sábado, 26 de novembro de 2016

A Natureza jurídica das Universidades Públicas

§1. Introdução ao tema
   Saber de que forma a Universidade Pública se administra perante o Direito é uma dúvida incessante, que me atormenta não só a mim, enquanto aluno do 2º ano de Direito, como também aos mais diversos e conceituados autores que se pronunciaram sobre a matéria. 
   
   Antes de mergulhar no tema, faço uma pequena alusão à função Governativa, que não podia deixar de ser a base sobre a qual vai repousar toda a reflexão acerca da “Natureza jurídica das Universidades Públicas”. A função Governativa é descrita pelo professor Dr. Gomes Canotilho como “o complexo de funções legislativas, regulamentares, planificadoras, administrativas e militares, de natureza económica, social, financeira e cultural, dirigidas à individualização e graduação dos fins constitucionalmente estabelecidos”.
   O Governo é o órgão superior da Administração Pública portuguesa (Artigo 182ºCRP), cabe a este órgão, no exercício das suas funções administrativas “dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado (…) superintender na administração indireta e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma;” (Artigo 199º alínea D, da CRP).
   
Seguindo de perto as lições dos professores Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa:
   A Administração Direta (e imediata), é direta porque é exercida pelo Estado. Sendo ainda imediata, isto é, sob direção do Governo, na sua dependência hierárquica e portanto sem autonomia administrativa. 
   A Administração Indireta é ainda uma administração do Estado, constituída por serviços incorporados no Estado, mas que dispõe de órgãos próprios de gestão. É uma administração que existe em consequência do alargamento e crescente complexificação das funções do Estado. É antes de mais um auxílio à vida administrativa, um desafogo prestado à Administração-Central. É o caso, por exemplo, da maior parte das escolas secundárias. 
   A Administração Autónoma não se submete nem a poder de superintendência, nem a poder de direção, só se submete a poder de tutela por parte do Estado-Administração. É portanto uma Administração que passa pela avaliação da legalidade e do mérito dos actos praticados por estas entidades.

§2.  As Universidades Públicas
   As Universidades Públicas são pessoas coletivas públicas, que teoricamente possuem fins específicos, altruísticos e, portanto, não lucrativos. Pelo que podemos reconduzir as Universidades Públicas a uma natureza associativa.
   O Artigo 76º da Constituição da República Portuguesa consagra a autonomia destas pessoas coletivas públicas: autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira das universidades públicas. 
   A autonomia das universidades públicas deve-se ao facto de que todos os interesses que são prosseguidos – os próprios e os que não o são- exigirem autonomia de valores, própria da liberdade de criação cultural, e esta implicar a autonomia jurídica (Marcelo Rebelo de Sousa).

     Existe uma lei que considero ser de importância fulcral no que diz respeito à descodificação da Natureza jurídica das Universidades Públicas: a Lei nº62/2007, de 10 de Setembro, que aprovou o regime jurídico das Instituições do Ensino Superior. Esta lei embora não tenha clarificado de forma objetiva e direta a natureza jurídica destas pessoas coletivas públicas, fê-lo de forma indireta (como descreve o professor Caupers), visto que não qualificando as universidades públicas propriamente como institutos públicos, as quis integrar na administração indireta do Estado (aquelas que não optem pelo estatuto fundacional) o que, corresponde ao parecer que já tinha sido dado pelo Ministério das Finanças.

   A Magna Carta das Universidades Europeias, de 18 de Setembro de 1988 estabelece que “a Universidade é uma instituição autónoma, que, de forma crítica, produz e transmite a cultura através da investigação e do ensino.”
  
 A Lei nº108/88, de 24 de Setembro, prevê a submissão das universidades públicas à tutela de legalidade (Artigo 28º) e de mérito (Artigo 11º, 13º e 32º), englobando esta a avaliação das universidades. 
   
                                        
                                      

§3  Doutrina – Natureza das Universidades Públicas
   Senti a necessidade de supra mencionar conceitos e legislação, de modo a esclarecer possíveis dúvidas antes de ingressar na “Querela das Divergências Doutrinárias”. 
   As referências legislativas que fiz, a meu ver, dão lugar a uma ampla margem de interpretação por parte dos autores, e dessa mesma amplitude surgem várias divergências doutrinárias: 

1-        A primeira posição doutrinária (sem querer estabelecer algum tipo de prioridade), é a seguida por autores como o professor Freitas do Amaral e pelo Dr. Mário Esteves de Oliveira, que vêem as universidades públicas como institutos públicos de estrutura corporativa ou entes mistos.
   O professor Freitas do Amaral descreve os “estabelecimentos públicos” como os “institutos públicos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam”. O principal grupo de estabelecimentos públicos, neste sentido, são as Universidades Públicas.
   O professor Freitas do Amaral nega ainda que as universidades públicas possam ser reconduzidas a fundações públicas, porque não consistem basicamente num património, nem a sua missão principal é a de gerir bens. Muito menos podem ser consideradas empresas públicas, pois o conceito de estabelecimento público tem carácter cultural, são serviços abertos ao público, e mais importante ainda, destinam-se a fazer prestações individuais, a ministrar o ensino aos estudantes. 
    A adjectivação de Institutos Públicos foi adotada pelo professor Freitas do Amaral a partir de 1986, visto que antes da data o mesmo considerava as universidades serviços públicos personalizados.

2-        A segunda posição doutrinária é a do professor Marcelo Rebelo de Sousa, que sustenta a opinião de que as universidades públicas, não sendo qualificáveis como associações públicas, não deixam por isso de integrar a administração autónoma.      
   Segundo o professor, embora controverso, as universidades públicas são pessoas colectivas públicas de natureza associativa e autónomas. Mas não são associações públicas. Isto porque as universidades públicas também prosseguem interesses próprios, para além daquelas que são as atribuições que lhes são dirigidas pelo Estado-Administração.

3-     A terceira posição doutrinária que gostaria de apontar é a do professor Vital Moreira. O professor Vital Moreira reconhece expressamente, nas suas lições, que as universidades públicas gozam de autonomia ampla, pedagógica, estatutária e de quase total autogoverno e auto-administração. No entanto, não as inclui na administração autónoma, observando que a lei as não qualifica como associações públicas. 

4-     Uma opinião que embora nunca tenha sido explícita, mas que leva a acreditar numa inclinação quanto ao tema, é a do professor Jorge MirandaJorge Miranda entendeu, em 1985, que as universidades públicas, sem terem natureza associativa, poderiam ser consideradas figuras mistas. 

5-     O professor Caupers, opondo-se nas suas lições de Direito Administrativo à impressão deixada pela Lei nº62/2007 de que as Universidades Públicas se encontram no domínio da Administração Indireta, considera que as universidades públicas devam (como a maioria dos autores o considera) integrar a Administração Autónoma.


§4 Em conclusão
   Penso que as Universidades Públicas têm que ser vistas como um serviço autónomo, presente num plano paralelo à atividade administrativa do Estado-Administração. Um serviço orientado para prosseguir fins de eficiência, de desburocratização da atividade administrativa do Estado, em consequência da crescente complexidade da Administração Prestadora, com o Estado Social e Democrático de Direito. Diria até, metaforicamente, que se assemelha à imagem de uma máquina cujos mecanismos (órgãos) se encontram tão sobrecarregados que comprometem todo o funcionamento da estrutura institucional.
   A meu ver, as Universidades Públicas inserem-se no âmbito da Administração Autónoma. Isto porque entendo que a Universidade Pública nunca perde a sua autonomia, a sua gestão interna e a configuração própria dos seus fins. Ao mesmo tempo que prossegue os fins para que foi idealizada, é também uma entidade que se encarrega de preencher muitos dos princípios consagrados pelo Estado na prática da boa administração, da administração que promove interesses dos particulares e interesses públicos, interesses culturais, princípios de igualdade e imparcialidade nos métodos de avaliação e ingresso no ensino superior, acabando por ser uma entidade altamente subordinada a atribuições do Estado-Administração, atribuições estas que têm a sua garantia na tutela de legalidade (Artigo 28º) e de mérito (Artigo 11º, 13º e 32º) - Lei nº62/2007.
   Estas atribuições a que se encontra vinculada a Universidade Pública não a tornam, no entanto, numa entidade inserida no âmbito da Administração Direta ou Indireta do Estado. A Universidade não se encontra submetida nem a poder de direção, nem a poder de superintendência, apenas como já referido, a poder de tutela por parte do Estado-Administração. Para além do mais, a autonomia da Universidade Pública reflete-se nos seus interesses, nos interesses públicos próprios da pessoa colectiva, e são esses interesses que definem a independência das atividades desenvolvidas pela entidade relativamente ao Estado. Não existe, portanto, hierarquia ou superintendência do Governo. 
   Custa-me acreditar que uma Universidade Pública possa ser considerada sob a influência da administração estadual indireta, visto que este tipo de administração se pauta pelo princípio da superintendência do Governo – é o governo que traça a orientação e define os objetivos fundamentais a prosseguir. Tal não acontece, a meu ver, com as Universidades Públicas, portanto tal tese não me parece sustentável. 
   Parece-me, pelas razões já apresentadas, mais defensível dizer que as Universidades Públicas se encontram no âmbito da Administração Autónoma, pois são entidades que se auto-administram. Para além de que não têm que ser obedientes a ordens ou instruções do Governo. O governo só exerce os poderes de tutela (artigo 199º alínea D)) e de mérito.
   Deste modo, perfilho a tese do professor Marcelo Rebelo de Sousa. A ideia de natureza associativa das Universidades Públicas, embora com as devidas ressalvas já assinaladas. 

§5. Bibliografia: 
Curso de Direito Administrativo - Diogo Freitas do Amaral 
Introdução ao Direito Administrativo - João Caupers 
Direito Administrativo Geral - Marcelo Rebelo de Sousa
Direito Constitucional e Teoria da Constituição - Gomes Canotilho 
Legislação apresentada no trabalho (juntamente com a CRP e o CPA)


Aluno: Gabriel Nogueira Calado                     nr de aluno: 28238
Turma: B15 



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