segunda-feira, 22 de maio de 2017

Acordos Endoprocedimentais

              Com a aprovação do novo Código do Procedimento Administrativo a relação Administração-cidadão sofreu muitas alterações, entre as quais, surge a figura dos acordos endoprocedimentais que, agora se encontra expressamente consagrada no artigo 57º CPA. Todavia, antes da reforma do decreto-lei nº 4/2015, a prática de acordos endoprocedimentais já ocorria com a Administração e, estes, eram também defendidos pela doutrina portuguesa, nomeadamente, pela referência, ao artigo 179º do antigo CPA.
          Esta figura consubstancia-se na possibilidade de o particular em conjunto com a Administração chegarem a acordo para colocarem termo ao procedimento que os envolve, através de um acordo endoprocedimental. Actualmente, existe consenso na doutrina em considerar os acordos endoprocedimentais como verdadeiros contratos, de destacar as opiniões de Sérvulo Correia, Sandra Lopes e Alexandra Leitão.
              Porém, os acordos endoprocedimentais não são meros contratos, uma vez que, possuem um regime jurídico traçado nos artigos 1º/6 b) e 337º do Código de Contratos Públicos, sendo, portanto, classificados como contratos administrativos. Consequentemente, o seu regime de execução será o legislado na parte III do CCP, aplicável aos contratos administrativos. Quanto ao seu regime de formação será de se aplicar as disposições do artigo 57º do CPA e ainda os preceitos do artigo 5º/6 do CCP.
              A concretização desta figura só é possível porque à Administração, é concedida liberdade contratual, limitada pelo princípio da autonomia pública presente no artigo 278º do CCP, nos termos do qual: a) a Administração tem de se encontrar na prossecução das suas atribuições; b) a Administração tem de se encontrar a exercer a função administrativa e c) exige-se a inexistência de qualquer impedimento legal ou material.
              Os acordos endoprocedimentais, positivados no artigo 57º do CPA, apresentam quatro caraterísticas fundamentais:

i)                    finalidade
Os acordos endoprocedimentais podem ter duas finalidades, a primeira, é acordar termos do procedimento (nº1), designados por acordos endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimental e, a segunda, definir, total ou parcialmente, o conteúdo discricionário do ato administrativo que vier a colocar fim ao procedimento em questão (nº3), acordos endoprocedimentais de conteúdo substantivo.
Os acordos endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimental podem resolver questões controvertidas para as partes, contudo, não exercem qualquer influência direta no conteúdo do ato administrativo.
Os acordos endoprocedimentais de conteúdo substantivo resultam numa obrigação do órgão administrativo a emanar uma resolução correspondente ao conteúdo do acordo, que implica a abdicação do exercício de poder discricionário na configuração do ato administrativo

ii)                   forma
Para estas figuras o legislador requer a exigência de forma escrita do acordo, que faz todo o sentido, uma vez que a informalidade redundaria na possibilidade da qualificação dos mesmos como uma atuação informal de cooperação, desprovida de qualquer vínculo jurídico.

iii)                  vinculatividade
Em coerência com as razões enunciadas no ponto anterior o legislador decidiu estipular, expressamente no nº2 do artigo em análise, a vinculatividade dos acordos procedimentais de conteúdo estritamente procedimental.

iv)                  objeto
              Os acordos endoprocedimentais de carácter substantivo têm por objeto a determinação, no todo ou em parte, do conteúdo discricionário do ato administrativo que vier a colocar termo ao procedimento.
          Por sua vez, o objeto dos acordos endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimentais passa pela estipulação dos termos do procedimento, fixar a interpretação de normas, estipular a valoração probatória de certo documento, etc., ‘’pode, designadamente, consistir na organização de audiências orais para exercício do contraditório entre os interessados que pretendam uma certa desilusão e aqueles que se lhe oponham.’’ (artigo 57º/2 CPA).
Relativamente a este último preceito são de destacar, em primeiro lugar, a enunciação exemplificativa através do recurso ao advérbio de modo ‘’designadamente’’, que concede espaço de liberdade para a estipulação de objetos diferentes. Em segundo lugar, o acordo endoprocedimental de conteúdo estritamente procedimental pode ser um estádio precedente de um acordo endoprocedimental de conteúdo substantivo, porque na hipótese de o primeiro ter como objeto a celebração de uma conferência para o exercício do contraditório entre os vários interessados, pode acontecer que em resultado da mesma conferência se chegue a um consenso sobre qual a decisão a proferir no caso.

            De tudo o que já ficou dito, a observação da relação de dependência entre o ato administrativo final e o acordo endoprocedimental apresenta-se como evidente. Contudo, em certas ocasiões a Administração pode-se recusar a emanar o ato administrativo com o conteúdo devido, com fundamento por exemplo alteração das circunstâncias, alterações legislativas ou regulamentares que modifiquem os pressupostos do ato prometido, entre outros.
          Coloca-se, agora, a questão de como pode o particular reagir? O particular pode interpor a ação administrativa comum para o cumprimento do acordo, nos termos da alínea h) do nº2 do artigo 37º do Código Processo dos Tribunais Administrativos; ou recorre à ação administrativa especial de condenação à prática do ato legalmente devido, ao abrigo da alínea b) do nº2 do artigo 46º CPTA.
Em conclusão, com a consagração no artigo 57º do CPA passa a estar regulada juridicamente uma praxis da Administração Pública portuguesa, permitindo a verificação da execução do princípio do contraditório de modo mais efetivo, mais transparente e sem a nota de desigualdade entre a Administração e o administrado. Por outro lado, a previsão de que os acordos endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimental tem vinculatividade termina com a dúvida e insegurança jurídica que pairavam sobre a vinculatividade deste tipo de acordos, precisamente por se inserirem no campo da actuação informal da Administração. O objetivo da lei é, pois, diminuir a litigiosidade e alcançar decisões mais equilibradas, justas e consensuais.



André Esteves
nº28180

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