segunda-feira, 22 de maio de 2017

A impugnação administrativa como meio de tutela executiva dos particulares no Novo CPA

As garantias administrativas são colocadas à disposição do particular como instrumento conferido pelo legislador para a defesa dos direitos dos cidadãos, da Constituição, das leis ou do interesse geral. Existem dois tipos de garantias em Direito Administrativo: as garantias de petição (direito de petição, direito de representação, direito de reclamação, direito de queixa, direito de queixa ao Provedor de Justiça e, por fim, o direito de oposição administrativa) e as garantias de impugnação. Irei debruçar-me sobre a impugnação administrativa como garante do particular, e em geral de impugnação contenciosa uma vez que é objeto da disciplina de contencioso administrativo.

GARANTIAS DE IMPUGNAÇÃO
A impugnabilidade parte do ponto de vista do cidadão e consiste no facto de este poder lançar mão de uma via de recurso (meio de impugnação) contra ato administrativo que no seu entender é ilegal (impugnação administrativa ou contenciosa). A impugnação visa geralmente a anulação, mas não se confunde com ela. A impugnação só atinte este objetivo quando a Administração ou o tribunal concluam no processo de impugnação que o ato administrativo é realmente ilegal.

IMPUGNAÇÃO ADMINISTRATIVA
As garantias de impugnação consubstanciam-se em geral, na impugnação do ato administrativo. A impugnação administrativa do ato é uma garantia que assiste ao particular de se insurgir junto da Administração Pública contra as suas ações ou omissões que o lesam. Trata-se, pois, de uma via de impugnação diferente e que geralmente antecede e/ou complementa a via de impugnação contenciosa.
A via de impugnação administrativa é extremamente importante do ponto de vista das garantias do particular, porque apresenta características próprias face à via de impugnação contenciosa, destacando-se a maior celeridade e a gratuitidade ou baixo custo. Mas a via de impugnação administrativa é extremamente importante do ponto de vista do interesse publico, desde logo porque contribui para a melhoria da qualidade da ação administrativa, para o aumento da eficiência da Administração e para uma melhor observância da lei e do direito por parte da Administração pública.

Porque a via de impugnação administrativa não garante, só por si, uma suficiente proteção dos particulares, nem sequer a legalidade e a eficiência da Administração, esta via tem de ser complementada com outros mecanismos de garantia, destacando-se, na perspetiva da proteção do particular, a via contenciosa.

As principais modalidades de impugnação administrativa são: a reclamação, o recurso hierárquico e o recurso tutelar.
A impugnação administrativa é dirigida aos autores dos atos, seus superiores hierárquicos ou entidades tutelares.
A impugnação administrativa, que abrange geralmente o controlo da legalidade e do mérito do ato administrativo, tem lugar, em rega, em duas fases (art.172º e 174º do CPA).

Numa primeira fase, a autoridade que praticou o ato poe, em certos casos (172º/2) proceder ao seu reexame e, caso considere que o recorrente tem razão, deve anular ou modificar o ato. Caso considere que a impugnação administrativa não tem fundamento, deverá encaminhar a petição do particular para o seu superior hierárquico.
Numa segunda fase, o superior hierárquico examina o ato administrativo e, considerando legítima a pretensão do particular, pode confirmar ou revogar o ato recorrido. Porém, se a competência para a prática do ato recorrido não for exclusiva, a autoridade que conhece do recurso pode modifica-lo ou substituí-lo.

O recurso administrativo a duas fases constitui o caso regra. Em certos casos há imediatamente lugar ao recurso contencioso e, noutros casos, pode também acontecer que haja apenas um procedimento de impugnação administrativa numa única etapa, já que a entidade que praticou o ato é a única entidade competente para decidir sobre eventuais recursos que venham a ter lugar sobre os seus atos.

Quando não caiba recurso contencioso, a impugnação administrativa tem efeito suspensivo, isto é, o ato administrativo não produz provisoriamente efeitos e, assim, também não pode ser executado. A natureza jurídica do efeito suspensivo, prevista nos artigos 163º e 170º do CPA, é controversa. Segundo uma parte da doutrina, suspende-se a eficácia do ato administrativo; para outros autores, o efeito suspensivo não suspende a eficácia do ato administrativo, mas apenas a sua executoriedade.

RECLAMAÇÃO consiste na impugnação administrativa perante o próprio autor do ato; o recurso hierárquico consiste na impugnação administrativa perante o superior hierárquico do autor do ato (recursos hierárquico próprio) ou perante autoridades que, não sendo superiores hierárquicos do autor do ato, são órgão da mesma pessoa coletiva que dispõe de poderes de supervisão sobre o autor do ato impugnado (recurso hierárquico impróprio), o recurso tutelar consiste na impugnação do ato junto da entidade que exerce poderes de tutela sobre a entidade cujo órgão praticou o ato.
A reclamação deve ser dirigida ao autor do ato e deve ser apresentada no prazo de 15 dias (art.162º do CPA). A autoridade administrativa tem então 30 dias para se pronunciar.

RECURSO HIERÁRQUICO, o recorrente impugna administrativamente, junto do superior hierárquico, um ato administrativo praticado por um órgão subalterno (art.166º, nº2 do CPA). O recurso hierárquico pode assentar em fundamento de legalidade ou de mérito. No recurso hierárquico estão em causa três intervenientes: o autor do ato (recorrido ou órgão a quo), o recorrente e o superior hierárquico (órgão ad quem).
O recurso hierárquico é necessário quando é indispensável para a obtenção de um ato verticalmente definitivo, do qual se possa recorrer para os tribunais administrativos.
O recurso hierárquico é facultativo quando o ato recorrido já é verticalmente definitivo, pelo que dele já se pode recorrer contenciosamente. Neste caso, o recurso hierárquico constitui apenas uma tentativa de o recorrente atingir os seus objetivos de forma mais célere e mais económica que a via contenciosa.
Como regra geral, os atos administrativos dos subalternos não são verticalmente definitivos, pelo que deles cabe recurso hierárquico necessário, antes de um eventual recurso contencioso. Porém, esta regra tem exceções, sendo que dos atos dos subalternos praticados no exercício de competência exclusiva nunca cabe recurso hierárquico necessário.
O recurso hierárquico deve ser interposto no prazo de trinta dias (art.168º, nº1 do CPA).
O recurso hierárquico facultativo não está dependente de um prazo de interposição. No entanto, se o recorrente quiser salvaguardar a possibilidade de posterior recurso contencioso, deverá interpor o recurso hierárquico o mais rapidamente possível de modo a tentar obter uma decisão antes de expirado o prazo de interposição do recurso contencioso (art.168º, nº2 do CPA).

RECURSO TUTELAR, a segunda das modalidades de recurso administrativo, é o recurso pelo qual o interessado impugna o ato perante um órgão de outra pessoa coletiva publica que exerce poderes de tutela ou de superintendência (art.177º, nº1 do CPA) sobre a pessoa coletiva a que pertence o autor do ato. Por exemplo, os Ministros exercem poderes de tutela sobre diversas entidades administrativas, como os entes da Administração estadual indireta ou mesmo as autarquias locais e sobre a Administração autónoma.
O recurso tutelar pode assentar em fundamentos de ilegalidade ou de mérito do ato administrativo impugnado (art.159º e 167º, nº2 do CPA). O recurso tutelar tem geralmente carácter facultativo (art.177º, nº2 do CPA), mas também há recursos tutelares necessários. O recurso tutelar só pode ser interposto quando a lei expressamente o preveja (art.177º, nº2 do CPA), pelo que tem caracter excecional. A extensão e conteúdo dos poderes de tutela resultam da lei. Ao recurso tutelar aplicam-se subsidiariamente as regras relativas ao recurso hierárquico (art.177, nº5 do CPA).
               
IMPUGNAÇÃO CONTENCIOSA
Em sentido amplo, a justiça administrativa consiste num sistema de mecanismos e processos orientados à resolução de conflitos que surgem das relações jurídico-administrativas. Neste sentido, determina a Constituição que compete à justiça administrativa o «julgamento de todas as ações e recursos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas» (art.212º, nº3, da CRP). Ora, as relações jurídicas administrativas das quais podem surgir litígios necessitados de resolução surgem sobretudo entre a Administração e os particulares, mas também entre entes, órgãos e agentes da Administração e mesmo entre particulares.
Entendida desta maneira, a justiça administrativa apresenta-se como um conjunto de mecanismos e processos de defesa dos cidadãos, contra a ação ilícita da Administração, quando esta ofenda os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. Neste sentido, a Constituição garante, no seu art. 268º, nºs 4 e 5, aos cidadãos o acesso à justiça administrativa para defesa dos sues direitos e interesses legalmente protegidos. A justiça administrativa apresenta-se como um meio indispensável à garantia de justiça efetiva prevista também no CPTA (art.2º do CPTA).
Porém, a justiça administrativa não serve hoje apenas à garantia dos particulares. Também entre órgãos e entes da Administração podem surgir conflitos e, neste caso, também poderá ser chamada a desempenhar um papel importantíssimo. Na verdade, a «máquina administrativa» é tão ampla e complexa que será inevitável que surjam conflitos no seu seio a necessitar de resolução.
Do ponto de vista orgânico-processual, a justiça administrativa tem a sua ação restringida a questões de direito administrativo conferidas por lei aos tribunais administrativos, seguindo o respetivo processo especial, nos termos do CPTA. Na verdade, nos termos da CRP, «compete aos tribunais administrativos o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (art.212º, nº3). Nestes casos, só os tribunais administrativos poderão julgar.
Face à Constituição, resultam as seguintes ideias fundamentais:

  1. Os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais
  2. Os tribunais administrativos são os tribunais comuns em matéria administrativa
  3. Os tribunais administrativos constituem uma verdadeira jurisdição plena, especializada e global, para os litígios que surjam de relações jurídico-administrativas.

A REFORMA DO CPTA
O fundamento do impulso legislativo para a reforma do contencioso administrativo e, em particular, dos aspetos que concernem à organização judiciária e à tramitação processual é realmente o principio da tutela jurisdicional efetiva.
Neste sentido, afirma o artigo 2º do CPTA: “1 - O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão. 2 - A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter (…)”.
Esta disposição tutela o valor jurídico-constitucional da plenitude e da efetividade do acesso à Justiça, dele resultando a garantia normativa da existência de meios de tutela declarativa principal, cautelar e executiva, bem como, da prevalência das decisões de mérito sobre as decisões formais e da emissão de decisões jurisdicionais em prazo razoável. Consequentemente, o CPTA anuncia logo no art.2º uma completa alteração do modelo contencioso administrativo antes existente.
Este conteúdo normativo tem a relevância jurídica própria de um principio fundamental: fixa e orna metas, fins ou standards radicados nas exigências de “Justiça” e desempenha um papel estruturante, teleológico ou axiológico, dentro do sistema jurídico do CPTA”.
Consequentemente, os fins ou valores apontados pelo princípio da tutela jurisdicional efetiva constituem o princípio do desenvolvimento do sistema de regras instituído pelo CPTA. A eficácia irradiante deste princípio implica, designadamente, que os valores jurídicos por si veiculados presidam à interpretação e aplicação das novas regras processuais, bem como à tarefa de integração de lacunas. Impõe-se, concretamente, que na busca de soluções práticas de aplicação do regime se encontrem, na maior medida possível e dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes, soluções adequadas aos valores da plenitude do acesso à Justiça e da efetividade da tutela jurisdicional dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos perante a Administração Pública, princípios que funcionam, assim, como “mandados de otimização”.
Neste sentido, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, numa perspetiva de plenitude da garantia de acesso aso tribunais e da efetividade da tutela jurisdicional, funciona como a “pedra angular” de todo o processo administrativo instituído pelo CPTA, constituindo, em particular, uma trave mestra do processo executivo regulado nos artigos 157º a 179º daquele diploma.

CONCLUSÃO
O princípio da proteção jurisdicional efetiva decorre diretamente do princípio do Estado de Direito e está expressamente previsto na Constituição e no CPTA (art.2º). o Estado de direito, dominado pela lei e pelo direito, assegura uma proteção jurisdicional efetiva. Isto significa que o direito existe não para ficar na lei, mas para ser efetivamente aplicado aos cidadãos, pelo que estes deverão senti-lo na sua realidade quotidiana. Se à Administração compete interpretar e aplicar a lei, aos tribunais compete velar pela correta interpretação e aplicação da lei e do direito. Trata-se, pois, de atividades complementares e indispensáveis à realização (no sentido de tronar realidade efetiva) do Estado de direito. Daqui resulta, antes de mais, que os tribunais não podem furtar-se ao controlo jurisdicional e que esse controlo deve ser ao profundo quanto possível. A Administração tem o poder e o dever de realizar quotidianamente o interesse público, devendo fazê-lo no respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos, nos termos reconhecidos na lei; os tribunais administrativos têm a missão de fiscalizar, a posteriori, e geralmente após a iniciativa do particular (salvo no caso da iniciativa do Ministério Público), a contenção da Administração nos limites da lei e do direito.
A todo o direito ou interesse legalmente protegido do cidadão corresponde a proteção efetiva dos tribunais administrativos, após a iniciativa do particular.
Aplicado concretamente ao processo administrativo, o princípio da proteção jurisdicional efetiva compreende «o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providencias cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão» (art.2º, nº1, do CPTA).
Por outro lado, o principio da proteção jurisdicional efetiva assegura ao cidadão diversos direitos, tais como o de ver reconhecidas «situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos ao abrigo de disposições de direito administrativo», o de ver reconhecida «a titularidade de qualidades ou do preenchimento de condições», o de ver reconhecido o direito à abstenção de comportamentos e, em especial, à abstenção da emissão de atos administrativos, quando exista a ameaça de uma lesão futura» (al. a), b) e c) do art.2º, nº2 do CPTA).

BIBLIOGRAFIA
CORREIA, CECÍLIA ANACORETA, A Tutela Executiva dos Particulares no CPTA, Coleção Monografias nº1, 2013. Edições Almedina
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2016;
SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Direito Administrativo, Prefácio, Lisboa: 2009
VASCO PEREIRA DA SILVA, Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição, Cadernos de Justiça Administrativa, nº34


Raquel Lourenço, 28 132

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