sábado, 29 de outubro de 2016

Até onde chega o princípio da Dignidade da Pessoa Humana?



A Constituição da República Portuguesa adotou um modelo de Estado de Direitos Humanos, baseado na dignidade da pessoa humana.[1] A dignidade da pessoa humana é a base dos princípios da igualdade, liberdade e da solidariedade.
O particular é um sujeito de Direito e é titular de direitos face à Administração Pública. Um dos seus fins, é a prossecução de tarefas de interesse público (satisfação de necessidades coletivas). Mas, a prossecução do interesse público não se resume ao respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos[2], é particularmente a sua ligação permanente à garantia da dignidade da pessoa humana[3].
Mas será que, enquanto valor fundamental da ordem jurídica constitucional, goza de uma prevalência absoluta em caso de consideração face a outros bens, interesses ou valores constitucionais? Sendo o núcleo da conceção personalista da Administração Pública, o indivíduo é o sujeito e o fim da atividade da Administração. Neste sentido, o Tribunal Constitucional alemão, em 2006, considerou inconstitucional a norma que permitia às forças armadas abaterem um avião, sequestrado por terroristas. Cabe perguntar: quantas vidas poderiam estar em jogo, após uma decisão destas, num cenário idêntico ao conhecido 11 de setembro? Apesar de ser sabido por nós que só a própria dignidade humana, em colisão, se limita e pode condicionar, não me parece que fosse critério suficiente para, direta e friamente, violar o direito à vida e o princípio da dignidade de passageiros e tripulantes. Será então um principio absoluto, ou relativo? Não é, na minha opinião, em caso algum um princípio relativo – a questão de abater o avião não se colocava.
Faz ainda prova da superioridade do principio, a proteção oferecida aos reclusos, e a proibição da pena de morte[4], mesmo em caso dos mais bárbaros crimes (ainda que contra a própria dignidade humana).
Sendo um direito absoluto e inalienável, a obrigação de respeito e proteção da Administração Pública é acrescida nas situações de pouca (ou nenhuma) consciência deste direito, a título de exemplo, os doentes mentais ou os nascituros.
Apesar da Administração Pública dever proteção aos indivíduos, caso ocorram danos resultantes da violação administrativa da dignidade da pessoa humana, é imprescritível o seu ressarcimento[5]. Contudo, na continuação da sua atividade de prossecução do interesse comum deve agir ao abrigo, não só do principio da legalidade, como ao resguardo da sua margem de discricionariedade. Não pode, nem deve agir com a limitação do receio. A Administração Pública distingue ainda as situações em que involuntariamente os particulares encontram-se expostos a um risco, e quando ao contrário, voluntariamente o mesmo aconteceu, relativizam a dignidade humana em proveito do interesse comum. É exemplo a prática de ilícitos criminais, assim sendo, a intervenção policial pode ser de realização coativa. Alguns dos atos administrativos podem ser, então, executórios. No entanto, há correspondência a um poder legal, sem nunca desrespeitar o principio da proporcionalidade.  
“(…) A existência de direitos fundamentais decorrentes da dignidade da pessoa humana (…) (é) correlativa (…) de deveres fundamentais, (…) – na sugestiva expressão de Mahatma Gandhi, “o Gange dos direitos desce do Himalaia dos deveres”.”[6]








[1] Vide Art. 1.º, da CRP: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”
[2] Vide Art. 266/1.º, da CRP: “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegido dos cidadãos.”
[3] “Não há, nem pode existir, interesse público ou bem comum contra a dignidade humana.” OTERO, Paulo. Manual de Direito Administrativo. Vol I. Edições Almedina. 2014. p 312.
[4] Vide Art. 24/2.º, da CRP: “Em caso algum haverá pena de morte.”
[5] Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e pessoas coletivas de Direito Público.
[6] OTERO, Paulo. Manual de Direito Administrativo. Vol I. Edições Almedina. 2014. p 320.




                                                                                                                        Oriana Freitas, 28126.

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