Deste modo, litiga-se a responsabilidade civil da Brisa decorrente de
uma atividade de concessão, perante um particular que sofre graves danos em
consequência de um acidente, provocado por dois animais que inesperadamente
surgem na faixa de rodagem. Os animais entram na auto-estrada através de uma
abertura existente na vedação que limita os terrenos. O autor instaura a ação
no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, onde o mesmo se julga
incompetente em razão de matéria. O autor recorre para o Tribunal Central Administrativo
do Norte que confirma a decisão recorrida. Ainda descontente, o autor interpõe
recurso no Tribunal de Conflitos. Este tribunal decide que a responsabilidade
civil do litígio em causa deve ser julgada pelo Tribunal Comum, aplicando-se
assim Direito Privado.
Importa agora ter em atenção as seguintes matérias para saber se
estamos no domínio de submissão ao Direito Administrativo ou ao Direito
Privado.
O conceito de
administração divide-se em três sentidos, material, orgânico e formal. O
sentido material traduz o exercício de uma atividade que visa a satisfação das
necessidades públicas. O sentido orgânico compreende o conjunto de pessoas que
exercem a título principal a função administrativa. O sentido formal são os
modos de atuação da administração pública, que se caracteriza pelo uso dos
poderes de autoridade da administração que lhe dão supremacia perante os
cidadãos.
Dentro do
sentido material e orgânica relativo à origem ou à natureza dos interesses cuja
gestão se encontra em causa, importa referir duas realidades distintas.
Primeira, podem estar em causa interesses privados, encontramo-nos dentro do
núcleo da Administração Privada. Segundo, podem estar em causa interesses
públicos, encontramo-nos dentro do núcleo da Administração Pública. Embora esta
seja a regra geral, nem sempre isto acontece desta maneira. As entidades
Privadas podem ser encarregues de gestão de interesses públicos, exercendo
poderes administrativos. Fala-se então, em exercício privado de interesses
públicos, numa delegação de tarefas da administração a privados.
A distinção
entre Administração Pública e Administração Privada é a seguinte: 1º
Administração Publica visa sempre seguir interesses públicos enquanto a
Administração Privada segue interesses Particulares; 2º Administração Pública
rege-se pelo Direito Público e a Administração Privada rege-se pelo Direito Privado;
3º a primeira subordina-se pelo Princípio da Legalidade e da Competência e a
segunda pode fazer tudo aquilo que não é proibido por lei; 4º a primeira
submete-se aos Tribunais Administrativos e a segunda submete-se aos Tribunais Comuns.
Perante estas distinções tão rigorosas importa definir em que âmbito se
encontra o nosso caso.
Analisando o caso em concreto
com o recurso aos critérios do sujeito, finalidade e dos poderes empregues
concluiu-se o seguinte.
Se observamos os
sujeitos em causa, estamos perante um Particular (autor) e uma Pessoa
Coletiva de Direito Privado -Sociedade Anónima (Brisa-Auto-Estradas de Portugal
SA).
No critério da finalidade, concluiu-se
que o autor prossegue interesses particulares. Ao contrário, a Pessoa Coletiva que
embora não faça parte da administração, a mesma prossegue interesses públicos
através de uma concessão. A ré como concessionária desempenha uma função
pública. O facto de esse serviço ser gerido por uma entidade privada, não se
perde o intuito de prossecução de interesses públicos. Aqui, o que está em
causa é um fenómeno de exercício privado de funções públicas, tal como dito
anteriormente há uma delegação de poderes da administração a entidades
privadas. O contrato de concessão é previsto no DL 467/72.
No critério de poderes, não se empregou
nenhum poder de autoridade.
Numa primeira fase poderíamos achar que estamos perante a aplicação
de direito administrativo, por estarem em causa interesses públicos geridos
pela Ré, ou seja, uma gestão pública de coisa pública. Estaria em causa uma
relação jurídica administrativa. Logo a competência de jurisdição diria
respeito aos Tribunais Administrativos e Fiscais ao abrigo do artigo 212º nº3
CRP. Contudo esta interpretação estaria errada, primeiro porque só o critério
da prossecução do interesse público é insuficiente para decidir a esse favor e
segundo porque o que se trata é de definir qual a jurisdição competente para
apreciar um pedido de indemnização.
O pedido do autor é a responsabilidade civil e a correspondente indeminização
dos prejuízos sofridos por ele (automobilista) perante um dever de vigiar,
guardar, reparar e conservar as respectivas vedações conferido à sociedade
anonima (ao abrigo do Dl 294/97). Ou seja a relação jurídica em causa é entre
dois particulares (automobilista e SA), logo regida por direito privado.
Ainda assim, só a utilização do critério dos sujeitos seria insuficiente.
Estes três
critérios parecem insuficientes para concluir se estamos perante a submissão ao
direito administrativo ou ao direito privado. Assim, é necessário observar a
conjunção dos três critérios com as normas que estiverem em causa perante cada
caso.
Deste modo, o tribunal concluiu que a nível de responsabilidade
contratual, não existe a celebração de nenhum contrato entre o autor e a ré
(não há o pagamento de nenhuma quantia em nome de se garantir a segurança),
sujeita-o a um regime substantivo de direito público. Não haveria nenhuma
relação contratual entre as duas entidades privadas.
Outra
perspetiva, é que mesmo a nível de responsabilidade contratual e extracontratual,
o fundamento não podendo ser nenhum dos critérios enunciados antes. Temos de observar
as bases da concessão, onde existe uma norma que refere especificamente
que é da responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que sejam
devidas a terceiros (Base XLIX DL 294/97). Esta norma reflete a natureza
privada da concessionária perante terceiro e a submissão deste litígio ao
direito privado, sem qualquer dúvida.
Tal como o Tribunal de Conflitos corretamente entendeu, este litígio
pertence aos Tribunais Comuns (211º nº1 CRP).
Bibliografia
Otero, Paulo, Manual
de Direito Administrativo Volume I
Sousas,
Marcelo Rebelo, Direito Administrativo Geral Tomo I
Margarida Gil
Silva Nº24421
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