quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Os "novos" serviços personalizados do Estado

Serviços personalizados do Estado assim era a expressão utilizada tanto pela doutrina como pela jurisprudência para definir aquilo a que Marcello Caetano na oitava edição do seu Manual de Direito Administrativo designou por Institutos Públicos. Geograficamente a denominação para  institutos públicos difere de Estado para Estado.  No país referencial do sistema romano-germânico (França) são designados de établissments publics que significa estabelecimentos públicos; no país que serve de leme ao sistema anglo-saxônico, a Inglaterra,  a doutrina diverge sendo que alguns autores denominam de public corporations (corporações públicas) e outros de public bodies ou seja, organismos públicos. Em Itália os autores não conseguiram encontrar unanimidade e alguns chamam de "fazendas públicas", enquanto que outros de "organismos para-estaduais". A doutrina nacional ao aprofundar e estudar o conceito notou que a denominação não seria a mais correta. Os serviços personalizados do Estado são uma espécie de institutos públicos, concluindo-se que todos os serviços personalizados do Estado são institutos públicos, mas nem todos os institutos públicos são serviços personalizados do Estado. 
Durante anos que estes representantes da Administração indireta do Estado não tiveram uma lei própria resultando isto na aprovação de numerosa legislação avulsa e na consulta da mesma. Se cruzarmos a fronteira e tomarmos o exemplo de  Espanha a situação era diferente. Desde 1958 que a  Ley 6/1997 de 14 de abril, de Organización y Funcionamento de la Administración General del Estado regulava os institutos públicos. Em Portugal, a lei apenas surgiu em 2004,  Lei 3/2004 de 15 de janeiro ou mais conhecida como Lei Quadro dos Institutos Públicos (LQIP). O nome atribuído gerou inquietação doutrinária pelo facto de a mesma se denominar de "Lei Quadro", uma vez que apenas e só a Constituição da República Portuguesa tendo por base o artigo 112/3 pode indicar quais as leis de valor reforçado. A explicação encontrada revela que a expressão "Lei Quadro" não pretende ir em contra da CRP, mas apenas indicar que a área de atuação da mesma é bastante alargado prendendo-se com matérias jurídico-materiais e não jurídico-formais. Deve-se fazer a ressalva de que nem todos os institutos são de origem estadual, podendo alguns pertencerem à administração indireta das regiões autónomas ou municipais, contudo sendo exemplos escassos em Portugal. E que os mesmos podem englobar institutos menores como o caso dos subsistemas públicos, exemplo disso os "serviços sociais universitários". 
O professor Diogo Freitas do Amaral define institutos públicos como: uma pessoa coletiva pública, de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de caratér não empresarial, pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública. O professor começa por indicar que são uma pessoa coletiva pública de acordo com o artigo 3/4 e o artigo 4/1 da LQIP e que de acordo com a mesma têm sempre personalidade jurídica, artigo 3/1 LQIP. Na base existe uma instituição e não uma associação o que os distingue das associações públicas. O artigo 8 da LQIP indica que são criados para funções administrativas determinadas, portanto existe uma dupla vertente: uma das funções é assegurar que sejam cumpridas as tarefas públicas de caractér administrativo, logo não se englobam as de tipo privado; por outro lado, fala-se da determinabilidade das suas tarefas, não podendo abranger uma panóplia enorme de funções sendo restringidas como indica do artigo 8/3 da LQIP. Assim, o professor refere que a sua vocação é especial e que suporta fins singulares ao contrário do Estado e das autarquias locais que são de fins múltiplos e com uma vocação geral. As  atividades pautam-se por ser  de caratér não empresarial de acordo com o artigo 3/3 da LQIP. Por último, as suas funções têm raízes pertencentes ao Estado ou a outra pessoa coletiva pública, como consta do artigo 2/1 da LQIP. 
Os institutos públicos comportam uma tripartição: os serviços personalizados, as fundações públicas e os estabelecimentos púbicos. A definição de serviço personalizado encontra-se no artigo 3, nºs 1 e 2 da LQIP. Funcionam numa espécie de "aparência", já que a ilusão criada faz querer que têm personalidade e autonomia própria, contudo são apenas departamentos que apenas cumprem as suas funções. Uma das espécies mais importantes são os mecanismos de coordenação económica, designados como serviços personalizados do Estado que se destinam a coordenar e regular o exercício de determinadas atividades económicas, que pela sua importância merecem uma intervenção mais vigorosa do Estado, por exemplo: Instituto da Vinha e do Vinho, do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto. Pode-se pensar que estes organismos apenas realizam afazeres simples, como fazer ou conceder uma licença, contudo devido ao ramo para que são direccionados podem chegar a elaborar tarefas complexas como comprar ou vender produtos. O facto de estarem sujeitos a este tipo de procedimentos faz com tenham uma fiscalização por parte do Estado bastante acentuada, mas pelo facto de realizarem estas operações complexas leva que lhe seja atribuída uma grande dose de flexibilidade, razão que explica a tal "aparência" de autonomia de que muitos falam.
As fundações públicas encontram-se fixadas no artigo 49/1 da Lei 150/2015 de 10 de setembro, que rege as fundações públicas e denominada de  Lei Quadro das Fundações (LQF) e no artigo 3 nºs 1 e 2 da LQIP. As fundações públicas são os únicos institutos que se encontram reguladas tanto no diploma geral como num diploma especial. As fundações podem adotar duas grandes vias: ou ser de origem privada e estando reguladas no CC ou que a sua finalidade seja pública, como consta do artigo 50 da LQF e encontrarem-se reguladas tanto na LQIP como na LQF. O património das mesmas é destinado a fins públicos, mas a lei indica que para se ser considerada como "fundação pública" deve uma "parte considerável" das suas receitas serem dirigidas a "finalidades de interesse social ou " interesses públicos de natureza social, cultural, artística ou outra semelhante" - artigo 50/2 LQF. Um dos exemplos mais conhecidos de fundações públicas é o Fundo de Abastecimento ou a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior.
Por último, encontram-se os estabelecimentos públicos que podem ser considerados de caratér cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efectuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam, definição do professor Freitas do Amaral.  O exemplo paradigmático são as universidades públicas. As universidades são de caratér cultural e estão organizadas em serviços abertos ao público sendo que a sua principal finalidade é o ensinamento, logo não podem ser consideradas fundações públicas de direito privado, fundações públicas ou empresas públicas. Os poucos hospitais que não foram convertidos como entidades públicas empresariais também se podem considerar como estabelecimentos públicos. Os mesmos oferecem um serviço aberto ao público e fornecem um serviço médico e hospitalar aos que necessitam. A Misericórdia de Lisboa também se inseria neste grupo, mas desde 1991 é considerada como uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa.
Concluindo, os institutos públicos são organismos de base institucional que se encontram na Administração estadual indireta e encontram-se regulados pela LQIP de 3/2004 de 15 de janeiro. Apresentam uma tripartição em: serviços personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos. Os primeiros pertencem aos serviços centrais de um Ministério de acordo com as funções e as características do mesmo; as segundas, financiam-se pela gestão do seu património e através dele conseguem preceder os seus fins e os últimos não têm nenhuma das características dos anteriores, pautam-se por apresentarem um serviço aberto ao público e destinado a prestar serviços culturais e sociais.


Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo; 2015, 4ª edição, Almedina, Volume I, §3º - A Administração estadual indireta; II- Os institutos públicos, páginas 309-325.

Webgrafia:
http://www.fgcam.pt/pt-PT/Legislacao/Lists/FolderDeListaComLinks/Attachments/17/Lei%20Quadro%20Consolidada.pdf

http://www.serralves.pt/documentos/Lei%20Quadro/LeiQuadro_Fundacoes_Lei150_2015.pdf


Catarina Nogueira Toscano, nº 28254. 


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