Sumário: I) Introdução; II). Características; III)
Conceito; IV) Poderes de autoridade; V) Interesse Público; VI) Conclusão.
I) Introdução
O velho dilema do modo de agir
administrativo encarna, nos nossos dias, visões distintas: uma corrente
funda-se na concepção de que a Administração age sempre ao abrigo de poderes de
autoridade e que a outra se alicerça na ideia de prossecução de interesse
público[1].
Em primeiro lugar, em traços largos,
percebemos que a função administrativa pode ser definida pela prossecução de
tarefas (normas de atribuição) incumbidas ao Estado – sentido lato - pela Constituição
ou no dizer do Professor Vieira de Andrade a função administrativa mais não é
que a definição de princípios de elaboração de conceitos inovadores que se
projectam e repercutem na vida dos cidadãos.
II). Características
Deste modo, a função administrativa tem um
primeiro limite basilar a obediência à Constituição e à lei (art. 266º/2 CRP).
Ao mesmo tempo a Administração está sujeita às decisões do poder judicial –
também esta uma forma de jurisdicização – sendo as decisões dos tribunais
vinculativas e prevalecendo sobre qualquer outra decisão ou actuação (art.
205º/2 CRP).
O Professor Paulo Otero[2]
defende que a própria Administração vê consagrada na CRP uma reserva de função
administrativa[3], uma faculdade em tudo
semelhante à concedida aos Tribunais, A.R. e Governo.
III) Conceito
A função administrativa deve ser compreendida à luz do
próprio sentido de Administração Pública, ou seja, uma actuação à luz de uma
norma legal (sentido material), por meio de um órgão ou agente (sentido
orgânico) que usa de poderes de autoridade para a decisão a tomar (sentido
formal). À partida não haveria qualquer tipo de dúvida. Todavia, hoje em dia, a
Administração assume comportamentos que não dizem directamente respeito às suas
actividades específicas – essas actividades dizem respeito ao relacionamento
com outras pessoas colectivas de domínio privado (Direito Publicizado de 2º
grau) o que traduz uma descaracterização do sentido orgânico da administração.
O Professor Paulo Otero defende que o
conceito deve ser definido não tendo em vista os critérios doutrinários, mas
sim o raio de actuação e funcionalismo da Administração, a saber[4]:
I) a função administrativa é o concretizar de toda a estrutura da Administração
uma vez que esta envolve a satisfação de todas as necessidades colectivas[5] e
não se confunde e consubstancia com os outros poderes – legislativo e judicial;
II) As necessidades colectivas a prosseguir tem sempre a sua base num acto jurídico-público
(lei ou Constituição)[6]
que visa a obediência do interesse público e ao primado do Estado de Direitos
Humanos perfeitos; III) a concretização de cinco tarefas essenciais: ordenação
da vida social, garantia de ordem e segurança pública, prestações sociais, recursos
financeiros e gestão de recursos humanos e materiais; IV) prática continua e
continuada de actos e operações materiais de forma a que a sociedade se
mantenha num harmonioso funcionamento.
Assim, a função administrativa acaba por
ser toda a acção de concretização das tarefas a prosseguir pelo Estado,
Bernardo Ayala, afirma mesmo que “a prossecução do interesse público é o fim
último de qualquer acto da Administração; mais, é o fim último da própria
função administrativa e, mesmo, dos outros poderes do Estado.[7]”
IV) Poderes de autoridade
Os poderes de autoridade[8] eram
uma imagem indissociável da Administração bastando lembrar o contexto anterior
à Revolução Francesa. Todavia, é inegável que a própria Administração tenha
posto de parte tal característica basta relembrar a ideia de uma Administração Agressiva
que ainda hoje se mantém (Finanças e ASAE). Os poderes de autoridade são uma
consagração de independência, soberania e segurança. Em certas matérias a
actuação pública não pode ser concertada exigindo-se uma actuação unilateral
por parte da Administração.
V) Interesse
Público
O interesse público muitas vezes é
prontamente identificado como a vontade do legislador e tal afirmação
superficialmente acaba por ser verdade. Todavia, devemos ter em conta que o
modo de agir da Administração é norteado e orientado pela participação,
concertação e cooperação dos particulares. O Estado de Direito-Democrático traz
a ideia de democracia participativa no qual a Administração Pública procura
convencer, num gesto de absorção da vontade dos particulares - a Administração
procura chamar a si o particular, em determinado momento, são exemplos disso
mesmo a consulta pública, a audiência prévia dos interessados, acordos
endoprocedimentais e contratos substitutivos de decisão unilateral – e a sua
exclusão representa um vício de forma por preterição de procedimento. O
interesse público resulta assim do clima de participação democrática quer por
meio dos deputados eleitos quer pelo princípio da participação dos particulares
num determinado procedimento administrativo.
Em segundo lugar, incorporamos na função
administrativa entidades administrativas privadas desde que: estas preconizem o
interesse público ou gozem de poderes de autoridade sem carácter de permanência.
Ao mesmo tempo sociedade concessionárias, cooperativas e pessoas colectivas de
utilidade pública são integradas no exercício da mesma função por prosseguirem tarefas
de interesse público – são exemplos das realidades acima descritas as IPSS e a
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. As atribuições do Estado complementam-se
nestas instituições no qual, à partida, consoante a sua actividade se guiam
pelos mesmos parâmetros da Administração.
VI) Conclusão
O problema levantado é muito complexo o
próprio CPA no seu artigo 2º/1 “reflecte
um modo de ver genérico sobre como se exerce a função administrativa”[9] sendo o critério
meramente funcional. Mais, na obra as “Questões
Fundamentais para a Aplicação do CPA” diz-se que a definição de função
administrativa é inútil porque a problemática advém da própria criação do
Direito Administrativo – estamos perante um problema ontológico que condiciona
a qualificação e classificação da própria existência do Direito Administrativo.
Maria
Matos de Almeida,
Nº
28553
[1]
O Professor Gomes Canotilho na sua
anotação à Constituição concluí que a figura do “interesse público acaba por
ser uma expressão pouco usada, de resto, na Constituição (269º/1) mas que tem
equivalentes noutras formas como interesse geral (cfr. Arts. 52º-1,
65º-2/c e 81º/f), interesse colectivo
(cfr. Art 47º-1), utilidade pública, etc. – é um momento teleológico necessário
de qualquer actividade administrativa: as autoridades pelos direitos dos
cidadãos implica também a existência de garantias procedimentais que
substancializem a posição do sujeito dos particulares nos complexos processos
de comunicações …” (CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, Constituição da Republica
Portuguesa Anotada, p. 795)
[2] OTERO, Paulo, Manual
de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013, p.181
[3] O Ac. nº 461/
87 do TC, de 16 de Dezembro, reconhece e sustenta a posição do Paulo Otero
na medida em que reconhece uma faculdade de desenvolvimento e conformação da
actividade administrativa,
[5] O Professor Regente, Vasco Pereira da Silva, vem
chamando inúmeras vezes, em aulas plenárias, o papel da subjectivação de
direitos em que o particular apresenta uma pretensão (pedido) à Administração,
uma vez que possuí um título (norma legal) e o uso desse título mais não é que
um direito subjectivo a ser invocado que poderá desencadear uma reacção
favorável ao pedido – neste ponto o particular vê o seu interesse legalmente
protegido a ser concretizado.
[6] É
possível retirar da CRP normas de competência e de atribuição de forma directa.
Veja-se por exemplo o art. 66º/2/c da CRP (norma de competência)
[7] AYALA, Bernardo Diniz, O (Défice de) Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão
Administrativa, Lex, Lisboa, 1995, p. 194.
[8]
O
Professor Pedro Gonçalves define o poder público de autoridade como o “poder
estabelecido por uma norma jurídica de direito público (poder normativo),
conferido a um sujeito para, unilateralmente, no desempenho de funções
administrativas, editar regras jurídicas com eficácia externa imediata na
esfera jurídica de terceiros, produzindo, por consequência, declarações com força
especial e podendo ser usados meios de coacção sobre coisas ou pessoas.” GONÇALVES,
Pedro, Entidades Privadas com Poderes
Públicos, Almedina, p. 597-611
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