As garantias administrativas são
colocadas à disposição do particular como instrumento conferido pelo legislador
para a defesa dos direitos dos cidadãos, da Constituição, das leis ou do
interesse geral. Existem dois tipos de garantias em Direito Administrativo: as garantias
de petição (direito de petição, direito de representação, direito de
reclamação, direito de queixa, direito de queixa ao Provedor de Justiça e, por
fim, o direito de oposição administrativa) e as garantias de impugnação. Irei
debruçar-me sobre a impugnação administrativa como garante do particular, e em
geral de impugnação contenciosa uma vez que é objeto da disciplina de
contencioso administrativo.
GARANTIAS DE IMPUGNAÇÃO
A impugnabilidade parte do ponto
de vista do cidadão e consiste no facto de este poder lançar mão de uma via de
recurso (meio de impugnação) contra ato administrativo que no seu entender é
ilegal (impugnação administrativa ou contenciosa). A impugnação visa geralmente
a anulação, mas não se confunde com ela. A impugnação só atinte este objetivo
quando a Administração ou o tribunal concluam no processo de impugnação que o
ato administrativo é realmente ilegal.
IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA
As garantias de impugnação
consubstanciam-se em geral, na impugnação do ato administrativo. A impugnação
administrativa do ato é uma garantia que assiste ao particular de se insurgir
junto da Administração Pública contra as suas ações ou omissões que o lesam. Trata-se,
pois, de uma via de impugnação diferente e que geralmente antecede e/ou
complementa a via de impugnação contenciosa.
A via de
impugnação administrativa é extremamente importante do ponto de vista das
garantias do particular, porque apresenta características próprias face à via de
impugnação contenciosa, destacando-se a maior celeridade e a gratuitidade ou
baixo custo. Mas a via de impugnação administrativa é extremamente importante
do ponto de vista do interesse publico, desde logo porque contribui para a melhoria
da qualidade da ação administrativa, para o aumento da eficiência da
Administração e para uma melhor observância da lei e do direito por parte da
Administração pública.
Porque a via de
impugnação administrativa não garante, só por si, uma suficiente proteção dos
particulares, nem sequer a legalidade e a eficiência da Administração, esta via
tem de ser complementada com outros mecanismos de garantia, destacando-se, na perspetiva
da proteção do particular, a via contenciosa.
As principais
modalidades de impugnação administrativa são: a reclamação, o recurso hierárquico
e o recurso tutelar.
A impugnação
administrativa é dirigida aos autores dos atos, seus superiores hierárquicos ou
entidades tutelares.
A impugnação
administrativa, que abrange geralmente o controlo da legalidade e do mérito do
ato administrativo, tem lugar, em rega, em duas fases (art.172º e 174º do CPA).
Numa primeira fase, a autoridade que
praticou o ato poe, em certos casos (172º/2) proceder ao seu reexame e, caso
considere que o recorrente tem razão, deve anular ou modificar o ato. Caso
considere que a impugnação administrativa não tem fundamento, deverá encaminhar
a petição do particular para o seu superior hierárquico.
Numa segunda fase, o superior hierárquico
examina o ato administrativo e, considerando legítima a pretensão do
particular, pode confirmar ou revogar o ato recorrido. Porém, se a competência para
a prática do ato recorrido não for exclusiva, a autoridade que conhece do
recurso pode modifica-lo ou substituí-lo.
O recurso
administrativo a duas fases constitui o caso regra. Em certos casos há
imediatamente lugar ao recurso contencioso e, noutros casos, pode também
acontecer que haja apenas um procedimento de impugnação administrativa numa única
etapa, já que a entidade que praticou o ato é a única entidade competente para
decidir sobre eventuais recursos que venham a ter lugar sobre os seus atos.
Quando não caiba
recurso contencioso, a impugnação administrativa tem efeito suspensivo, isto é,
o ato administrativo não produz provisoriamente efeitos e, assim, também não pode
ser executado. A natureza jurídica do efeito suspensivo, prevista nos artigos
163º e 170º do CPA, é controversa. Segundo uma parte da doutrina, suspende-se a
eficácia do ato administrativo; para outros autores, o efeito suspensivo não suspende
a eficácia do ato administrativo, mas apenas a sua executoriedade.
RECLAMAÇÃO
consiste na impugnação administrativa perante o próprio autor do ato; o recurso
hierárquico consiste na impugnação administrativa perante o superior hierárquico
do autor do ato (recursos hierárquico próprio) ou perante autoridades que, não sendo
superiores hierárquicos do autor do ato, são órgão da mesma pessoa coletiva que
dispõe de poderes de supervisão sobre o autor do ato impugnado (recurso hierárquico
impróprio), o recurso tutelar consiste na impugnação do ato junto da entidade
que exerce poderes de tutela sobre a entidade cujo órgão praticou o ato.
A reclamação deve
ser dirigida ao autor do ato e deve ser apresentada no prazo de 15 dias
(art.162º do CPA). A autoridade administrativa tem então 30 dias para se
pronunciar.
RECURSO HIERÁRQUICO, o recorrente impugna administrativamente, junto do superior hierárquico,
um ato administrativo praticado por um órgão subalterno (art.166º, nº2 do CPA).
O recurso hierárquico pode assentar em fundamento de legalidade ou de mérito. No
recurso hierárquico estão em causa três intervenientes: o autor do ato
(recorrido ou órgão a quo), o recorrente e o superior hierárquico (órgão ad
quem).
O recurso hierárquico
é necessário quando é indispensável para a obtenção de um ato verticalmente
definitivo, do qual se possa recorrer para os tribunais administrativos.
O recurso hierárquico
é facultativo quando o ato recorrido já é verticalmente definitivo, pelo que
dele já se pode recorrer contenciosamente. Neste caso, o recurso hierárquico constitui
apenas uma tentativa de o recorrente atingir os seus objetivos de forma mais
célere e mais económica que a via contenciosa.
Como regra
geral, os atos administrativos dos subalternos não são verticalmente definitivos,
pelo que deles cabe recurso hierárquico necessário, antes de um eventual
recurso contencioso. Porém, esta regra tem exceções, sendo que dos atos dos
subalternos praticados no exercício de competência exclusiva nunca cabe recurso
hierárquico necessário.
O recurso hierárquico
deve ser interposto no prazo de trinta dias (art.168º, nº1 do CPA).
O recurso hierárquico
facultativo não está dependente de um prazo de interposição. No entanto, se o
recorrente quiser salvaguardar a possibilidade de posterior recurso
contencioso, deverá interpor o recurso hierárquico o mais rapidamente possível
de modo a tentar obter uma decisão antes de expirado o prazo de interposição do
recurso contencioso (art.168º, nº2 do CPA).
RECURSO TUTELAR,
a segunda das modalidades de recurso administrativo, é o recurso pelo qual o
interessado impugna o ato perante um órgão de outra pessoa coletiva publica que
exerce poderes de tutela ou de superintendência (art.177º, nº1 do CPA) sobre a
pessoa coletiva a que pertence o autor do ato. Por exemplo, os Ministros
exercem poderes de tutela sobre diversas entidades administrativas, como os
entes da Administração estadual indireta ou mesmo as autarquias locais e sobre
a Administração autónoma.
O recurso tutelar
pode assentar em fundamentos de ilegalidade ou de mérito do ato administrativo
impugnado (art.159º e 167º, nº2 do CPA). O recurso tutelar tem geralmente
carácter facultativo (art.177º, nº2 do CPA), mas também há recursos tutelares
necessários. O recurso tutelar só pode ser interposto quando a lei expressamente
o preveja (art.177º, nº2 do CPA), pelo que tem caracter excecional. A extensão
e conteúdo dos poderes de tutela resultam da lei. Ao recurso tutelar aplicam-se
subsidiariamente as regras relativas ao recurso hierárquico (art.177, nº5 do
CPA).
IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA
Em sentido amplo, a justiça
administrativa consiste num sistema de mecanismos e processos orientados à
resolução de conflitos que surgem das relações jurídico-administrativas. Neste sentido,
determina a Constituição que compete à justiça administrativa o «julgamento de
todas as ações e recursos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes
das relações jurídicas administrativas» (art.212º, nº3, da CRP). Ora, as
relações jurídicas administrativas das quais podem surgir litígios necessitados
de resolução surgem sobretudo entre a Administração e os particulares, mas
também entre entes, órgãos e agentes da Administração e mesmo entre
particulares.
Entendida desta maneira, a
justiça administrativa apresenta-se como um conjunto de mecanismos e processos
de defesa dos cidadãos, contra a ação ilícita da Administração, quando esta
ofenda os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Neste sentido, a
Constituição garante, no seu art. 268º, nºs 4 e 5, aos cidadãos o acesso à
justiça administrativa para defesa dos sues direitos e interesses legalmente
protegidos. A justiça administrativa apresenta-se como um meio indispensável à
garantia de justiça efetiva prevista também no CPTA (art.2º do CPTA).
Porém, a justiça administrativa
não serve hoje apenas à garantia dos particulares. Também entre órgãos e entes
da Administração podem surgir conflitos e, neste caso, também poderá ser
chamada a desempenhar um papel importantíssimo. Na verdade, a «máquina
administrativa» é tão ampla e complexa que será inevitável que surjam conflitos
no seu seio a necessitar de resolução.
Do ponto de vista
orgânico-processual, a justiça administrativa tem a sua ação restringida a questões
de direito administrativo conferidas por lei aos tribunais administrativos,
seguindo o respetivo processo especial, nos termos do CPTA. Na verdade, nos
termos da CRP, «compete aos tribunais administrativos o julgamento das ações e
recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das
relações jurídicas administrativas (art.212º, nº3). Nestes casos, só os
tribunais administrativos poderão julgar.
Face à Constituição, resultam as
seguintes ideias fundamentais:
- Os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais
- Os tribunais administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa
- Os tribunais administrativos constituem uma verdadeira jurisdição plena, especializada e global, para os litígios que surjam de relações jurídico-administrativas.
A REFORMA DO CPTA
O fundamento do impulso
legislativo para a reforma do contencioso administrativo e, em particular, dos
aspetos que concernem à organização judiciária e à tramitação processual é
realmente o principio da tutela jurisdicional efetiva.
Neste sentido, afirma o artigo 2º
do CPTA: “1 - O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito
de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão
judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente
deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as
providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a
assegurar o efeito útil da decisão. 2 - A todo o direito ou interesse
legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais
administrativos, designadamente para o efeito de obter (…)”.
Esta disposição tutela o valor
jurídico-constitucional da plenitude e da efetividade do acesso à Justiça, dele
resultando a garantia normativa da existência de meios de tutela declarativa
principal, cautelar e executiva, bem como, da prevalência das decisões de
mérito sobre as decisões formais e da emissão de decisões jurisdicionais em
prazo razoável. Consequentemente, o CPTA anuncia logo no art.2º uma completa
alteração do modelo contencioso administrativo antes existente.
Este conteúdo normativo tem a
relevância jurídica própria de um principio fundamental: fixa e orna metas,
fins ou standards radicados nas exigências de “Justiça” e desempenha um papel
estruturante, teleológico ou axiológico, dentro do sistema jurídico do CPTA”.
Consequentemente, os fins ou
valores apontados pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva constituem o
princípio do desenvolvimento do sistema de regras instituído pelo CPTA. A
eficácia irradiante deste princípio implica, designadamente, que os valores
jurídicos por si veiculados presidam à interpretação e aplicação das novas
regras processuais, bem como à tarefa de integração de lacunas. Impõe-se,
concretamente, que na busca de soluções práticas de aplicação do regime se
encontrem, na maior medida possível e dentro das possibilidades jurídicas e
reais existentes, soluções adequadas aos valores da plenitude do acesso à
Justiça e da efetividade da tutela jurisdicional dos direitos ou interesses
legalmente protegidos dos cidadãos perante a Administração Pública, princípios
que funcionam, assim, como “mandados de otimização”.
Neste sentido, o princípio da
tutela jurisdicional efetiva, numa perspetiva de plenitude da garantia de
acesso aso tribunais e da efetividade da tutela jurisdicional, funciona como a
“pedra angular” de todo o processo administrativo instituído pelo CPTA,
constituindo, em particular, uma trave mestra do processo executivo regulado
nos artigos 157º a 179º daquele diploma.
CONCLUSÃO
O princípio da proteção
jurisdicional efetiva decorre diretamente do princípio do Estado de Direito e
está expressamente previsto na Constituição e no CPTA (art.2º). o Estado de
direito, dominado pela lei e pelo direito, assegura uma proteção jurisdicional
efetiva. Isto significa que o direito existe não para ficar na lei, mas para
ser efetivamente aplicado aos cidadãos, pelo que estes deverão senti-lo na sua
realidade quotidiana. Se à Administração compete interpretar e aplicar a lei,
aos tribunais compete velar pela correta interpretação e aplicação da lei e do
direito. Trata-se, pois, de atividades complementares e indispensáveis à
realização (no sentido de tronar realidade efetiva) do Estado de direito. Daqui
resulta, antes de mais, que os tribunais não podem furtar-se ao controlo
jurisdicional e que esse controlo deve ser ao profundo quanto possível. A
Administração tem o poder e o dever de realizar quotidianamente o interesse
público, devendo fazê-lo no respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos,
nos termos reconhecidos na lei; os tribunais administrativos têm a missão de
fiscalizar, a posteriori, e geralmente após a iniciativa do particular (salvo
no caso da iniciativa do Ministério Público), a contenção da Administração nos
limites da lei e do direito.
A todo o direito ou interesse
legalmente protegido do cidadão corresponde a proteção efetiva dos tribunais
administrativos, após a iniciativa do particular.
Aplicado concretamente ao
processo administrativo, o princípio da proteção jurisdicional efetiva
compreende «o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que
aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em
juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providencias
cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito
útil da decisão» (art.2º, nº1, do CPTA).
Por outro lado, o principio da
proteção jurisdicional efetiva assegura ao cidadão diversos direitos, tais como
o de ver reconhecidas «situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes
de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos ao abrigo de
disposições de direito administrativo», o de ver reconhecida «a titularidade de
qualidades ou do preenchimento de condições», o de ver reconhecido o direito à
abstenção de comportamentos e, em especial, à abstenção da emissão de atos
administrativos, quando exista a ameaça de uma lesão futura» (al. a), b) e c)
do art.2º, nº2 do CPTA).
BIBLIOGRAFIA
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Tutela Executiva dos Particulares no CPTA, Coleção Monografias nº1, 2013.
Edições Almedina
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso
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SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE,
Direito Administrativo, Prefácio, Lisboa: 2009
VASCO PEREIRA DA SILVA, Todo o
contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição, Cadernos de Justiça
Administrativa, nº34
Raquel Lourenço, 28 132
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