quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

OS MUNICÍPIO EM PORTUGAL

A expressão autarquias locais é um conceito genérico para referir a Administração autónoma local. Há dois tipos de autarquias locais: o município e a freguesia. [i]

«As autarquias locais são todas pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respetivos habitantes.» (MARCELLO CAETANO)

Comparativamente a outros sistemas europeus, o regime das autarquias locais é em Portugal muito simples, devido essencialmente a dois fatores: por um lado, é uniforme para todo o país e, por outro lado, é um sistema de estrutura historicamente consolidada.[ii] Já o Prof. Vasco Pereira da Silva dizia a nós, seus alunos, o seguinte: “Se pensarmos naquilo que já existia antes da própria fundação da nacionalidade, existia algo que correspondia a autarquias locais, algo que correspondia a formas autónomas de organização com uma realidade feudal, e que portanto se impôs ao próprio rei e ao próprio Estado unificado do século XII – porque a Idade Média em Portugal também vai durar mesmo depois do surgimento do Estado português. A lógica corresponde ao exercício de atribuições próprias por forma própria das autarquias.”

«As autarquias locais são entidades que têm um substracto não apenas populacional, mas também territorial, porque aquilo que caracteriza é o facto de estarem instaladas num determinado território e corresponderem a uma agregação de pessoas exercem a função administrativa dentro desse território»[iii], têm ainda órgãos representativos próprios e fins múltiplos («interesses próprios, comuns e específicos das respetivas populações»).

Os interesses comuns das populações da autarquia são interesses locais. Os interesses comuns das autarquias inferiores cedem perante os interesses comuns das autarquias superiores e estes cedem perante os interesses da Região (no caso português das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira) e do Estado. No entanto, os interesses locais podem coincidir com os interesses nacionais, não sendo necessariamente contrários àqueles.

O artigo 1º/2/c) do antigo CPA afirma que não podem as autarquias locais pretender afastar a aplicação do CPA, sob pretexto de que há normas diferentes na LAL: as normas desta sobre matérias ali reguladas, e relativamente às quais falte a ressalva atrás referida, têm de considerar-se revogadas pelo CPA, que prevalece sobre a LAL e passa a aplicar-se de modo uniforme a todos os órgãos da Administração Pública portuguesa.[iv]

As autarquias têm pessoal, património e finanças próprias, dispõem de poder regulamentar próprio e estão sujeitas à tutela (de legalidade) do Estado. A sua gestão compete aos respetivos órgãos. Por essa razão, a tutela do Estado sobre a gestão patrimonial e financeira dos municípios e das freguesias é meramente inspectiva e só pode ser exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei.
A existência de autarquias locais pressupõe a existência de órgãos representativos próprios, eleitos (livremente) pelas respetivas populações.

A dissolução dos órgãos autárquicos diretamente eleitos só pode basear-se em ações ou omissões ilegais graves (por exemplo, situações comprovadas de corrupção). Por outro lado, as autarquias locais têm quadros de pessoal próprios, aos quais se aplica, no geral, o regime jurídico dos funcionários e agentes do Estado. Em Portugal o Estado tem o dever de apoiar tecnicamente as autarquias. É permitido o referendo local sobre matérias da competência exclusiva de autarquias, desde que por voto secreto. As assimetrias entre as autarquias são corrigidas através das finanças locais.

O Município é a autarquia local que visa a prossecução dos interesses próprios da população residente na área do seu território, através dos seus órgãos representativos próprios.
Em Portugal, a criação ou extinção das autarquias locais é da competência da Assembleia da República, salvo no caso das autarquias situadas nas Regiões Autónomas. Porém, são da competência exclusiva dos municípios os investimentos públicos em diversos domínios. [v]
O município é uma pessoa coletiva pública, de população e território, dotada de órgãos próprios. Os órgãos dos municípios são representativos das populações municipais, residentes no respetivo território. São eleitos em eleições livres, democráticas e periódicas (cada 4 anos).


Os órgãos do município são a Assembleia Municipal, a Câmara Municipal (órgão executivo colegial) e o Presidente da Câmara Municipal (órgão executivo singular, por deter diversas competências próprias).
 A Assembleia Municipal toma as grandes decisões de fundo e marca a orientação a seguir pelo município. Exerce também uma função de controlo da atividade da Câmara e do seu Presidente, que por seu turno seguem as orientações gerais definidas pela Assembleia Municipal, executam as suas deliberações e procedem à gestão corrente do município. A Assembleia Municipal é constituída pelos presidentes das juntas de freguesia e por membros, eleitos pelos eleitores do município. A Assembleia Municipal tem cinco sessões ordinárias por ano: em fevereiro, abril, junho, setembro e novembro ou dezembro (artigo 27º da LAL). Compete-lhe, fundamentalmente: (1) uma função de orientação geral do município e de fiscalização da Câmara Municipal; (2) uma função de regulamentação (aprovar regulamentos); uma função tributária (lançar taxas e derramas); (3) e uma função de decisão superior (deliberar sobre os assuntos mais importantes e autorizar a Câmara a deliberar sobre certos assuntos importantes).

A Câmara Municipal é composta pelo Presidente da Câmara e pelos vereadores (termo técnico por que deverão ser conhecidos todos os membros da Câmara, com exceção do seu presidente). A Câmara Municipal está em sessão permanente, reunindo ordinariamente uma vez por semana, salvo se ela própria decidir que reunirá uma vez de quinze em quinze dias. Poderá haver reuniões extraordinárias. A Câmara Municipal tem quatro tipos de funções: preparatória, executiva, de gestão e de decisão.

O Presidente da Câmara possui uma vasta competência executiva. É o verdadeiro líder da administração municipal. Detém três tipos de funções: função presidencial, que consiste em convocar e presidir às reuniões da Câmara e em representar o município em juízo e fora dele; função executiva, que lhe permite executar as deliberações tomadas pela própria câmara; e função decisória, pela qual dirige os serviços municipais e exerce todas as competências que a lei lhe atribui diretamente ou que a câmara lhe delega.

Posição de relevo na Administração municipal portuguesa é ocupada pelos serviços municipais e pelos serviços municipalizados.
Os serviços municipais não dispõem de autonomia e são diretamente geridos pelos órgãos do município. São serviços municipais em sentido estrito: a secretaria da câmara, a tesouraria, os serviços especiais (como os partidos médicos, os partidos veterinários), os serviços de incêndios, os serviços de polícia municipal, e de guardas campestres e outros serviços.
Os serviços municipalizados gozam de organização autónoma dentro da administração municipal, estando a sua gestão entregue a um conselho de administração privativo. Trata-se de verdadeiras empresas públicas municipais integradas no município, embora não tenham personalidade jurídica.
A lei prevê ainda a possibilidade de constituição de comunidades intermunicipais, as quais são pessoas coletivas de direito público, criadas por vários municípios para a realização de interesses comuns.


A tutela sobre as autarquias (Lei nº27/96, de 1 agosto, sobre tutela administrativa)
A tutela do Estado sobre as autarquias locais tem em vista, fundamentalmente, fiscalizar a legalidade da sua atuação. Em Portugal, a tutela do Estado sobre as autarquias locais é exercida pelo Governo, através do Ministro das Finanças.
A tutela do Estado sobre as autarquias locais é, no âmbito da sua autonomia, sempre e apenas de legalidade. A tutela administrativa (em geral) consiste nos poderes que uma pessoa coletiva pública (entidade tutelar) tem de interferir na gestão de outra pessoa coletiva pública (entidade tutelada, neste caso uma autarquia local), com vista a assegurar a legalidade (tutela de legalidade) e o mérito (tutela do mérito) da sua atuação (fora do âmbito da autonomia das autarquias locais). Trata-se de um poder de controlo.
O regime jurídico da tutela administrativa apresenta as seguintes características: a) a tutela não se presume (só existe quando a lei a prevê e nos limites estritos da previsão); b) entre o Estado e as autarquias locais apenas existe a tutela da legalidade (porque assim o exige o Estado de direito democrático – existência de um verdadeiro poder local autónomo); c) os atos de tutela não podem ser administrativa e contenciosamente impugnados pela entidade tutelada.
Os membros dos órgãos autárquicos eleitos estão sujeitos à sanção de “perda de mandato”, se em relação a eles se provar que cometem determinadas ilegalidades. Por outro lado, qualquer órgão colegial autárquico pode ser dissolvido, cessando assim o mandato de todos os seus membros, quando lhe sejam imputadas e provadas ações ou omissões ilegais graves.


Conclusão
A perspetiva de município é a de uma administração mais próxima da população, prestadora de serviços como garante de assegurar interesses próprios, comuns e específicos das respetivas populações. Deixo uma impressão futura: em breve, as eleições municipais de 2017. E tal como o Professor Vasco Pereira da Silva refere: há verdadeiramente toda uma lógica da conquista do poder ao nível autárquico, em termos de realidade politica. O que está em causa tem a ver com uma entidade que é distinta do Estado e que se auto-organiza, e portanto, devemos ter em conta uma entidade distinta que exerce atribuições que lhe são próprias e que por isso se integra na chamada Administração Autónoma.




[i] A par dos municípios e das freguesias, a administração autárquica portuguesa integra ainda outras formas de organização, tais como: as comunidades intermunicipais de fins gerais, as associações de municípios de fins específicos, as grandes áreas metropolitanas, as comunidades urbanas, os serviços municipalizados e as empresas municipais e intermunicipais. Segundo o regente VASCO PEREIRA DA SILVA, há ainda uma outra autarquia criada pela Constituição, mas que nunca existiu nem provavelmente existirá nos tempos mais próximos: as regiões administrativas. Deve-se esclarecer ainda, já que o artigo será sobre os Municípios, uma única nota às freguesias: as freguesias são em Portugal um sub-departamento dentro dos municípios, e em Portugal há que distinguir as freguesias urbanas das rurais. As urbanas têm maior dependência do que as rurais. Isto porque nas rurais, há distância entre as freguesias e distância quanto às sedes dos respetivos municípios, e por isso é natural que os cidadãos tenham uma relação especial com o Presidente da Junta e com a Junta de freguesia e que haja departamentos do município a funcionar junto das freguesias para permitir que, do ponto de vista da aproximação do poder às populações, que os cidadãos possam resolver os seus problemas através da freguesia.

[ii] Existem atualmente em Portugal 308 municípios, dos quais 278 no continente e 30 nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
[iii] VASCO PEREIRA DA SILVA, aulas teóricas

[iv] Código de Procedimento Administrativo Anotado – Com Legislação Complementar, 4ªedição, 2003, Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Maria da Glória Dias Garcia, Pedro Siza Vieira, Vasco Pereira da Silva, Almedina

[v] A Lei nº75/2013 (LAL) e a Lei nº169/99 (parcialmente revogada pela LAL, mantém em vigor a parte relativa à constituição, composição e organização dos órgãos autárquicos) estabelecem respetivamente o quadro das atribuições e competências para as autarquias locais e as competências e regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.


Raquel Lourenço
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