Como
é comum dizer-se, a pessoa coletiva, seja de Direito Público ou Privado, não
tem, naturalmente (como a pessoa física), vontade ou agir próprio, estando
antes dependente dos seus órgãos para construir essa vontade e agir de acordo
com a mesma. Questão diferente e quanto à qual não houve, durante muito tempo,
resposta unânime, é a de saber o que é um órgão.
O
Professor Marcello Caetano, numa nota de rodapé do seu manual de Direito
Administrativo, resumia o debate doutrinal de então (deixando transparecer,
claramente, a sua posição) do seguinte modo: “A grande oposição é entre os que consideram o órgão um centro objetivo
de poderes, uma instituição, e os que o confundem com os respectivos titulares.”.
Do outro lado da barricada encontravam-se, nomeadamente, os Professores Marques
Guedes e Afonso Queiró.
Portanto,
para o primeiro Professor, “Órgão é o
elemento da pessoa colectiva que consiste num centro institucionalizado de
poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos que
nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade juridicamente imputável
a essa pessoa colectiva”, enquanto para os segundos o órgão é sempre, em
última análise, a pessoa física, constituindo os respetivos poderes funcionais
a sua competência.
Vejamos
alguns argumentos de ambas as partes:
Em
abono da tese institucionalista poder-se-ia dizer que, embora os indivíduos
titulares do órgão possam mudar frequentemente, este permanece sempre o mesmo;
“Assim, se o órgão se funde na pessoa
colectiva como elemento essencial da sua constituição, já o mesmo não acontece
com as pessoas singulares que são suportes dos orgãos”. A situação pode,
contudo, ser vista noutra perspetiva: “Nos
países latinos sobretudo, onde as reformas orgânicas amiudadas são de regra, acontece
frequentíssimas vezes o contrário: é o serventuário que sobrevive às
configurações sucessivas do cargo ou lugar, que o acompanha nas suas
caprichosas deslocações de hierarquia para hierarquia funcional, ou que,
extinto ele, acaba por ser transferido para quadro diverso”.
Voltando
à primeira tese, note-se que o indivíduo apenas faz uso dos ditos poderes
funcionais quando age em nome do órgão e em funções do mesmo; de resto, mantém
a sua personalidade e poderá ter também relações com a pessoa coletiva, que o
emprega, em que surge como indivíduo, não como órgão. Devolvendo a palavra aos
defensores da segunda tese, estes fazem o Professor Marcello Caetano cair em
contradição na sua definição de ato administrativo. Dizia este Professor: “acto administrativo é a conduta voluntária
de um órgão da Administração”, podendo essa conduta constituir uma ação ou
omissão. De facto, para agir, para adotar uma conduta, não basta um centro
institucionalizado de poderes funcionais (seria mesmo preciso uma pessoa física).
O
tempo veio a fazer prevalecer a tese institucionalista do Professor Marcello
Caetano. O CPA define, no seu artigo 20º número 1, órgãos como “centros institucionalizados titulares de
poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa
coletiva”.
O
Professor Freitas do Amaral vem recuperar as duas teorias, reconhecendo verdade
em ambas, desde que devidamente circunscritas. A teoria institucionalista
deveria valer quando estudamos o Direito Administrativo do ponto de vista da organização
administrativa; já a teoria individualista (ou pessoalista, talvez) valeria
numa perspetiva da atividade administrativa.
Parece-nos,
contudo, que mesmo olhando à Organização, a recondução do órgão à pessoa física
pode ser útil. Assim, a propósito dos governadores civis, o Professor Freitas
do Amaral refere que, em 2011, estes foram exonerados, sem que se nomeassem
substitutos e ficando os lugares vagos. A extinção deste órgão seria
impossível, dado o artigo 291º número 3 da CRP, mas este Professor entende que
a não nomeação dos governadores civis resulta igualmente numa
inconstitucionalidade, pois “o Governo
tem a obrigação constitucional de nomear os governadores civis e de não lhes
sonegar, pelo menos, as competências que a Constituição expressamente lhes
atribui”. A tese dos Professores Afonso Queiró e Marques Guedes, na nossa
opinião, poderá reforçar esse argumento: um órgão não é simplesmente um feixe
de poderes que podem ser repartidos por outros órgãos e serviços do Estado,
antes devendo ser reconduzido a uma pessoa física que, neste caso, deveria ter
sido nomeada e devia ser diferente da pessoa do Ministro da Administração
Interna.
Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo I, 4.ª ed., 2015;
CAETANO, Marcello – Manual de Direito Administrativo I, 9.ª ed., 1970;
GUEDES, Armando Marques – Direito Administrativo, 1956.
Francisco Ferreira, nº28134
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