quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Princípio da Legalidade em dinâmica com Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte

O Princípio da Legalidade exprime a subordinação jurídica da Administração Pública. Isto decorre do artigo 266º nº2 CRP e artigo 3º CPA.O Principio da Legalidade comporta dois sentidos diferentes, o primeiro é a preferência de lei e o segundo é a reserva de lei. O primeiro veda a administração de contrariar o direito vigente e o segundo refere que a atuação administrativa tem de ter fundamento numa norma jurídica. Dentro do âmbito da reserva de lei existem ainda duas maneiras complementares: a precedência de lei e a reserva de densificação normativa.
Historicamente, o Princípio da Legalidade era visto numa dimensão positiva como a administração só pode fazer aquilo que é dito na lei. Numa dimensão negativa, a administração pode fazer tudo aquilo que não é proibido na lei. O Princípio da Legalidade no Estado Liberal apenas submetia à análise deste princípio, as situações de administração agressiva. O Princípio da Legalidade no Estado Social vem pôr em crise esse entendimento. Observam-se as seguintes alterações: reequacionamento do âmbito dos parâmetros de juridicidade da atividade administrativa na atualização do conceito de agressão, e enquadramento a dar às novas atuações administrativas em matéria prestacional e infra-estrutural. Concluiu-se assim que historicamente a administração agressiva (atuações intromissivas na esfera jurídica dos particulares e restritiva de direitos e interesses seus) é que estava submetida de uma maneira mais restrita ao Principio da Legalidade (dimensão positiva). Enquanto, que a administração prestador e infra-estrutural (concede vantagens e programa a prossecução futura do interesse público) estava submetida ao Princípio da Legalidade de uma maneira menos restrita (dimensão negativa).
Mais tarde, este critério é ultrapassado, porque o mesmo era relativo e havia situações em que se criava confusões, pois tanto se configurava um prejuízo como um benefício para o particular. Chegou-se à conclusão que perante situações de administração prestadora e infra-estrutural não pode só valer a dimensão negativa da legalidade. Desse modo a maioria da doutrina, concluiu que perante qualquer tipo de administração (agressiva ou prestacional ou infra-estrutural) temos sempre de verificar o Princípio da Legalidade na sua dimensão positiva. Uma doutrina minoritária (Professores Sérvulo Correia e Paulo Otero) continua a partilhar da opinião que a dimensão positiva do Princípio da Legalidade só se aplica perante situações de Administração Agressiva.

Tal como referido anteriormente o Princípio da Legalidade comporta dois sentidos:
1.      Preferências de Lei- são proibidas as atuações administrativas que contrariem a lei. Em caso de conflito entre lei e ato administrativo prevalece a lei. A lei engloba todo o bloco da legalidade (lei ordinária, regulamento, etc). Perante um ato administrativo que contraria o bloco da legalidade, o mesmo é inválido e ilegal. Este primeiro sentido do Princípio da Legalidade tem como objetivo a erradicação de atos ilegais da ordem jurídica e o suprimento de omissões ilegais.

2.      Reserva de Lei- a administração tem de fundamentar o seu agir numa norma jurídica. Importa saber quais as matérias em que a atuação administrativa carece de prévia habilitação legal.

2.1. Precedência Total de Lei- a administração para agir tem sempre de ter como base uma norma habilitante que lhe confira poderes.

2.2.Reserva de Densificação Normativa- a norma habilitante que confere poderes para a atuação administrativa, tem de ter uma determinada densidade (determinado grau de especificação e pormenorização quer dos pressupostos, quer dos meios de atuação). È necessário densificar a incidência, previsibilidade e legitimidade. Podemos encontrar dois tipos de normais: Fechadas (vinculam a administração) e as Abertas (margem de livre apreciação). A Margem de Livre Decisão é o espaço de liberdade da atuação administrativa que é conferido por lei e limitado pelo bloco da legalidade. A margem de livre decisão comporta, a discricionariedade e a margem de livre apreciação. A discricionariedade é a liberdade conferida por lei à administração para que esta escolha entre várias alternativas de atuação administrativa, envolve sempre juízos de prognose. A margem de livre apreciação é a liberdade conferida pela lei à administração de apreciar os factos que dizem respeito aos pressupostos da sua decisão, envolve a indeterminação vocabular e a liberdade avaliativa. Os limites da Margem de Livre Decisão são as Vinculações Legais e os limites imanentes aos Princípios da Atividade Administrativa (prossecução de interesses públicos, proporcionalidade, imparcialidade, respeito pelas posições jurídicas subjetivas dos particulares, boa-fé, igualdade e justiça).

Em seguida vamos fazer uma pequena análise a um acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte. Em análise ao acórdão de 28 de Setembro de 2016 com número do processo 00121/04 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, importa ter em conta os seguintes factos.
A autora M instaura uma ação contra a Universidade do Porto e o Contra-interessado A no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com recurso ao meio de condenação à prática do ato de instauração de procedimento disciplinar ao contra-interessado. O fundamento da Autora é que a escolha do Presidente ICBAS em requisitar a mesma para o ensino da cadeira de Toxicologia, onde a autora seria docente e a Professora Doutora L seria regente, seria um insulto para a mesma. A autora partilha desta opinião pois a regência dessa cadeira foi entregue a uma professora menos graduada que ela, o que constituiria uma ofensa à sua honra. A autora, inconformada com a decisão do TAF do Porto que julgou a sua ação improcedente, interpõe recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Norte. Usa como fundamentos para a interposição de recurso que a sentença proferida violou o princípio da legalidade, violou alguns artigos do Estatuto Disciplinar, contendo também alguns vícios formais e por último viola o artigo 71ºnº2 CPTA.
Importa agora ter em conta a seguinte matéria de Direito.
1.      O Poder Disciplinar é um poder que se traduz na possibilidade de aplicar sanções aos agentes e funcionários em consequência da violação de deveres que sobre os mesmos caibam. Este poder serve para assegurar a coesão e a segurança no serviço administrativo. O Poder Disciplinar desdobra-se em ação disciplinar (averiguação de fatos que possam levar a situações de infração) e competência para aplicar sanções.
No caso requerido pela autora, estamos no âmbito de ação disciplinar (a universidade do porto deveria averiguar se aquele presidente cometeu ou não um infração). Entende-se assim, que o fato de a Universidade do Porto dever ou não dever instaurar um processo disciplinar cabe no âmbito dos poderes discricionários da administração inseridos no princípio da legalidade mais concretamente dentro da Reserva de Lei do mesmo. Concluímos assim que embora a administração tenha de reger a sua atividade segundo o princípio da legalidade, por vezes as normas podem configurar-se como fechadas (vinculativas) ou abertas (discricionárias). Neste caso, o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local é uma norma discricionária com aspetos vinculantes (não é uma norma arbitrária), pois a mesma refere que para além da observância dos critérios da legalidade é necessário também proceder a juízos de apreciação sobre a conveniência e oportunidade no seu exercício à luz dos interesses do serviço. Isto quer dizer que é autoridade administrativa, Universidade do Porto, é que tinha de analisar e ponderar se o Presidente cometeu ou não uma infração, não estando a mesma subtraída ao cumprimento do referido dever.
Concluo assim, que estes atos que envolvem o exercício de poderes discricionários são suscetíveis de impugnação judicial fundada quer em ilegalidade formais como substantivas. Entende-se que podem assim, os Tribunais Administrativos proceder à fiscalização contenciosa jurisdicional deste tipo de atividades administrativas quando estão em causa graves vícios (desvio de poder e erros grosseiro) ou graves violações de deveres de fundamentação ou de participação e de princípios gerais. Configurando-se estes graves vícios e graves violações como os limites dos poderes discricionários.
No nosso caso, parece-nos que o Tribunal Administrativo pode fiscalizar esta ação, pois a autora alega que há violação do princípio da legalidade e do dever de fundamentação. Ainda assim, não cabe razão à autora porque não resulta dos Estatutos dos Funcionários que a administração tem sempre uma obrigatoriedade automática de proferir um despacho que determine que tem de haver procedimento disciplinar (não há nenhuma violação desse estatuto). Logo a Universidade do Porto pode agir de maneira contrária, não instaurando o processo disciplinar, tal como fez.
2.       Perante os factos alegados pela autora, os mesmos não integram qualquer infração disciplinar (não há ilicitude). O dever de a contratar como docente justifica-se pelas necessidades da vida social, pelo que não há violação das normas de “cortesia” e “bons costumes” consagradas nos usos e costumes. Não se conjetura, que o teor da comunicação feita à autora pelo contra-interessado resulte em infração dos deveres de correção e de respeito a que o mesmo estava obrigado. Ou seja, não houve nenhuma falta de respeito há honra e consideração da autora, nem houve nenhum insulto ou menorização face ao seu estatuto, pelo facto de a mesma ser docente de uma professora que já foi sua assistente. Concluiu-se que o Presidente do Conselho Cientifico ICBAS não cometeu nenhuma infração disciplinar.

Deste modo, o TCA Norte julga a decisão improcedente.

Em conclusão, retira-se deste acórdão uma ideia de ampliação dos poderes de fiscalização dos Tribunais Administrativos mesmo quando estão em causa poderes discricionários. Refiro assim, que os Tribunais Administrativos podem em todos os casos analisar e fiscalizar o agir administrativo. Os Tribunais Administrativos não podem invadir o espaço de margem de livre decisão no uso de poderes discricionários da administração no caso concreto, a menos que administração viole os limites da margem de livre decisão.
            Quer isto dizer que Administração Pública pode agir segundo o Principio da Legalidade no exercício dos seus poderes discricionários, mas tem de ter consciência que se violar os limites dos poderes discricionários os Tribunais Administrativos podem invadir e fiscalizar a sua atividade.

Bibliografia:
SOUSA, MARCELO REBELO, Direito administrativo Geral, Tomo I
DGSI


Aluna: Margarida Gil Silva nº 24421

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