quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A execução prévia em Portugal, privilégio?

Os sistemas administrativos francês e português têm pertença à mesma família romano-germânica, existindo entre ambos várias semelhanças. O sistema administrativo francês surgiu na necessidade de uma resposta ao problema da ausência de jurisdição especial com competência para apreciar os litígios que pudessem surgir no decorrer do exercício da função administrativa. O sistema português acabou por dar seguimento a este sistema, baseando-se no mesmo sistema. 
Daí resultam características e semelhanças comuns, como já referido, tal como a notoriedade e importância do poder executivo quando comparado com o poder judicial, e a particularidade da existência, originalmente, de uma submissão por parte da administração pública a um direito próprio que regulava a sua actividade, baseado e inspirado nos ideais da protecção dos direitos individuais, tendo estes como principal finalidade.
Resultou ainda por "herança" o privilégio da execução prévia, um dos principais traços característicos que o sistema português consagrou e prosseguiu, quanto ao sistema de administração executiva.
A Reforma de 2002/04 trouxe uma aproximação do nosso sistema ao sistema britânico, da família da common law, através do reforço dos poderes de controlo que os tribunais passaram a ter em relação à Administração Pública. 

Por outro lado, o Legislador do novo Código de Procedimento Administrativo (CPA - 2015) contribuiu e consagrou legalmente, um afastamento face ao sistema francês, ao erradicar do direito administrativo português o privilégio da execução prévia, e acabando assim por reforçar, segundo alguns autores da doutrina, a aproximação ao sistema de Administração Judiciária. 


O Código de Procedimento Administrativo (CPA) de 1991 consagrava, quanto à legalidade de execução, que as decisões da Administração Pública eram executadas a título próprio, sem recurso aos tribunais, através de meios coercivos caso existisse essa necessidade para a prossecução dos seus fins. Dispunha-se no artigo 149º, nº2 “O cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações que derivam de um acto administrativo podem ser impostos coercivamente pela Administração sem recurso prévio aos tribunais, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos previstos no presente código ou admitidos por lei”. Ainda o CPA de 1991 consagrava no artigo 151º uma excepção ao privilégio de que a Administração dispunha, tentando evitar situações de abuso de direito e deste modo evitando e restringindo, através de impossibilidade a actuação da mesma quando se verificasse, através desta actuação a limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.

O novo Código (CPA - 2015) trouxe consigo alterações importantes, tanto a nível de institutos (o acto administrativo e o regulamento), como em relação à actuação da Administração Pública, que passou a estar sujeita a um dever de boa gestão e passou a ser responsabilizada pelas suas práticas. Houve uma mudança de paradigma de um dos traços mais característicos do nosso sistema, o privilégio da execução prévia.

No actual CPA, a norma relativa à legalidade da execução foi alterada, resultando que o privilégio da autotutela executiva, de que dispunha a Administração Pública, já não se encontra consagrado na mesma. O artigo 176º prevê os casos excepção, em que é possível a execução coerciva dos actos administrativos, casos relativos a situações de urgente necessidade pública ou casos previstos na lei. Todos os outros actos da administração pública que carecem de execução coerciva apenas podem ser executados nesses termos através de decisão judicial, artigo 183º do novo CPA.

Tudo isto corresponderia à ideia inicial do Legislador; contudo o Decreto-Lei que aprovou o novo CPA dispõe, no artigo 8.º n.º 2, que o regime estabelecido no artigo 176º do novo código de Procedimento Administrativo, só se aplicará quando entrar em vigor um diploma autónomo que venha determinar especificamente os casos em que o acto administrativo é executório. Este diploma deveria ter sido aprovado no prazo de 60 dias, a contar da data da entrada em vigor do novo CPA mas tal ainda não ocorreu. Assim sendo, até à aprovação do diploma, mantém-se em vigor a regra do privilégio da execução prévia, estabelecida no artigo 149.º n.º 2 do CPA de 1991.O Professor Freitas do Amaral considera este um caso raro, na medida em que a mais significativa alteração ao CPA acabou por se ver adiada por um tempo indeterminado.
Para alguns autores a alteração no regime da execução dos actos administrativos trará dificuldades de aplicação prática, comportando o aumento da pendência judicial e consequentemente a paralisação da Administração, uma vez que os tribunais serão chamados mais vezes a intervir.

A meu ver, parece-me que o Legislador criou o artigo 176º do CPA de 2015, com o intuito de estabelecer legislação específica para a execução coerciva dos actos administrativos. No entanto, ciente das dificuldades que o mesmo acabaria por trazer, adiou a sua entrada em vigor por prazo indeterminado, até a norma em causa possa ser exequível, através da determinação específica dos casos em que o acto administrativo seja executável.

Ricardo Silva; Nº aluno - 28531

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