Com
a aprovação do novo Código do Procedimento Administrativo a relação
Administração-cidadão sofreu muitas alterações, entre as quais, surge a figura
dos acordos endoprocedimentais que, agora se encontra expressamente consagrada
no artigo 57º CPA. Todavia, antes da reforma do decreto-lei nº 4/2015, a
prática de acordos endoprocedimentais já ocorria com a Administração e, estes,
eram também defendidos pela doutrina portuguesa, nomeadamente, pela referência,
ao artigo 179º do antigo CPA.
Esta
figura consubstancia-se na possibilidade de o particular em conjunto com a
Administração chegarem a acordo para colocarem termo ao procedimento que os
envolve, através de um acordo endoprocedimental. Actualmente, existe consenso
na doutrina em considerar os acordos endoprocedimentais como verdadeiros
contratos, de destacar as opiniões de Sérvulo Correia, Sandra Lopes e Alexandra
Leitão.
Porém,
os acordos endoprocedimentais não são meros contratos, uma vez que, possuem um
regime jurídico traçado nos artigos 1º/6 b) e 337º do Código de Contratos
Públicos, sendo, portanto, classificados como contratos administrativos. Consequentemente,
o seu regime de execução será o legislado na parte III do CCP, aplicável aos
contratos administrativos. Quanto ao seu regime de formação será de se aplicar
as disposições do artigo 57º do CPA e ainda os preceitos do artigo 5º/6 do CCP.
A
concretização desta figura só é possível porque à Administração, é concedida
liberdade contratual, limitada pelo princípio da autonomia pública presente no
artigo 278º do CCP, nos termos do qual: a)
a Administração tem de se encontrar na prossecução das suas atribuições; b) a Administração tem de se encontrar a
exercer a função administrativa e c)
exige-se a inexistência de qualquer impedimento legal ou material.
Os
acordos endoprocedimentais, positivados no artigo 57º do CPA, apresentam quatro
caraterísticas fundamentais:
i)
finalidade
Os acordos
endoprocedimentais podem ter duas finalidades, a primeira, é acordar termos do
procedimento (nº1), designados por acordos endoprocedimentais de conteúdo
estritamente procedimental e, a segunda, definir, total ou parcialmente, o
conteúdo discricionário do ato administrativo que vier a colocar fim ao procedimento
em questão (nº3), acordos endoprocedimentais de conteúdo substantivo.
Os acordos
endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimental podem resolver
questões controvertidas para as partes, contudo, não exercem qualquer
influência direta no conteúdo do ato administrativo.
Os acordos
endoprocedimentais de conteúdo substantivo resultam numa obrigação do órgão
administrativo a emanar uma resolução correspondente ao conteúdo do acordo, que
implica a abdicação do exercício de poder discricionário na configuração do ato
administrativo
ii)
forma
Para estas
figuras o legislador requer a exigência de forma escrita do acordo, que faz
todo o sentido, uma vez que a informalidade redundaria na possibilidade da
qualificação dos mesmos como uma atuação informal de cooperação, desprovida de
qualquer vínculo jurídico.
iii)
vinculatividade
Em coerência
com as razões enunciadas no ponto anterior o legislador decidiu estipular,
expressamente no nº2 do artigo em análise, a vinculatividade dos acordos
procedimentais de conteúdo estritamente procedimental.
iv)
objeto
Os
acordos endoprocedimentais de carácter substantivo têm por objeto a
determinação, no todo ou em parte, do conteúdo discricionário do ato
administrativo que vier a colocar termo ao procedimento.
Por
sua vez, o objeto dos acordos endoprocedimentais de conteúdo estritamente
procedimentais passa pela estipulação dos termos do procedimento, fixar a
interpretação de normas, estipular a valoração probatória de certo documento,
etc., ‘’pode, designadamente, consistir
na organização de audiências orais para exercício do contraditório entre os
interessados que pretendam uma certa desilusão e aqueles que se lhe oponham.’’
(artigo 57º/2 CPA).
Relativamente
a este último preceito são de destacar, em primeiro lugar, a enunciação
exemplificativa através do recurso ao advérbio de modo ‘’designadamente’’, que concede
espaço de liberdade para a estipulação de objetos diferentes. Em segundo lugar,
o acordo endoprocedimental de conteúdo estritamente procedimental pode ser um
estádio precedente de um acordo endoprocedimental de conteúdo substantivo,
porque na hipótese de o primeiro ter como objeto a celebração de uma
conferência para o exercício do contraditório entre os vários interessados,
pode acontecer que em resultado da mesma conferência se chegue a um consenso
sobre qual a decisão a proferir no caso.
De
tudo o que já ficou dito, a observação da relação de dependência entre o ato
administrativo final e o acordo endoprocedimental apresenta-se como evidente.
Contudo, em certas ocasiões a Administração pode-se recusar a emanar o ato
administrativo com o conteúdo devido, com fundamento por exemplo alteração das
circunstâncias, alterações legislativas ou regulamentares que modifiquem os
pressupostos do ato prometido, entre outros.
Coloca-se,
agora, a questão de como pode o particular reagir? O particular pode interpor a
ação administrativa comum para o cumprimento do acordo, nos termos da alínea h)
do nº2 do artigo 37º do Código Processo dos Tribunais Administrativos; ou
recorre à ação administrativa especial de condenação à prática do ato
legalmente devido, ao abrigo da alínea b) do nº2 do artigo 46º CPTA.
Em conclusão,
com a consagração no artigo 57º do CPA passa a estar regulada juridicamente uma
praxis da Administração Pública
portuguesa, permitindo a verificação da execução do princípio do contraditório
de modo mais efetivo, mais transparente e sem a nota de desigualdade entre a Administração
e o administrado. Por outro lado, a previsão de que os acordos
endoprocedimentais de conteúdo estritamente procedimental tem vinculatividade
termina com a dúvida e insegurança jurídica que pairavam sobre a
vinculatividade deste tipo de acordos, precisamente por se inserirem no campo da
actuação informal da Administração. O objetivo da lei é, pois, diminuir a
litigiosidade e alcançar decisões mais equilibradas, justas e consensuais.
André Esteves
nº28180
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