Por influência do Direito francês o art.º 8º do DL
48/051 que originou o artigo 11º do RREEP (Regime da Responsabilidade do Estado
e demais entidades públicas) estabelece que “o Estado e ... pessoas coletivas
de direito público respondem pelos danos decorrentes de atividades, coisas ou
serviços administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos termos
gerais, se prove que houve força maior ou concorrência do lesado, podendo o
tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou
excluir a indemnização”.
Consagra-se a responsabilidade objetiva
da Administração (independente de culpa e da formulação de um juízo de censura
sobre a conduta do agente, devido ao risco decorrente do perigo objetivo de
atividades, coisas ou serviços). Esta responsabilidade objetiva decorre pela
utilização ou funcionamento normal destas atividades, coisas ou serviços, sem
imputação da violação de deveres de cuidado. Exemplificando, a utilização de
armas em exercícios militares e operações policiais, transfusões sanguíneas em
hospitais, demolição de imóveis e corte de árvores, depósitos de combustíveis e
de produtos tóxicos , etc.
Por outro lado, o RREEP consagra no nº3
do art.º 10º uma orientação da jurisprudência no sentido de se presumir uma
existência de culpa, através da aplicação dos princípios gerais da
responsabilidade civil, quando haja um incumprimento de deveres de vigilância. É
necessário portanto distinguir o âmbito de aplicação e delimitar o art.º 10º,
nº3, face ao art.º 11, que consagra a responsabilidade objetiva através da
responsabilidade pelo risco. Com efeito, existem atividades, coisas ou serviços
passíveis de qualificação de perigosidade em relação às quais a Administração
Pública deve ter um especial cuidado e um específico dever de vigilância.
Delimitando o âmbito de aplicação de
ambos os regimes deveria ser logicamente dada prioridade à aplicação do regime
da responsabilidade objetiva (pelo risco) na medida em que esta
responsabilidade (art.º 11º RREEP) parece prescindir do juízo acerca da culpa,
sendo mais abrangente que o regime da responsabilidade por facto ilícito e
culposo ao atribuir o direito à reparação através de um critério objetivo , sem
dependência da presunção de culpa que pode ser ilidida mediante prova
contrária. Seria de entender que a presunção de culpa in
vigilando do art.º 10º, nº3 se aplicaria apenas nas situações em que
não se preenchem os pressupostos do art.º 11º e portanto não abrangidas no
mesmo, não se podendo nesses casos prescindir do pressuposto da culpa para a
constituição da responsabilidade da entidade pública, como defende o Professor
Carlos Fernandes Cadilha. No entanto, a jurisprudência tem vindo a aplicar
por iniciativa própria e por importação do regime previsto no Código Civil um
regime de presunção de culpa in
vigilando, deixando de aplicar o regime da responsabilidade objetiva pelo
risco a título prioritário, aplicando-o, portanto, subsidiariamente nos casos
em que exista um domínio de sobreposição de ambos os regimes.
Concluindo, tem vindo então a
privilegiar-se e dar primazia ao regime da presunção de culpa, evidenciada
essa mesma preferência da jusrisprudência na casuística que mencionada pela
doutrina quanto aos casos de danos causados pela existência de obstáculos na
via publica, ruptura de condutas de água ou gás, queda de arvores, etc.
- ALMEIDA, Mário Aroso de, “Teoria geral do direito administrativo: o novo regime do Código do Procedimento Administrativo. – 3ª ed.", Edições Almedina, 2016
- CADILHA, Carlos Fernandes, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas anotado, 2ª ed., Coimbra, 2011
Ricardo Silva,
nº 28531, PB 15
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