segunda-feira, 22 de maio de 2017

Responsabilidade pelo risco e a presunção de culpa no incumprimento de deveres de vigilância


Por influência do Direito francês o art.º 8º do DL 48/051 que originou o artigo 11º do RREEP (Regime da Responsabilidade do Estado e demais entidades públicas) estabelece que “o Estado e ... pessoas coletivas de direito público respondem pelos danos decorrentes de atividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência do lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização”. 

Consagra-se a responsabilidade objetiva da Administração (independente de culpa e da formulação de um juízo de censura sobre a conduta do agente, devido ao risco decorrente do perigo objetivo de atividades, coisas ou serviços). Esta responsabilidade objetiva decorre pela utilização ou funcionamento normal destas atividades, coisas ou serviços, sem imputação da violação de deveres de cuidado. Exemplificando, a utilização de armas em exercícios militares e operações policiais, transfusões sanguíneas em hospitais, demolição de imóveis e corte de árvores, depósitos de combustíveis e de produtos tóxicos , etc. 

Por outro lado, o RREEP consagra no nº3 do art.º 10º uma orientação da jurisprudência no sentido de se presumir uma existência de culpa, através da aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, quando haja um incumprimento de deveres de vigilância. É necessário portanto distinguir o âmbito de aplicação e delimitar o art.º 10º, nº3, face ao art.º 11, que consagra a responsabilidade objetiva através da responsabilidade pelo risco. Com efeito, existem atividades, coisas ou serviços passíveis de qualificação de perigosidade em relação às quais a Administração Pública deve ter um especial cuidado e um específico dever de vigilância. 

Delimitando o âmbito de aplicação de ambos os regimes deveria ser logicamente dada prioridade à aplicação do regime da responsabilidade objetiva (pelo risco) na medida em que esta responsabilidade (art.º 11º RREEP) parece prescindir do juízo acerca da culpa, sendo mais abrangente que o regime da responsabilidade por facto ilícito e culposo ao atribuir o direito à reparação através de um critério objetivo , sem dependência da presunção de culpa que pode ser ilidida mediante prova contrária. Seria de entender que a presunção de culpa in vigilando do art.º 10º, nº3 se aplicaria apenas nas situações em que não se preenchem os pressupostos do art.º 11º e portanto não abrangidas no mesmo, não se podendo nesses casos prescindir do pressuposto da culpa para a constituição da responsabilidade da entidade pública, como defende o Professor Carlos Fernandes Cadilha. No entanto, a jurisprudência tem vindo a aplicar por iniciativa própria e por importação do regime previsto no Código Civil um regime de presunção de culpa in vigilando, deixando de aplicar o regime da responsabilidade objetiva pelo risco a título prioritário, aplicando-o, portanto, subsidiariamente nos casos em que exista um domínio de sobreposição de ambos os regimes. 

Concluindo, tem vindo então a privilegiar-se e dar primazia ao regime da presunção de culpa, evidenciada essa mesma preferência da jusrisprudência na casuística que mencionada pela doutrina quanto aos casos de danos causados pela existência de obstáculos na via publica, ruptura de condutas de água ou gás, queda de arvores, etc.

Bibliografia:


  • ALMEIDA, Mário Aroso de, “Teoria geral do direito administrativo: o novo regime do Código do Procedimento Administrativo. – 3ª ed.", Edições Almedina, 2016
  • CADILHA, Carlos Fernandes, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas anotado, 2ª ed., Coimbra, 2011


Ricardo Silva, nº 28531, PB 15

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