segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Organização Administrativa - Tutela Administrativa

No livro "Curso de Direito Administrativo - volume I", o professor Diogo Freitas do Amaral afirma que tutela administrativa é um conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito na sua actuação.
Através desta mesma definição, pode-se retirar determinadas ideias base:
         Existem duas pessoas coletivas distintas: a que tutela e a que é tutelada.
         Dessas duas, uma é pública. Na maioria dos casos, aquela que é tutelada é pessoa coletiva pública. Na opinião do autor, os poderes de tutela administrativa deveriam ser exercidos somente sobre pessoas coletivas públicas. Em vez de tal situação acontecer, devido ao facto de terminadas leis o estipularem e a Constituição não o contrariar, verifica-se que a entidade regulada poderá ser uma pessoa coletiva privada.
         Estes equivalem a poderes de intervenção na gestão de uma pessoa coletiva, isto é, quando a tutela de administração é exercida, a pessoa coletiva tutelar irá alterar determinadas vertentes na conduta da pessoa coletiva tutelada.
         O objetivo é que a entidade que é tutelada cumpra as leis que vigoram nesse momento e ainda, que esta adote as melhores condutas para que se alcance o interesse público.

è Figuras afins
É importante referir que a tutela administrativa e determinadas figuras são diferentes e é de grande relevância demonstrar quais são e as suas diferenças.
Em primeiro lugar, temos a hierarquia. Enquanto que a tutela administrativa remete a uma relação jurídica entre duas pessoas coletivas distintas, a hierarquia diz respeito à forma como uma pessoa coletiva se organiza em si mesma.
Em segundo, é seguro afirmar que há grandes diferenças dos poderes que são exercidos por órgãos do controlo jurisdicional da Administração Pública. Esta diferenciação incide, principalmente, sobre dois pontos. Primeiramente, a tutela administrativa diz respeito ao exercício dos órgãos da Administração Pública e não ao dos tribunais. Por último, as suas ações são de função administrativa, enquanto que as dos tribunais é jurisdicional.
Em último lugar, a tutela administrativa é distinta dos poderes internos da administração, tais como a sujeição a aprovação por órgãos da mesma pessoa coletiva pública ou o referendo, no qual todos os acontecimentos são relativos à mesma pessoa coletiva, sendo que difere do facto de, na tutela administrativa, acontecer entre duas pessoas coletivas distintas.

è Espécies
A distinção das modalidades da tutela administrativa é feita quando ao fim e ao conteúdo.
·         Fim:
1.       Tutela de Legalidade – Controlo incide sobre o facto das condutas da entidade regulada se encontrarem conforme a lei.
2.       Tutela de Mérito – Verificar se, independentemente da sua legalidade, a decisão é adequada a nível administrativo, financeiro, técnico, entre outros.
Ø  Esta distinção é de grande importância porque após a revisão constitucional de 1982, a tutela do governo referente às autarquias locais passa a ser somente uma tutela de legalidade, como consta no artigo 242º/nº1 da CRP. Ainda assim, a tutela de mérito é aplicável aos institutos e associações públicas, pois como são de formas de administração autónoma não se encontram sobre proteção de nenhuma norma constitucional.
·         Conteúdo:
1               1. Integrativa – Trata-se do poder de autorização ou aprovação dos atos da entidade regulada.
o   Caso seja a priori trata-se de autorização, ou seja, a entidade não pode praticar o ato antes de ser autorizado. Assim sendo, é uma condição para a prática do ato que seja da competência da entidade regulada e é uma condição de validade, pois a sua inobservância traduz-se numa ilegalidade sanável.
o   Caso seja a posteriori diz respeito à aprovação. Desta forma, a entidade pode praticar o ato, mas não o pode executar, considerando-se uma condição de execução. Desta forma, é uma condição de eficácia e caso não seja observada, ficamos perante uma ineficácia que não é sanável.
2. Inspetiva – Diz respeito à fiscalização da organização e funcionamento da pessoa coletiva tutelada. Na Administração Pública, existem os designados “serviços inspetivos” que têm essa função.
3. Sancionatória – A função é a aplicação de sanções quando se verifiquem irregularidades na entidade que é tutelada. Esta surge após o processo de fiscalização de ilegalidades por parte da tutela inspetiva. 
4. Revogatória – Possibilidade de revogar os atos administrativos que foram praticados pela pessoa coletiva sobre tutela, sendo que este poder existe, de forma excecional, na Administração Pública.
5. Substitutiva – Corresponde à situação da entidade tutelar praticar os atos que são exigidos por lei, no lugar da entidade tutelar, suprindo a sua ação.

è Legitimidade da aplicação das modalidades de tutela administrativa
Esta questão levanta discordância, pois há quem defenda que se podem aplicar as diferentes modalidades e há quem diga que não.
Os indivíduos que não concordam com a aplicação das diferentes modalidades, cingem-se ao artigo 242º/nº1 da CRP, consentido apenas a aplicação da tutela inspetiva de forma a auferir se a atuação das autarquias locais é conforme a lei.
Os autores do livro “Manual de Direito Administrativo” discordam da posição acima referida, sendo que:
·         A operação de legalidade pode ser realizada por qualquer modalidade e não somente pela tutela inspetiva.
·       As tutelas sancionatórias e revogatórias levantam algumas questões. De acordo com a prática, quando existe uma ilegalidade que é verificada por um órgão competente da Administração ativa do Estado, o processo sancionatório ou de anulação desse ato praticado pela autarquia é efetivado pelos tribunais, conforme ação do Ministério Público.
·         Tutela substitutiva só poderá ser legitimada quando a Constituição a permitir e a nível excecional. Assim sendo, é incompatível com o artigo 243º/nº1 da CRP e com o principio da autonomia do poder local.

è Regime Jurídico
  É importante estabelecer agora as linhas gerais do regime geral da tutela administrativa.
1      1. A tutela administrativa só existe na modalidade que a lei estipule, assim como os termos e limites da mesma.
2       2. Como anteriormente foi observado, somente a tutela de legalidade é reconhecida (artigo 242º/nº1 CRP).
3       3. Levanta-se a questão de saber se a autoridade tutelar pode ou não dar instruções à entidade que é tutelada no que diz respeito à interpretação de leis e regulamentos que se encontram em vigor ou ao modo de exercer a sua própria competência. Quanto a este problema, os órgãos autárquicos podem consultar o Governo aquando surgirem dúvidas de interpretação, mas as respostas do mesmo são meros conselhos que podem seguir ou não. Caso existisse outra solução, esta atentava os princípios de autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública, previsto nos termos do nº1 do artigo 6º da CRP.
4       4. A pessoa coletiva tutelada pode impugnar os atos que sejam praticados pela pessoa coletiva tutelar e que a prejudiquem (artigo 55º/nº1/al. C) do CPTA).
è Natureza Jurídica
Existem três principais orientações no que diz respeito à natureza jurídica da tutela administrativa: Analogia com tutela civil; Hierarquia enfraquecida; Poder de controlo.
1.       Analogia com a tutela civil: Defendida nos primórdios da ciência do Direito Administrativo, a tutela administrativa assemelha-se à tutela civil. Tanto uma como a outra destinavam-se a suprir as deficiências quer orgânicas, quer funcionais das entidades tuteladas.
2.       Hierarquia enfraquecida: Marcello Caetano defendeu esta tese e segundo a mesma, os poderes de tutela são hierarquicamente enfraquecidos, pois são exercidos sobre entidades autónomas.
3.       Poder de controlo: Esta é a orientação que é, atualmente, a mais correta e utilizada. Isto deve-se ao facto de se exercer um poder de controlo sobre as pessoas coletivas em causa de forma a assegurar que se respeitem valores essenciais, tal como a legalidade dos atos.

·         Porque é que não se pode aceitar as duas primeiras teses?
Primeiramente, porque não é aceitável realizar-se uma analogia com a tutela civil, sendo que se pressupõem a existência de um sujeito de direito a quem a lei suprime a capacidade de exercer os seus direitos. Isto é contrário ao que acontece na tutela administrativa, pois as pessoas coletivas são capazes e competentes para tal, mas a lei receia um abuso dessa mesma capacidade.
Em segundo lugar, na tese da hierarquia enfraquecida, os poderes são enfraquecidos pela lei face à autonomia das entidades tuteladas. Tal conceção não pode ser tomada como correta, pois se o fosse, a tutela administrativa não tinha necessidade de ser estabelecida por lei, sendo que esta só a limitaria, não sendo isso que se verifica, pois só existem se a lei o estabelecer. Outra demarcação de grande importância é que na tutela administrativa não se verifica a existência dos poderes típicos do superior hierárquico, pois as entidades que são tuteladas são autónomas e os seus órgãos independentes, como podemos verificar nos termos do artigo 44º da LAL.

Desta forma, podemos afirmar que a tutela administrativa é de facto, um conjunto de poderes de controlo. Isto porque a tutela administrativa é nada mais que o controlo das ações das entidades que são tuteladas para que estas sejam conforme a lei (tutela de legalidade) e em países que o permita, o mérito das mesmas (tutela de mérito).

Carolina Gomes
Nº 26206 

A proteção do particular na norma e os seus direitos subjetivos

Várias são as teorias sobre os direitos subjetivos dos particulares em Direito Administrativo. No entanto, a enumeração, descrição e apreciação crítica destas não são o objeto do presente artigo. Pretende-se uma reflexão introdutória a uma das conceções dos direitos subjetivos: a teoria da norma de proteção ou Schutznormtheorie. Parece relevante sublinhar, a título introdutório, que para compreender o conceito de direito subjetivo administrativo (segundo esta ou outras conceções) é necessário compreender e aceitar a existência das relações jurídicas administrativas. Tema pertinente, mas para outro artigo que não este.

A teoria da norma de proteção tem origem no século XIX, e com o passar dos tempos é alvo de várias reformulações que a mantiveram “viva” e suficientemente bem adaptada para que se possa entender o conceito através dela, para se compreender o que é um direito subjetivo administrativo. De modo introdutório deve-se então resumir brevemente a história desta conceção de direito subjetivo.

Comecemos com a sua origem na doutrina alemã, com Bühler, no século XIX. Nesta teorização inovadora assentava-se como requisitos para a existência de um direito subjetivo administrativo três condições. Sendo estas três condições a existência de uma norma vinculativa que constituísse na esfera do particular uma posição de vantagem, que esta norma tivesse como sentido a proteção dos particulares (batizando assim a teoria como a “Teoria da norma de proteção”) e, por fim, que essa posição de vantagem, se lesada, fosse tutelável (pelo menos) em tribunal.

Nos anos 50, no século XX, após um período histórico conturbadíssimo, na Alemanha, Otto Bachof recupera esta teoria e adapta-a para incluir situações que antes não eram incluídas na primeira versão da Schutznormtheorie. Nesta adaptação desta teoria ao seu tempo, Bachof aumenta o alcance dos critérios de Bühler. Agora, nesta conceção é apenas necessário que exista uma vinculação ou mais na aplicação da norma para que exista um direito subjetivo público. Mas o que significará uma norma ser vinculadora juridicamente (parcial ou integralmente)?

Considere-se como exemplo as normas que concedem discricionariedade através de mecanismos vários (quer o faça através de conceitos indeterminados, quer o realize através de opções previstas na lei, que consoante a situação a administração escolha a ação a praticar, ou a não praticar). Ora, mesmo a utilização (obrigatória, entenda-se) da discricionariedade está vinculada a princípios, quer constitucionais quer os que estão especialmente mencionados no Código de Processo Administrativo, que vincula toda a atividade administrativa (tenha-se em conta, por exemplo, os princípios de igualdade, imparcialidade e proporcionalidade, entre outros). Assim compreende-se melhor o que é uma norma vinculada.
Bachof, de certo modo, para além de afirmar que a norma deve ter como sentido o da proteção dos particulares chega a afirmar que não só a norma com a orientação de proteção cria um direito subjetivo, como essa mesma norma cria um dever na esfera jurídica da Administração como correspondência à existência desse direito.

Conclui, ainda, que a possível tutela através de uma ação num tribunal trata-se de uma consequência da existência de um direito subjetivo na esfera do particular, não se trata de uma das causas da constituição desse mesmo direito. No direito português este direito encontra-se consagrado no artigo 268º/nº4 e 5 da Constituição da República Portuguesa (o acesso à justiça administrativa), o que, de acordo com este argumento de Bachof confirma-se que este direito existe, e se este direito é uma consequência de um direito subjetivo, então este tem de existir.

Com o boom de direitos fundamentais nas Constituições das décadas de 70 e 80, com o grande alargamento de direitos fundamentais, surge um problema. Será que podem corresponder a estes direitos fundamentais direitos subjetivos dos particulares na relação jurídica administrativa?

Como resposta a esta questão surge Schmidt-Aβmann que alarga mais uma vez o âmbito da teoria da norma de proteção, a Schutznormtheorie, respondendo afirmativamente à questão anterior. Não só afirma que podem corresponder a direitos subjetivos como ainda afirma que as possíveis agressões que violem os direitos consagrados na Constituição são ilegais. Daqui decorre então que os particulares têm esses direitos enquanto direitos subjetivos.

Mas qual é a relevância da teoria da norma da proteção? É um problema atual, ou com alguma utilidade prática? É desde logo importante, por exemplo, para a delimitação entre interesses e direitos legalmente protegidos e entre interesses simples. Tem como utilidade prática imediata para o particular, dependendo da conceção do direto subjetivo o seu direito lesado pode existir ou não, o que o irá afetar, obviamente.

Mas como descobrir numa norma uma intenção de proteção? Como descobrir um direito subjetivo através desta teoria (Schutznormtheorie)? Um modo que nos parece adequado para revelar através da interpretação da norma uma intenção de proteção é sugerida na doutrina. Quando uma norma jurídica que regula a relação administrativa entre um particular e a administração, uma norma de direito objetivo, “é necessária ou adequada à satisfação de determinados interesses dos particulares” como afirma Vieira de Andrade. Resulta desta aceção que a norma acaba por satisfazer o interesse próprio do particular, o qual é protegido pela norma. Significa isto que não se trata de uma mera satisfação do interesse do particular de modo reflexo ou de forma ocasional devido ao interesse público presente na norma. Daqui resulta que esta intenção de proteger protege autonomamente o interesse do particular como interesse público. Será que assim é?

Mas que questões levantam os direitos subjetivos dos particulares face á Administração? Como é que a existência e a tutela destes direitos subjetivos é afetada por outras teorias que não a teoria da norma de proteção? Que modalidades e tipos de direitos subjetivos existem? Quais os meios de realizar o seu exercício?


Tudo questões do mais elevado interesse mas que por limitações de extensão do presente suporte de publicação não nos é possível explorar neste artigo. No entanto abre-se a porta a essas reflexões futuras depois desta breve introdução à teoria da norma de proteção e dos direitos subjetivos públicos.


Por Gastão Lorena de Sèves
nº 28151

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Bibliografia:
PEREIRA DA SILVA, VASCO «Em Busca do Acto Administrativo Perdido», Almedina, Coimbra, 1996.
CAUPERS, JOÃO; Introdução ao Direito Administrativo 2013 (11ªedição), Âncora Editora
VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS; A Justiça Administrativa, Almedina, 2016
WOLFF, HANS J.; BACHOF, OTTO; STOBER, ROLF; Verwaltungsrecht I, 10ª edição, C.H. Beck, 1994


O Paradoxo da Separação de Poderes


“Art. 15.º A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.”
Declaração Universal dos Direitos Humanos
1789.
A França fervilha na Revolução que instituiu a república e, consigo, cria toda uma nova ideia de organização estatal que até então se desconhecia.

Havendo uma forte vontade, por parte dos revolucionários em alterar as condutas e processos existentes até então no Ancien Régime – e, por conseguinte, limita-se, para futuro, qualquer surgimento despótico que venha a surgir - aprova-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que vem limitar os poderes do Estado e concretamente da Administração Pública.

- O “Pecado Original”

Procurando exercer as funções do Estado – a executiva, a legislativa e jurisdicional e fazendo-se utilizar do expediente técnico da separação de poderes – teorizada por Montesquieu, em O Espírito das Leis, em 1748, que consagra a repartição de um poder legislativo, para um parlamento, de um poder executivo para um governo e o poder judicial para os tribunais, os revolucionários franceses procuram estabelecer claras diferenças entre cada um dos órgãos detentores destes mesmos poderes. Todavia a interpretação que é feita pelos mesmos desta teoria política do barão de La Brède, cria uma perversão política e institucional na mesma.

Esta perversão surge numa pura lógica paradoxal da separação de poderes, na medida em que os revolucionários franceses, pensavam que julgar a administração era ainda administrar (tal como diz PORTALIS) e, portanto, por isto, os tribunais comuns não tinham de julgar a Administração pública e esta não tinha que estar sujeita às mesmas regras de contencioso como as aplicáveis a privados – pensamento este já patente no próprio Montesquieu (L’ Espirit (…, Vol I – pg. 294).

Ao contrário dos Ingleses em que o principio da separação de poderes, plicava um poder judicial efectivamente autónomo, em França isso não acontecia, não só porque quem estava a cargo dos tribunais eram os membros do Antigo Regime, como os mesmo revolucionários para manterem a revolução, era de todo o interesse que não existissem barreiras à realização da actividade administrativa nem qualquer oposição por parte dos particulares, por via de juízo, para com a mesma, porque este detém um privilégio de julgamento, visto que era “juiz em causa própria .

Assim, verifica-se que é de tal forma deturpada a interpretação da separação de poderes, que a consequência máxima disso mesmo é negação de qualquer direito aos particulares em face da administração, levando a que o Administrador seja ele também julgador o que evidencia o paradoxo da separação de poderes e demonstrava, por um lado, a violação do disposto no art.º 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, conforme apresentado no inicio, que foi aprovado pelos revolucionários eles próprios assim como a promiscuidade que era alvo de crítica  pelos mesmos relativamente ao Ancien Régime, que tinha vigorado.




Pedro Gomes Marçalo
Nº 26135

A Margem de Livre Decisão


           O conceito de margem livre de decisão administrativa como anteriormente foi afirmado neste blog é um espaço de liberdade da atuação administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade, implicando, portanto, uma parcial autodeterminação administrativa (professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos). Este conceito é com frequência designado por autonomia pública devido às semelhanças que apresenta com o fenómeno do direito civil: a autonomia privada.

          Apesar de apresentarem aspetos em comum, estes dois conceitos não devem ser misturados, pois o tipo de liberdade conferida aos sujeitos no direito administrativo não é igual nem sequer semelhante ao tipo de liberdade que as partes dispõem no âmbito do direito privado. Se por um lado os particulares usufruem de liberdade para produzir todo o tipo de efeitos jurídicos que a lei não proíba, na vertente pública a liberdade de decisão está limitada pelo princípio da legalidade, ou seja, a administração poderá apenas produzir os efeitos jurídicos estipulados na lei e ao mesmo tempo não pode dispor contrariamente à lei.
      A ideia da margem de livre decisão pode ser concretizada através de duas formas: a discricionariedade e a margem de livre apreciação.
          O poder discricionário é observável, de acordo com o professor Marcello Caetano, quando o seu exercício fica entregue ao critério do respectivo titular, deixando-lhe liberdade de escolha do procedimento a adoptar em cada caso como mais ajustado à realização do interesse público protegido pela norma que o confere.
Tal liberdade pode ser uma discricionariedade de acção se disser respeito à decisão entre atuar ou não atuar, uma discricionariedade de escolha se se inserir na preferência entre duas ou mais possibilidades de atuação concreta previstas normativamente ou ainda discricionariedade criativa no sentido de criação concreta conforme a jurisdição aplicável.
Estas três modalidades de discricionariedade tanto podem ser autonomamente verificadas como podem ser cumulativamente verificáveis, por exemplo:
A norma do art.145º,3 CPA confere discricionariedade de ação («O autor da revogação pode, no próprio ato, atribuir-lhe efeito retroativo»)
A norma do art.103º,2 CPA confere discricionariedade de escolha («O órgão instrutor pode dispensar a audiências dos interessados»)
A norma do art.157º,1 CPA confere discricionariedade criativa («Em caso de execução para prestação de facto fungível, a administração notifica o obrigado para que proceda à prática do ato devido, fixando um prazo razoável para o seu cumprimento»).
A norma do art.174º,2 CPA confere simultaneamente as três modalidades de discricionariedade («O órgão competente para decidir o recurso pode, se dor caso disso, anular [discricionariedade de ação], no todo ou em parte, o procedimento administrativo e determinar a realização de nova instrução ou [discricionariedade de escolha] de diligências complementares [discricionariedade criativa]»).
A conceção de margem de livre apreciação (Beurteilungsspielraum) foi pela primeira vez teorizada por Otto Bachof, um jurista alemão, em meados do século XX e resulta de acordo com os professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos da atribuição pela lei, à administração, de uma liberdade na apreciação de situações de facto que dizem respeito aos pressupostos das suas decisões e não, expressamente, como sucede na discricionariedade, de uma liberdade de escolha entre várias alternativas de actuação juridicamente admissíveis.
Na continuação da linha de pensamento destes dois professores o fenómeno da margem de livre apreciação respeita sobretudo à previsão das normas jurídicas-administrativas, normas estas que foram alvo do processo de tradução para a forma escrita e, como tal estão limitadas pelos seus naturais condicionantes.
Em certas ocasiões as palavras apresentam um certo grau de incerteza na sua interpretação que, invariavelmente, obsta a que se faça uma interpretação equivalente por parte de todos os intérpretes, a título exemplificativo de palavras possuidoras de incerteza semântica temos: urgência, interesse público, conveniência de serviço, circunstâncias excecionais etc.
Assim, a margem livre de apreciação vem defender a tese de que na interpretação normativa, o uso de conceitos indeterminados, deve em certas ocasiões conferir uma margem de interpretação que não se restrinja a considerar que exista somente uma solução correta para a solução do caso concreto.
A questão, porém, coloca-se no sentido de determinar criteriosamente as situações em que a indeterminação conceptual confere e as situações em que não confere margem de livre apreciação.
O autor da tese, Otto Bachof, não conseguiu apresentar qualquer solução para a questão, no entanto é de salientar na doutrina alemã a opinião, que influenciou a doutrina portuguesa, de Wilhelm Schmidt que considerava que o uso de conceitos indeterminados levantava apenas dificuldades linguísticas, suscetíveis de resolução através de raciocínios lógico-dedutivos, a margem de livre apreciação não decorreria não destes conceitos, mas de outros conceitos indeterminados que teriam de ser objeto de concretização minuciosa envolvendo juízos de prognose.
 No entender dos professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos a margem de livre apreciação deve assentar em três aspetos. O primeiro é o apuramento do sentido subjacente à expressão do sentido normativo dos conceitos indeterminados. O segundo passa pela formulação de um pensamento funcionalmente compatível com o princípio da separação de poderes, que impõe a margem de livre apreciação nos casos em que o controlo jurisdicional da concretização dos conceitos indeterminados implicasse a usurpação do poder administrativo. O terceiro aspeto deve envolver a ponderação entre o princípio da separação de poderes e os direitos fundamentais dos particulares afetados pela decisão administrativa.
Apesar destas conceções ajudarem na resolução da questão, nenhuma delas resolve inteiramente o problema até porque este não aparenta ser resolúvel com apenas uma fórmula, portanto fica ainda por saber em que situações deve a incerteza conceptual conferir margem de livre apreciação.




Bibliografia

CAETANO, Marcelo. Manual de Direito Administrativo – Vol. I. 10º ed. Almedina, 1984

REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral-Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais. 3ªed. Dom Quixote, 2008


André Esteves nº 28180

Noção de Direito Administrativo


Como facilmente verificamos, o Direito Administrativo é um ramo de Direito Público em Portugal. Utilizando qualquer um dos critérios de distinção de Direito Privado e Direito Público, quer seja o critério de interesse, o critério do sujeito ou o critério da autoridade, a conclusão é sempre a mesma. O Direito administrativo é um ramo de Direito Público. Contudo, já não é assim tão fácil obtermos uma verdadeira definição de Direito Administrativo. Todos concordam que se insere no Direito Público mas as divergências doutrinarias em relação ao que é verdadeiramente o Direito Administrativo, permitem concluir que é bastante difícil definir o que ele realmente é.
O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa apresenta-nos o objecto de estudo do Direto Administrativo. É este o complexo de princípios e regras de Direito que norteiam parte significativa da função administrativa do Estado-colectividade e, mais especificamente (em Portugal), a função administrativa do Estado Português. O mesmo ainda define o Direito Administrativo como o conjunto de princípios e regras jurídicas que regem a actividade da Administração Pública em que prevalece a prossecução do interesse público, ou seja, a actividade de gestão pública.
O Prof. Sérvulo Correia começa por nos dizer que o Direito Administrativo não pode ser definido como o direito da função administrativa, visto que esta é em parte exercida mediante recurso a institutos de Direito Privado e também porque assim apenas é redutível a critérios finalísticos de origem directamente constitucional. O mesmo define Direito Administrativo como o ramo de Direito Público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de agir da administração Pública e disciplinam em termos específicos as relações entre órgãos da Administração e os particulares.
O Prof. Marcello Caetano considera que este ramo de Direito Público se pode definir como “o sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o processo próprio de agir da Administração Pública e disciplinam as relações pelas quais ela prossiga interesses colectivos podendo usar de inicio e do privilegio da execução prévia.”
Já o Prof. Freitas do Amaral, discípulo dilecto do Prof. Marcelo Caetano, retira vários aspectos que devemos ter em conta para obtermos o conceito, são estes: O facto de o Direito Administrativo ser um ramo de Direito Público; O facto de haverem três tipos de normas conforme regulem a organização da Administração, o seu funcionamento e a sua actividade em face aos outros sujeitos de Direito; O facto do Direito Administrativo não regular toda a actividade de administração mas apenas  a actividade administrativa de gestão pública; O Direito Administrativo tem que definir previamente os termos e limites em que a actividade administrativa de gestão privada se pode desenvolver;
Com estes critérios o Prof. Freitas do Amaral não segue em parte o entendimento do Prof. Marcello Caetano, visto que não faz referência ao privilégio da execução prévia, uma vez que não considera que o Direito Administrativo possa ser definido apenas em função dos poderes de autoridade conferidos à Administração, tendo que levar em conta a sujeição desta a especiais deveres e restrições.
Com este conjunto de definições podemos voltar atrás para o ponto inicial, no qual afirmo que não há ao certo uma definição que nos diga o que é o Direito Administrativo. Por mais próximas que estas estejam umas das outras a definição varia consoante o critério. O mais próximo que podemos alcançar é uma lista de parâmetros para a qual toda a doutrina aponta e que nos aproximam do conceito, nomeadamente, como referi no inicio, o facto de se tratar de Direito Público e de se debruçar sobre a regulação da organização da Administração Pública e o modo com ela age, visando o interesse público. Contudo isto pouco nos diz sobre o que é efectivamente este ramo do Direito Público, visto que há uma enorme dificuldade em explicar o que se entende por interesse público. Efectivamente não há um sentido certo nem errado para o significado de interesse público. Trata-se de um interesse subjacente de conduta da Administração Pública, vinculada pelo art 266/1 da constituição da república portuguesa. O interesse público é um dever que só no caso concreto pode ser avaliado.

Bibliografia:



FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso De Direito Administrativo. Tomo I. 4º ed. Almedina, 2015.

CAETANO, Marcelo; Manual de Direito Administrativo - Vol.I; 10º ed. Almedina, 2015

REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral- Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais. 3ªed. Dom Quixote, 2008.

SÉRVULO CORREIA, José Manuel; Noções de Direito Administrativo- Vol I; Danúbio, 1982



Francisco Agro 2TB15 nº28250

Os Direitos dos privados fora das mãos da Administração Pública






I.                    Definição de Direito Subjetivo

Parece-me de extrema relevância para a abordagem deste tema, aclarar a definição de Direito Subjetivo, por todos já conhecida de forma facilitar a compreensão do assunto. O professor Menezes Cordeiro enuncia um direito subjetivo como sendo a permissão normativa específica de aproveitamento de um bem, expressando-se assim a existência de uma norma legal que protege a esfera jurídica de um ente, ao tirar proveito de um bem do qual é titular.



II.                  Evolução histórica da relação entre os Direitos subjetivos dos particulares e a Administração Pública

O nascimento traumático do Direito Administrativo, impôs uma realidade em que os Direitos subjetivos dos particulares face à Administração eram firmemente negados. Esta, apresentava-se como um poder estadual que submetia os indivíduos à imposição unilateral da sua vontade, não fazendo qualquer sentido e tornando-se até ousado considerar os seus direitos.

Atualmente, confrontados com um contemporâneo de Estado de Direito Democrático (Art. 2 CRP), a defesa desta ideia seria inconcebível, por isso mesmo, afirma-se resolutamente que o particular é titular de direitos face à administração, sendo esses direitos tutelados numa perspetiva constitucional, fundamentada na dignidade da pessoa humana.



III.                 Teorias atualistas da proteção dos Direitos subjetivos dos particulares face à Administração

Segundo a exposição do Dr. Vasco Pereira da Silva, podemos apontar três teorias relativamente à proteção dos direitos subjetivos por parte da Administração Pública, numa perspetiva atualista, designadamente: a conceção trinitária e a conceção unitária que se subdivide na teoria do direito reativo e na teoria da norma de proteção.

No que respeita a conceção trinitária, procede-se à distinção entre direitos subjetivos, interesses legítimos e interesses difusos. Os direitos subjetivos são aqueles que estão diretamente protegidos, ou seja, a lei indica expressamente que através da criação de determinados direitos subjetivos, procura defender os particulares. Os interesses legítimos são protegidos indiretamente e por isso têm uma importância menor relativamente aos primeiros. Nesta categoria de interesses, a lei procurava estabelecer um dever da administração, sendo que esse dever iria originar a proteção do particular, de forma indireta. O conceito de interesse difuso surge mais tarde, sendo que através da proteção de um bem de interesse público, se protegia de forma reflexa o direito de um particular.

A teoria do direito reativo aponta para a possibilidade de reagir contra agressões ilícitas por parte da Administração através do surgimento de um direito subjetivo na esfera do particular, no momento em que a lesão acontece.

Por fim, importa abordar, a teoria acolhida pelo Dr. Vasco Pereira da Silva, designadamente, a teoria da norma de proteção, considerando que os princípios presentes na CRP e no CPA, vinculam e condicionam o poder discricionário da Administração em proteção dos direitos subjetivos. De facto, não existem poderes totalmente discricionários, isto porque eles estão sempre vinculados aos princípios gerais da ordem jurídica e ainda ao aspeto da competência, sendo a própria lei que delimita qual é o órgão que deve atuar e em que medida o pode fazer. Presume-se que a norma que estabelece um dever à administração, atua na proteção do particular.



IV.                Princípios gerais da atividade administrativa 

Tanto o CPA como a CRP enunciam um vasto conjunto de princípios da atividade administrativa que pretendem assegurar a proteção dos direitos subjetivos, princípios esses que passarei a enunciar.

O poder da administração encontra-se limitado pelo princípio da legalidade, consagrado no Artigo 3º do CPA, afirmando este que a Administração apenas deve agir quando a lei expressamente o indica, sendo que deve ser cumprido o mandato do legislador, não tendo esta discricionariedade para negar uma atuação que lhe é devida ou agir num campo que não deve ser considerado seu.

Exposto no Artigo 4º do CPA, podemos ainda referir o princípio da persecução do interesse público, por parte da Administração, reforçando a lógica de que a atuação da Administração deve ser feita de modo a assegurar o interesse púbico, defendendo os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares. Contrariamente ao Dr. Diogo Freitas do Amaral, Vasco Pereira da Silva não adota a ideia de interesses legalmente protegidos, reconduzindo-os à categoria de Direitos Subjetivos.

As relações jurídicas entre a Administração Pública e os sujeitos do Direito são ainda baseadas no princípio da igualdade, consagrado no Artigo 6º do CPA. Com base nesta disposição legal, concluímos que, para a administração, os sujeitos devem ser tratados de forma igualitária, não havendo lugar a discriminações ou regalias com base em critérios ilegítimos. A meu ver, poderemos também inferir daqui a negação de uma posição de superioridade por parte da Administração Pública, perante os particulares. Na perspetiva do Dr. Vasco Pereira da Silva, estar numa posição de superioridade ou de subordinação, depende da natureza jurídica da situação em causa. Por um lado, o poder público tem a permissão de definir os parâmetros daquilo que pode ser considerado o interesse público, porém, no outro vértice da questão, é a própria dignidade da pessoa humana que determina a noção de interesse público.

O princípio da proporcionalidade encontra-se consagrado no Artigo 7º do CPA, defendendo um equilíbrio entre os meios utilizados e os fins a atingir. De facto, todas as decisões por parte da Administração Pública afetam os direitos dos particulares, sendo estritamente necessário definir limites até onde a sua discricionariedade poderá chegar. Deverá haver uma conciliação entre aquilo que é o interesse público e os direitos subjetivos de cada particular, motivo pelo qual é fundamental uma ponderação pelo interprete, de modo a averiguar se a causa que justifica a restrição a esse mesmo direito tem peso suficiente para tal.

Importa ainda referir o princípio da colaboração com os particulares, consagrado no artigo 11º do CPA, bem como no Artigo 268/1 da CRP, que vincula a administração a colaborar e informar os particulares de acordo com as suas necessidades.

Por fim, irei ainda fazer referência ao princípio da constitucionalidade, afirmando que todos os titulares de órgãos e agentes administrativos estão sujeitos às imposições da Constituição, devendo por isso proceder à desaplicação da lei quanto ela é contrária à mesma. Ora, o poder da administração poderá então ser minorado de modo a assegurar um direito que tem proteção constitucional.



V.                  Conclusão

Em suma, importa relevar a mutação ocorrida com o decorrer da história, marcada pela imposição das teorias negacionistas, no momento do nascimento do Direito Administrativo. Ao longo do tempo, os privados irão, de forma cada vez mais acentuada, ter direito à sua defesa perante a Administração, sendo, numa perspetiva contemporânea inteiramente recusada a ideia de que o particular está submetido à cruel vontade do poder público e, por isso mesmo, a Administração deverá respeitar os Direitos dos privados, tal como os princípios constitucionais que os garantem.



VI.               Bibliografia

Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina.

Paulo Otero, “Manual de Direito Administrativo”, Volume I, Almedina.

Vasco Pereira da Silva, “Em Busca do Ato Administrativo Perdido”.





Rafaela Lemos Carvalho nº28090

Universidades públicas: Administração indireta do Estado (administração estadual indireta) ou administração autónoma?

 

A doutrina administrativista portuguesa diverge quanto à classificação das universidades públicas, relativamente ao tipo de administração exercida por estas: administração estadual indireta ou administração autónoma?
Importa em primeiro lugar distinguir ambos os tipos de administração, ainda que sumariamente e de forma sucinta. A administração estadual indireta caracteriza-se pela prossecução dos fins do Estado por outras entidades que dele diferem e por ele (Estado) criadas, para esse mesmo efeito. É, segundo o Professor Diogo Freitas do Amaral, uma atividade administrativa do Estado realizada por entidades públicas com personalidade jurídica própria que prosseguem os fins do Estado, com autonomia administrativa e financeira, ou meramente administrativa.
Distintamente, a administração autónoma prossegue interesses públicos próprios (e não do Estado) das pessoas que a constituem, dirigindo-se a si própria (auto-administração) e definindo de forma independente a orientação da sua atividade, sem sujeição hierárquica ou superintendência do Governo. Segundo o artigo 199º, alínea d) da Constituição (CRP) releva ainda uma diferença entre os dois tipos de administração: a administração estadual indireta está sujeita, em princípio, à superintendência do Governo e à tutela do mesmo e a administração autónoma apenas está sujeita ao poder de tutela do Governo.
O Professor Diogo Freitas do Amaral traça fundamentalmente duas espécies de organismos que desenvolvem uma administração estadual indireta: os institutos públicos e as empresas públicas, sendo que para importam de momento apenas os institutos públicos, pois é neste tipo de organismo que irá inserir as universidades públicas. O mesmo Professor recorta então três espécies de institutos públicos: os serviços personalizados, as fundações públicas, e os estabelecimentos públicos, inserindo nesta última espécie de instituto público as universidades públicas. Este Professor define estabelecimentos públicos como "os institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que dela careçam" e dá como principal exemplo deste grupo as "Universidades públicas não convertidas em fundações públicas de direito privado".
O Professor Vital Moreira, por sua vez, reconhece que as universidades públicas gozam de autonomia ampla, tanto pedagógica como estatutária de quase total autogoverno e auto-administração, mas não as inclui na administração autónoma em resultado da lei não as qualificar como associações públicas.  Por outro lado, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa sustenta que apesar de as universidades públicas não se poderem qualificar como associações públicas, não deixam de integrar a administração autónoma. Por outro lado, o Professor João Caupers defende que as universidades públicas devem integrar também a administração autónoma e, por fim, o Professor Jorge Miranda entendia, em 1985, que as universidades públicas, sem terem natureza associativa, pelo menos por enquanto, poderiam ser consideradas figuras mistas.  
Depois de enunciadas as várias posições quanto a esta divergência doutrinária, importa analisar objetivamente como se poderá chegar a uma classificação plausível e lógica, ainda que não seja consensual ou unânime. Na minha opinião deve ter-se em primeira linha de conta aquilo que a lei nos diz acerca do assunto, pois é através desta que se poderá auferir o regime jurídico aplicável e a posição das universidades públicas nesta divergência doutrinária de acordo com o enquadramento legal que lhes é dada. Desta forma, e tal como exposto pelo Professor João Caupers, o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior aprovado pela Lei nº 62/2007 de 10 de Setembro dá-nos uma primeira e importante aproximação da resposta ao problema. O legislador considerou as universidades públicas como pessoas coletivas de direito público, admitindo que possam igualmente revestir a forma jurídica de fundações públicas com regime de direito privado (artigo 9.º, nº1). Com exceção das que optem por este estatuto jurídico (fundação pública com regime de direito privado), mandou aplicar às universidades públicas, a título subsidiário, as leis aplicáveis às demais pessoas coletivas de direito público de natureza administrativa, nomeadamente a LQIP (Lei-quadro dos institutos públicos), como consta do artigo 9.º, nº2.
Faz sentido afirmar e afigura-se compreensível concluir, que a lei, apesar de não qualificar as universidades públicas inequivocamente através da sua letra como institutos públicos, as quis integrar na administração indireta do Estado (as que se excetuarem do estatuto fundacional), adotando a tendência dominante do Ministério das Finanças, tal como demonstra o Professor João Caupers, que ainda assim integra as universidades públicas na administração autónoma, o que me parece uma contradição clara, tanto quanto aos argumentos do autor, como à sua posição e por fim, mas não menos importante, ao enquadramento da lei e ao seu elemento literal. Um outro argumento que ajuda à qualificação das universidades públicas como administração indireta do Estado deve-se ao Professor Diogo Freitas do Amaral, que atenta à impossibilidade de classificar as Universidades do Estado, num regime democrático e pluralista, que respeite a autonomia universitária, como direções-gerais (serviços personalizados). Por outro lado, não podem estas ser consideradas fundações públicas pois o seu principal objetivo não é gerir os seus bens, nem consistem basicamente num património. Elas têm carácter cultural, dispõem-se de forma organizada como serviços abertos ao público e destinam-se a prestações individuais, ou seja, ministrar o ensino aos estudantes.
Apesar da larga autonomia e do substrato institucional autónomo que possuem como estabelecimento público (são sujeito de direito como instituição distinta do Estado, ao qual a lei confere personalidade jurídica) estas não deixam de fazer parte da administração indireta do Estado. Os órgãos que a constituem são órgãos do instituto público, o seu pessoal é privativo do instituto público, as finanças são para-estaduais (o seu património é próprio) mas, no entanto, continuam vinculadas estatutariamente à prossecução dos interesses públicos do Estado.
Podemos assim reconduzir as universidades públicas à administração estadual indireta, ainda que estas possuam uma grande margem de manobra que se aproxima do conceito de auto-administração e de autogoverno apresentada pelo Professor Vital Moreira. Não se afigura pela lei razoável que estas possam ser integradas na administração autónoma, pois por omissão, lacuna, ou regime supletivo, se procede mais facilmente à sua integração na administração estadual indireta pela LQIP (lei-quadro dos institutos públicos) e consequentemente à figura proposta pelo professor Diogo Freitas do Amaral do estabelecimento público, espécie de instituto público, a par dos serviços personalizados e das fundações públicas.
Pela administração autónoma não se conseguirá reconduzir as universidades públicas às associações públicas, autarquias locais ou às regiões autónomas dos Açores e da Madeira, pelo que apesar da quase auto-administração destes estabelecimentos públicos não se considerar plausível integrá-la na administração autónoma, devido à prossecução geral dos fins do Estado por estas, e pela possibilidade de o legislador as sujeitar a simples poderes de tutela - em função das particularidades destas entidades pertencentes à administração indireta.
Apesar disto, e concluindo, não deixa de ser o Governo a realizar, com maior ou menor intensidade e proximidade, a superintendência e poder de tutela sobre estas, definindo e traçando os objetivos fundamentais a prosseguir (o ensino superior), contrariamente à administração autónoma que irá sempre prosseguir fins próprios, distintos do Estado, e administrar-se a si própria (auto-administração) com apenas o poder de tutela previsto constitucionalmente a limitá-la.
Bibliografia:

·      FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume I; 2015 (4ª edição), Almedina.
·      CAUPERS, JOÃO; Introdução ao Direito Administrativo 2013(11ªedição), Âncora Editora.
·      MIRANDA, Jorge; As associações públicas no direito português, Lisboa, 1985, p. 24
·      MOREIRA, Vital; Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, p. 368
·      REBELO DE SOUSA, Marcelo; Lições de Direito Administrativo, Lisboa, 1999, p. 307-311


Ricardo Silva; Nº de aluno – 28531; Turma B – TB 15