A
Constituição da República Portuguesa adotou um modelo de Estado de Direitos Humanos,
baseado na dignidade da pessoa humana.[1]
A dignidade da pessoa humana é a base dos princípios da igualdade, liberdade e
da solidariedade.
O
particular é um sujeito de Direito e é titular de direitos face à Administração
Pública. Um dos seus fins, é a prossecução de tarefas de interesse público
(satisfação de necessidades coletivas). Mas, a prossecução do interesse público
não se resume ao respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos
cidadãos[2],
é particularmente a sua ligação permanente à garantia da dignidade da pessoa
humana[3].
Mas
será que, enquanto valor fundamental da ordem jurídica constitucional, goza de
uma prevalência absoluta em caso de consideração face a outros bens, interesses
ou valores constitucionais? Sendo o núcleo da conceção personalista da
Administração Pública, o indivíduo é o sujeito e o fim da atividade da
Administração. Neste sentido, o Tribunal Constitucional alemão, em 2006,
considerou inconstitucional a norma que permitia às forças armadas abaterem um
avião, sequestrado por terroristas. Cabe perguntar: quantas vidas poderiam
estar em jogo, após uma decisão destas, num cenário idêntico ao conhecido 11 de
setembro? Apesar de ser sabido por nós que só a própria dignidade humana, em
colisão, se limita e pode condicionar, não me parece que fosse critério
suficiente para, direta e friamente, violar o direito à vida e o princípio da
dignidade de passageiros e tripulantes. Será então um principio absoluto, ou
relativo? Não é, na minha opinião, em caso algum um princípio relativo – a
questão de abater o avião não se colocava.
Faz
ainda prova da superioridade do principio, a proteção oferecida aos reclusos, e
a proibição da pena de morte[4],
mesmo em caso dos mais bárbaros crimes (ainda que contra a própria dignidade
humana).
Sendo
um direito absoluto e inalienável, a obrigação de respeito e proteção da
Administração Pública é acrescida nas situações de pouca (ou nenhuma) consciência
deste direito, a título de exemplo, os doentes mentais ou os nascituros.
Apesar
da Administração Pública dever proteção aos indivíduos, caso ocorram danos resultantes
da violação administrativa da dignidade da pessoa humana, é imprescritível o
seu ressarcimento[5].
Contudo, na continuação da sua atividade de prossecução do interesse comum deve
agir ao abrigo, não só do principio da legalidade, como ao resguardo da sua
margem de discricionariedade. Não pode, nem deve agir com a limitação do
receio. A Administração Pública distingue ainda as situações em que involuntariamente
os particulares encontram-se expostos a um risco, e quando ao contrário, voluntariamente
o mesmo aconteceu, relativizam a dignidade humana em proveito do interesse
comum. É exemplo a prática de ilícitos criminais, assim sendo, a intervenção
policial pode ser de realização coativa. Alguns dos atos administrativos podem
ser, então, executórios. No entanto, há correspondência a um poder legal, sem
nunca desrespeitar o principio da proporcionalidade.
“(…)
A existência de direitos fundamentais decorrentes da dignidade da pessoa humana
(…) (é) correlativa (…) de deveres fundamentais, (…) – na sugestiva expressão de
Mahatma Gandhi, “o Gange dos direitos desce do Himalaia dos
deveres”.”[6]
[1]
Vide Art. 1.º, da CRP: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade
da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma
sociedade livre, justa e solidária.”
[2]
Vide Art. 266/1.º, da CRP: “A Administração Pública visa a prossecução do
interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegido
dos cidadãos.”
[3]
“Não há, nem pode existir, interesse público ou bem comum contra a dignidade
humana.” OTERO, Paulo. Manual de Direito
Administrativo. Vol I. Edições Almedina. 2014. p 312.
[4]
Vide Art. 24/2.º, da CRP: “Em caso algum haverá pena de morte.”
[5]
Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, Responsabilidade
Civil Extracontratual do Estado e pessoas coletivas de Direito Público.
[6] OTERO,
Paulo. Manual de Direito Administrativo. Vol
I. Edições Almedina. 2014. p 320.
Oriana Freitas, 28126.
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