A constituição da república portuguesa dedica o seu art.52º/3
à tutela dos designados interesses difusos ou fragmentados através da figura da
ação popular. Com esta consagração o legislador pretendeu conferir um
instrumento jurídico legítimo aos cidadãos na prossecução do interesse público.
Numa breve alusão
histórica ao instrumento da ação popular é de constatar que esta surge no
Direito Romano, como actio popularis,
uma figura que concedia, à época, legitimidade, a qualquer cidadão romano, para
instaurar processos que visassem a tutela dos interesses públicos. Ao mesmo
tempo esta era considerada uma faculdade de fiscalização cívica exercida
predominantemente no campo do direito penal contra delinquentes, porém também
foi exercida no campo do direito civil para defesa da liberdade ou aquando da
apropriação indevida, para proveito próprio, de bens públicos.
O direito da
ação popular está previsto, em Portugal, desde as Ordenações Afonsinas,
passando pela Carta Constitucional de 1826, pelo Código Administrativo de 1940,
pela Constituição de 1976 até por fim à lei nº 83/95 de 31 de agosto - Direito
de participação procedimental e de ação popular.
O
instrumento regulado pela lei nº 83/95 de 31 de agosto faz parte do conjunto de
prerrogativas que permitem o exercício da democracia participativa, é também
fração do grupo de direitos fundamentais estipulados na nossa constituição e é
um corolário consequente do Estado de Direito Democrático positivado no
art.20º/1 da CRP.
Carateristicamente
a ação popular concede legitimidade a um grupo bastante vasto de sujeitos
porque visa tutelar posições jurídicas materiais pertencentes a todos os
cidadãos, mas que, todavia, não são possíveis de apropriação individual. Ora
vejamos:
O CPA no seu
art.68º/2 confere um grau muito amplo de legitimidade para intervenção na
proteção de interesses difusos, desde logo porque concede essa capacidade a
todos os cidadãos e demais eleitores recenseados no território português
independentemente do tipo de relação e de interesse que interligue o cidadão e
o interesse difuso em causa.
No mesmo artigo a legitimidade de
proteção abrange também associações e fundações que representem os interesses
em causa, assim como também as autarquias locais tem legitimidade para intervir
na defesa dos interesses difusos circunscritos às respetivas áreas
territoriais. Verifica-se, portanto que não são apenas as pessoas físicas que
podem interceder pela proteção de interesses difusos, mas todos os sujeitos de
direito com condicionantes para as autarquias locais no âmbito do seu
território e para associações e fundações no que toca aos seus interesses.
O artigo 52º/3 da CRP permite a todos
os cidadãos portugueses, pessoalmente, ou através de associações de defesa o
direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei.
Por fim, a legitimidade para intervir
procedimentalmente através da ação popular também se encontra prevista no
artigo 2º da lei de Direito de participação procedimental e de ação popular o qual autoriza
quaisquer cidadãos, associações ou fundações e ainda as autarquias locais na
defesa dos interesses de que sejam titulares os residentes na respetiva área.
Pode ainda existir intervenção do Ministério Público no caso de desistência,
possuindo desta forma legitimidade superveniente conforme o disposto no artigo
16º da lei 83/95.
Mas colocam-se
as questões: o que são e quais são, exatamente, os interesses difusos?
O acórdão do
Tribunal Central
Administrativo Sul - Processo nº 02168 de 08 de fevereiro de 2006 definiu o
conceito de interesses difusos como “interesses
sem titular determinável, meramente referíveis na sua globalidade, a categorias
indeterminadas de pessoas (…)” quer isto dizer que o conjunto de interesses difusos apresenta-se sem
titular demarcado. No que diz respeito ao seu objeto também não se pode afirmar
que este esteja concretamente estipulado, não obstante a enumeração taxativa
presente no 52º/3 CRP: saúde pública, ambiente,
qualidade de vida, proteção do consumo de bens e serviços, património cultural
e domínio público.
Este elenco de interesses é composto
por conceitos muito abrangentes, esta caraterística aliada à densificação no
que toca às pessoas com capacidade para exercer o direito à ação popular faz
com que se criem situações onde não se encontra, de facto, a intenção de tutela
dos interesses difusos constitucionalmente protegidos.
É portanto necessário que, por um
lado, a legitimidade para exercer o direito à ação popular se torne mais
criteriosa, mais direcionada e melhor fundamentada, assim como é essencial ,
por outro lado, que exista um estudo sobre as verdadeiras motivações na
prossecução da tutela dos interesses difusos.
Bibliografia:
- MAIOR, Mariana Sotto - "O direito de ação popular na Constituição da República Portugues",Lisboa, 1998;
- O Ministério Público e a tutela dos interesses difusos na Comarca de Lisboa. Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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