sábado, 17 de dezembro de 2016

O CONCEITO PERDIDO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA

Sumário: I) Introdução; II). Características; III) Conceito; IV) Poderes de autoridade; V) Interesse Público; VI) Conclusão.

I) Introdução
O velho dilema do modo de agir administrativo encarna, nos nossos dias, visões distintas: uma corrente funda-se na concepção de que a Administração age sempre ao abrigo de poderes de autoridade e que a outra se alicerça na ideia de prossecução de interesse público[1].
Em primeiro lugar, em traços largos, percebemos que a função administrativa pode ser definida pela prossecução de tarefas (normas de atribuição) incumbidas ao Estado – sentido lato - pela Constituição ou no dizer do Professor Vieira de Andrade a função administrativa mais não é que a definição de princípios de elaboração de conceitos inovadores que se projectam e repercutem na vida dos cidadãos.

II). Características
Deste modo, a função administrativa tem um primeiro limite basilar a obediência à Constituição e à lei (art. 266º/2 CRP). Ao mesmo tempo a Administração está sujeita às decisões do poder judicial – também esta uma forma de jurisdicização – sendo as decisões dos tribunais vinculativas e prevalecendo sobre qualquer outra decisão ou actuação (art. 205º/2 CRP).
O Professor Paulo Otero[2] defende que a própria Administração vê consagrada na CRP uma reserva de função administrativa[3], uma faculdade em tudo semelhante à concedida aos Tribunais, A.R. e Governo.

III) Conceito
A função administrativa deve ser compreendida à luz do próprio sentido de Administração Pública, ou seja, uma actuação à luz de uma norma legal (sentido material), por meio de um órgão ou agente (sentido orgânico) que usa de poderes de autoridade para a decisão a tomar (sentido formal). À partida não haveria qualquer tipo de dúvida. Todavia, hoje em dia, a Administração assume comportamentos que não dizem directamente respeito às suas actividades específicas – essas actividades dizem respeito ao relacionamento com outras pessoas colectivas de domínio privado (Direito Publicizado de 2º grau) o que traduz uma descaracterização do sentido orgânico da administração.
O Professor Paulo Otero defende que o conceito deve ser definido não tendo em vista os critérios doutrinários, mas sim o raio de actuação e funcionalismo da Administração, a saber[4]: I) a função administrativa é o concretizar de toda a estrutura da Administração uma vez que esta envolve a satisfação de todas as necessidades colectivas[5] e não se confunde e consubstancia com os outros poderes – legislativo e judicial; II) As necessidades colectivas a prosseguir tem sempre a sua base num acto jurídico-público (lei ou Constituição)[6] que visa a obediência do interesse público e ao primado do Estado de Direitos Humanos perfeitos; III) a concretização de cinco tarefas essenciais: ordenação da vida social, garantia de ordem e segurança pública, prestações sociais, recursos financeiros e gestão de recursos humanos e materiais; IV) prática continua e continuada de actos e operações materiais de forma a que a sociedade se mantenha num harmonioso funcionamento.
Assim, a função administrativa acaba por ser toda a acção de concretização das tarefas a prosseguir pelo Estado, Bernardo Ayala, afirma mesmo que “a prossecução do interesse público é o fim último de qualquer acto da Administração; mais, é o fim último da própria função administrativa e, mesmo, dos outros poderes do Estado.[7]

IV) Poderes de autoridade
Os poderes de autoridade[8] eram uma imagem indissociável da Administração bastando lembrar o contexto anterior à Revolução Francesa. Todavia, é inegável que a própria Administração tenha posto de parte tal característica basta relembrar a ideia de uma Administração Agressiva que ainda hoje se mantém (Finanças e ASAE). Os poderes de autoridade são uma consagração de independência, soberania e segurança. Em certas matérias a actuação pública não pode ser concertada exigindo-se uma actuação unilateral por parte da Administração.

V) Interesse Público
O interesse público muitas vezes é prontamente identificado como a vontade do legislador e tal afirmação superficialmente acaba por ser verdade. Todavia, devemos ter em conta que o modo de agir da Administração é norteado e orientado pela participação, concertação e cooperação dos particulares. O Estado de Direito-Democrático traz a ideia de democracia participativa no qual a Administração Pública procura convencer, num gesto de absorção da vontade dos particulares - a Administração procura chamar a si o particular, em determinado momento, são exemplos disso mesmo a consulta pública, a audiência prévia dos interessados, acordos endoprocedimentais e contratos substitutivos de decisão unilateral – e a sua exclusão representa um vício de forma por preterição de procedimento. O interesse público resulta assim do clima de participação democrática quer por meio dos deputados eleitos quer pelo princípio da participação dos particulares num determinado procedimento administrativo.
Em segundo lugar, incorporamos na função administrativa entidades administrativas privadas desde que: estas preconizem o interesse público ou gozem de poderes de autoridade sem carácter de permanência. Ao mesmo tempo sociedade concessionárias, cooperativas e pessoas colectivas de utilidade pública são integradas no exercício da mesma função por prosseguirem tarefas de interesse público – são exemplos das realidades acima descritas as IPSS e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. As atribuições do Estado complementam-se nestas instituições no qual, à partida, consoante a sua actividade se guiam pelos mesmos parâmetros da Administração.

VI) Conclusão
O problema levantado é muito complexo o próprio CPA no seu artigo 2º/1 “reflecte um modo de ver genérico sobre como se exerce a função administrativa”[9] sendo o critério meramente funcional. Mais, na obra as “Questões Fundamentais para a Aplicação do CPA” diz-se que a definição de função administrativa é inútil porque a problemática advém da própria criação do Direito Administrativo – estamos perante um problema ontológico que condiciona a qualificação e classificação da própria existência do Direito Administrativo.

Maria Matos de Almeida,
Nº 28553




[1] O Professor Gomes Canotilho na sua anotação à Constituição concluí que a figura do “interesse público acaba por ser uma expressão pouco usada, de resto, na Constituição (269º/1) mas que tem equivalentes noutras formas como interesse geral (cfr. Arts. 52º-1, 65º-2/c  e 81º/f), interesse colectivo (cfr. Art 47º-1), utilidade pública, etc. – é um momento teleológico necessário de qualquer actividade administrativa: as autoridades pelos direitos dos cidadãos implica também a existência de garantias procedimentais que substancializem a posição do sujeito dos particulares nos complexos processos de comunicações …” (CANOTILHO, Gomes, MOREIRA, Vital, Constituição da Republica Portuguesa Anotada, p. 795)
[2] OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Almedina, 2013, p.181
[3] O Ac. nº 461/ 87 do TC, de 16 de Dezembro, reconhece e sustenta a posição do Paulo Otero na medida em que reconhece uma faculdade de desenvolvimento e conformação da actividade administrativa,
[4] Ibidem, p. 184-185
[5] O Professor Regente, Vasco Pereira da Silva, vem chamando inúmeras vezes, em aulas plenárias, o papel da subjectivação de direitos em que o particular apresenta uma pretensão (pedido) à Administração, uma vez que possuí um título (norma legal) e o uso desse título mais não é que um direito subjectivo a ser invocado que poderá desencadear uma reacção favorável ao pedido – neste ponto o particular vê o seu interesse legalmente protegido a ser concretizado.
[6] É possível retirar da CRP normas de competência e de atribuição de forma directa. Veja-se por exemplo o art. 66º/2/c da CRP (norma de competência)
[7] AYALA, Bernardo Diniz, O (Défice de) Controlo Judicial da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lex, Lisboa, 1995, p. 194.
[8] O Professor Pedro Gonçalves define o poder público de autoridade como o “poder estabelecido por uma norma jurídica de direito público (poder normativo), conferido a um sujeito para, unilateralmente, no desempenho de funções administrativas, editar regras jurídicas com eficácia externa imediata na esfera jurídica de terceiros, produzindo, por consequência, declarações com força especial e podendo ser usados meios de coacção sobre coisas ou pessoas.” GONÇALVES, Pedro, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, p. 597-611
 [9] PINHEIRO, Alexandre Sousa et al, Questões Fundamentais para a Aplicação do CPA, Almedina, Coimbra, 2016, p. 69

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Estado Social como Estado de Administração




Estado Social como Estado de Administração


Com o Estado Social nasce uma nova Administração, a chamada Administração prestadora. Uma Administração que se concentra prioritariamente na satisfação das necessidades da sociedade e dos cidadãos. Uma Administração cujo o fim não é somente o seu interesse mas sim a reserva e o respeito os direitos dos particulares.

Nos finais do séc . XIX o Estado começa a ser chamado a desempenhar novas funções com carácter diferente do politico. Como as funções de carácter social e publico. Ocorre uma necessária intervenção do Estado na vida económica dos cidadão de modo a acabar com a pobreza da classe operaria. No entanto este novo modelo não teve a mudança de um dia para o outro mas sim foi um percurso longe e demorado. O professor Vasco Pereira da Silva distingue as “ 3 fases do Estado Social”.

A primeira fase,  é denominada como a fase da intervenção estadual na regulação do trabalho. Surgem assim  as primeiras leis do trabalho, a criação de seguros de saúde e das reformas. Na Europa estas inovações chegaram no inicio do séc. XX.

A segunda fase do Estado Social, foi a chamada fase de intervenção generalizada do Estado. Nesta fase a sua intervenção deu se maioritariamente na economia como resposta as exigências da 1º Guerra Mundial.

Por fim, a última fase, a fase do auge do Estado Social, onde surge um estado prestador da sociedade. Fase esta que se deu no fim da 2º Guerra Mundial.

Neste novo modelo de Estado houve duas grande mudanças, por um lado houve a enfatização das funções tradicionais do Estado como a policia, a defesa e todas as outras já assumidamente tidas pelo modelo de Estado anterior. Para alem desta mudança houve a criação de novas funções nos âmbitos sociais e políticos. Houve um grande “crescimento qualitativo e quantitativo das funções” desempenhadas pelo Estado. Qualificativo na medida da primeira transformação e quantitativo em relação a segunda transformação, ao aumento do número de funções do Estado.

O Estado Social passa a sim a ser considerado como Estado prestador, pois quando toma novas funções a desempenhar, visa melhorar vários aspectos na sociedade como o desenvolvimento de vários serviços económicos e sociais, a criação de controlo e legislação para determinadas matérias e como a circulação e a protecção do ambiente. Há um grande melhoramento no que diz respeito a serviços públicos e a serviços sociais.  O pacto social assume uma nova dimensão, um “novo contrato social que as nossas sociedades propõem aos cidadãos e que as transforma em sociedades seguradoras” (F. Ewald). 

Com o novo Estado prestador surge então a Administração prestadora, que por sua vez passa a ser a figura principal do Estado. Esta nova administração já não visa apenas atacar os particulares mas sim zelar pelos seus interesses e pelo bem estar da sociedade como o modelo de Estado onde se enquadra.



Isabel Gonçalves Vilaça, nr 28543


PEREIRA DA SILVA,Vasco. Em busca do Ato Administrativo Perdido.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Parecer do Ministério das Finanças face ao caso Caixa Geral de Depósitos


Atendendo às circunstâncias pelas quais a Caixa Geral de Depósitos (que daqui adiante será entendida como CGD) está a passar, o Ministério entende como imperativo a transformação numa nova entidade.

Actualmente, a Caixa Geral de Depósitos é uma Sociedade Anónima de capitais exclusivamente públicos, pelo que o Estado detém 100% do seu capital, sendo, desta forma, o único accionista. Trata-se, portanto de uma empresa pública, regulada pelo DL nº133/2013 de 3 de Outubro.

Analisemos as propostas formuladas: conversão numa Entidade Pública Empresarial (EPE) ou numa Sociedade Anónima de Capitais Mistos.

Analisando, primeiramente, a CGD como uma Entidade Pública Empresarial e tendo em conta a lei portuguesa, podemos afirmar que uma empresa pública é uma organização económica de fim lucrativo, criada e controlada por entidades públicas. Assim, são consideradas empresas públicas as entidades públicas empresariais, sendo estas definidas como “as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para a prossecução dos seus fins” (artigo 56º do decreto-lei nº133/2013). Consequentemente, os capitais desta empresa são considerados exclusivamente públicos e, haveria tutela e superintendência em relação ao Estado, visto que, como EPE, a CGD iria inserir-se na administração indireta do Estado.

Com isto, o seu regime jurídico encontra-se nos artigos 56º e seguintes do decreto-lei nº133/2013, de 03 de Outubro, dominando uma posição-chave no sector bancário.

Como tal, a CGD remontaria para um importante papel na prossecução do interesse público pelo facto de conceder crédito às empresas e famílias, potenciando o desenvolvimento da economia e o crescimento das pequenas e médias empresas, ou ainda, pelo facto de, como banco público, inspirar confiança ao cidadão, como entidade garantidora. Para além do que foi dito, esta estaria ainda sujeita ao controlo jurisdicional do Tribunal de Contas, uma vez que é uma empresa pública, e por isso zelaria por princípios como a segurança jurídica, pela transparência financeira (artigo 16º do DL nº 133/2013) e pelo controlo da legalidade.

Contudo, também susceptível de ser dito que este modelo também assumia uma desvantagem relevante, pois poderia comprometer a deficiência da principal função do banco, o desenvolvimento da economia e a maximização do output através da falta de celeridade exigida para um banco que visa lucrar.

Não obstante, concordamos com o grupo da EPE em relação ao facto de que a privatização ocorre como uma optimização possível dos inputs da CGD. Porém, nada disso poderia beneficiar o Estado uma vez que os privados poderiam simplesmente ver o Estado como garante em que qualquer investimento sem sucesso o Estado serviria de financial safety net. E a completa privatização levaria o nosso país a uma fragilidade estando um importante sector financeiro do país nas mãos dos mercados financeiros ocorrendo aquilo a que o Professor Melo Alexandrino chama de neo-feudalização.


Analisemos, agora, a proposta de conversão numa Sociedade Anónima de capitais mistos.
Em primeiro lugar, apresentamos, em traços gerais este modelo, o qual se insere no sector público empresarial do Estado e aplica-se o Decreto-lei nº 133/2003, de 03 de Outubro. A criação de empresas públicas carece de autorização dos membros do Governo responsáveis pelo sector da actividade e pelas finanças, conforme dispõe o art.º 10º/1 do DL supra mencionado. As empresas públicas regem-se pelo Direito privado; estão vinculadas ao princípio da transparência financeira, nos termos do artigo 16º; o controlo financeiro deste tipo de empresas é exercido pelo Tribunal de Contas, ao abrigo do art.º 26º. As empresas públicas têm de respeitar a missão e os objectivos que lhe são vinculados de acordo com o art.º 43º: estão sujeitas aos princípios orientadores da prestação de serviço público ou de interesse económico geral, conforme dispõe o art.º 55º.

Apresentamos as características que, no nosso entender, traduzem as vantagens deste modelo:

O Estado continua a exercer a influência dominante, nos termos do art.º 9º/1 do DL nº 133/2003, de 03 de Outubro, isto se seguirmos a proposta de nomeação de 6 membros para o Conselho de Administração, sendo que um deles assume a função de presidente tendo a competência para decidir no caso de empate. O facto de o Estado continuar a exercer um papel preponderante na CGD assegura o interesse público, beneficiando os contribuintes.

Existindo a necessidade de recapitalização da CGD, o Estado apenas tem de despender de metade do capital, o que favorece os contribuintes.

Tornando a CGD numa Sociedade Anónima de capitais mistos, o Estado tem de vender as participações sociais a particulares, o que vai gerar receitas elevadas, contribuindo, deste modo, para o equilibro das contas do Estado.

O facto de o Estado não ser o único accionista faz com que não esteja tão exposto ao risco e, nesse sentido são salvaguardados os interesses dos contribuintes. No caso de surgirem prejuízos, estes serão divididos pelos diversos accionistas.

Apresentadas estas características, o Ministério das Finanças considera que este modelo é o mais vantajoso para a Caixa Geral de Depósitos, na medida em que releva o interesse público - característica que, no nosso entender, assume uma importância fundamental - favorece os contribuintes e contribui de forma significativa para a sustentabilidade do Estado.

Ana Patrícia Gonçalves - 26100
Madalena Rosado - 28141
Patrícia Martins - 28082
Pedro Caeiro - 26716





OS MUNICÍPIO EM PORTUGAL

A expressão autarquias locais é um conceito genérico para referir a Administração autónoma local. Há dois tipos de autarquias locais: o município e a freguesia. [i]

«As autarquias locais são todas pessoas coletivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em diversas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança mediante órgãos próprios, representativos dos respetivos habitantes.» (MARCELLO CAETANO)

Comparativamente a outros sistemas europeus, o regime das autarquias locais é em Portugal muito simples, devido essencialmente a dois fatores: por um lado, é uniforme para todo o país e, por outro lado, é um sistema de estrutura historicamente consolidada.[ii] Já o Prof. Vasco Pereira da Silva dizia a nós, seus alunos, o seguinte: “Se pensarmos naquilo que já existia antes da própria fundação da nacionalidade, existia algo que correspondia a autarquias locais, algo que correspondia a formas autónomas de organização com uma realidade feudal, e que portanto se impôs ao próprio rei e ao próprio Estado unificado do século XII – porque a Idade Média em Portugal também vai durar mesmo depois do surgimento do Estado português. A lógica corresponde ao exercício de atribuições próprias por forma própria das autarquias.”

«As autarquias locais são entidades que têm um substracto não apenas populacional, mas também territorial, porque aquilo que caracteriza é o facto de estarem instaladas num determinado território e corresponderem a uma agregação de pessoas exercem a função administrativa dentro desse território»[iii], têm ainda órgãos representativos próprios e fins múltiplos («interesses próprios, comuns e específicos das respetivas populações»).

Os interesses comuns das populações da autarquia são interesses locais. Os interesses comuns das autarquias inferiores cedem perante os interesses comuns das autarquias superiores e estes cedem perante os interesses da Região (no caso português das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira) e do Estado. No entanto, os interesses locais podem coincidir com os interesses nacionais, não sendo necessariamente contrários àqueles.

O artigo 1º/2/c) do antigo CPA afirma que não podem as autarquias locais pretender afastar a aplicação do CPA, sob pretexto de que há normas diferentes na LAL: as normas desta sobre matérias ali reguladas, e relativamente às quais falte a ressalva atrás referida, têm de considerar-se revogadas pelo CPA, que prevalece sobre a LAL e passa a aplicar-se de modo uniforme a todos os órgãos da Administração Pública portuguesa.[iv]

As autarquias têm pessoal, património e finanças próprias, dispõem de poder regulamentar próprio e estão sujeitas à tutela (de legalidade) do Estado. A sua gestão compete aos respetivos órgãos. Por essa razão, a tutela do Estado sobre a gestão patrimonial e financeira dos municípios e das freguesias é meramente inspectiva e só pode ser exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei.
A existência de autarquias locais pressupõe a existência de órgãos representativos próprios, eleitos (livremente) pelas respetivas populações.

A dissolução dos órgãos autárquicos diretamente eleitos só pode basear-se em ações ou omissões ilegais graves (por exemplo, situações comprovadas de corrupção). Por outro lado, as autarquias locais têm quadros de pessoal próprios, aos quais se aplica, no geral, o regime jurídico dos funcionários e agentes do Estado. Em Portugal o Estado tem o dever de apoiar tecnicamente as autarquias. É permitido o referendo local sobre matérias da competência exclusiva de autarquias, desde que por voto secreto. As assimetrias entre as autarquias são corrigidas através das finanças locais.

O Município é a autarquia local que visa a prossecução dos interesses próprios da população residente na área do seu território, através dos seus órgãos representativos próprios.
Em Portugal, a criação ou extinção das autarquias locais é da competência da Assembleia da República, salvo no caso das autarquias situadas nas Regiões Autónomas. Porém, são da competência exclusiva dos municípios os investimentos públicos em diversos domínios. [v]
O município é uma pessoa coletiva pública, de população e território, dotada de órgãos próprios. Os órgãos dos municípios são representativos das populações municipais, residentes no respetivo território. São eleitos em eleições livres, democráticas e periódicas (cada 4 anos).


Os órgãos do município são a Assembleia Municipal, a Câmara Municipal (órgão executivo colegial) e o Presidente da Câmara Municipal (órgão executivo singular, por deter diversas competências próprias).
 A Assembleia Municipal toma as grandes decisões de fundo e marca a orientação a seguir pelo município. Exerce também uma função de controlo da atividade da Câmara e do seu Presidente, que por seu turno seguem as orientações gerais definidas pela Assembleia Municipal, executam as suas deliberações e procedem à gestão corrente do município. A Assembleia Municipal é constituída pelos presidentes das juntas de freguesia e por membros, eleitos pelos eleitores do município. A Assembleia Municipal tem cinco sessões ordinárias por ano: em fevereiro, abril, junho, setembro e novembro ou dezembro (artigo 27º da LAL). Compete-lhe, fundamentalmente: (1) uma função de orientação geral do município e de fiscalização da Câmara Municipal; (2) uma função de regulamentação (aprovar regulamentos); uma função tributária (lançar taxas e derramas); (3) e uma função de decisão superior (deliberar sobre os assuntos mais importantes e autorizar a Câmara a deliberar sobre certos assuntos importantes).

A Câmara Municipal é composta pelo Presidente da Câmara e pelos vereadores (termo técnico por que deverão ser conhecidos todos os membros da Câmara, com exceção do seu presidente). A Câmara Municipal está em sessão permanente, reunindo ordinariamente uma vez por semana, salvo se ela própria decidir que reunirá uma vez de quinze em quinze dias. Poderá haver reuniões extraordinárias. A Câmara Municipal tem quatro tipos de funções: preparatória, executiva, de gestão e de decisão.

O Presidente da Câmara possui uma vasta competência executiva. É o verdadeiro líder da administração municipal. Detém três tipos de funções: função presidencial, que consiste em convocar e presidir às reuniões da Câmara e em representar o município em juízo e fora dele; função executiva, que lhe permite executar as deliberações tomadas pela própria câmara; e função decisória, pela qual dirige os serviços municipais e exerce todas as competências que a lei lhe atribui diretamente ou que a câmara lhe delega.

Posição de relevo na Administração municipal portuguesa é ocupada pelos serviços municipais e pelos serviços municipalizados.
Os serviços municipais não dispõem de autonomia e são diretamente geridos pelos órgãos do município. São serviços municipais em sentido estrito: a secretaria da câmara, a tesouraria, os serviços especiais (como os partidos médicos, os partidos veterinários), os serviços de incêndios, os serviços de polícia municipal, e de guardas campestres e outros serviços.
Os serviços municipalizados gozam de organização autónoma dentro da administração municipal, estando a sua gestão entregue a um conselho de administração privativo. Trata-se de verdadeiras empresas públicas municipais integradas no município, embora não tenham personalidade jurídica.
A lei prevê ainda a possibilidade de constituição de comunidades intermunicipais, as quais são pessoas coletivas de direito público, criadas por vários municípios para a realização de interesses comuns.


A tutela sobre as autarquias (Lei nº27/96, de 1 agosto, sobre tutela administrativa)
A tutela do Estado sobre as autarquias locais tem em vista, fundamentalmente, fiscalizar a legalidade da sua atuação. Em Portugal, a tutela do Estado sobre as autarquias locais é exercida pelo Governo, através do Ministro das Finanças.
A tutela do Estado sobre as autarquias locais é, no âmbito da sua autonomia, sempre e apenas de legalidade. A tutela administrativa (em geral) consiste nos poderes que uma pessoa coletiva pública (entidade tutelar) tem de interferir na gestão de outra pessoa coletiva pública (entidade tutelada, neste caso uma autarquia local), com vista a assegurar a legalidade (tutela de legalidade) e o mérito (tutela do mérito) da sua atuação (fora do âmbito da autonomia das autarquias locais). Trata-se de um poder de controlo.
O regime jurídico da tutela administrativa apresenta as seguintes características: a) a tutela não se presume (só existe quando a lei a prevê e nos limites estritos da previsão); b) entre o Estado e as autarquias locais apenas existe a tutela da legalidade (porque assim o exige o Estado de direito democrático – existência de um verdadeiro poder local autónomo); c) os atos de tutela não podem ser administrativa e contenciosamente impugnados pela entidade tutelada.
Os membros dos órgãos autárquicos eleitos estão sujeitos à sanção de “perda de mandato”, se em relação a eles se provar que cometem determinadas ilegalidades. Por outro lado, qualquer órgão colegial autárquico pode ser dissolvido, cessando assim o mandato de todos os seus membros, quando lhe sejam imputadas e provadas ações ou omissões ilegais graves.


Conclusão
A perspetiva de município é a de uma administração mais próxima da população, prestadora de serviços como garante de assegurar interesses próprios, comuns e específicos das respetivas populações. Deixo uma impressão futura: em breve, as eleições municipais de 2017. E tal como o Professor Vasco Pereira da Silva refere: há verdadeiramente toda uma lógica da conquista do poder ao nível autárquico, em termos de realidade politica. O que está em causa tem a ver com uma entidade que é distinta do Estado e que se auto-organiza, e portanto, devemos ter em conta uma entidade distinta que exerce atribuições que lhe são próprias e que por isso se integra na chamada Administração Autónoma.




[i] A par dos municípios e das freguesias, a administração autárquica portuguesa integra ainda outras formas de organização, tais como: as comunidades intermunicipais de fins gerais, as associações de municípios de fins específicos, as grandes áreas metropolitanas, as comunidades urbanas, os serviços municipalizados e as empresas municipais e intermunicipais. Segundo o regente VASCO PEREIRA DA SILVA, há ainda uma outra autarquia criada pela Constituição, mas que nunca existiu nem provavelmente existirá nos tempos mais próximos: as regiões administrativas. Deve-se esclarecer ainda, já que o artigo será sobre os Municípios, uma única nota às freguesias: as freguesias são em Portugal um sub-departamento dentro dos municípios, e em Portugal há que distinguir as freguesias urbanas das rurais. As urbanas têm maior dependência do que as rurais. Isto porque nas rurais, há distância entre as freguesias e distância quanto às sedes dos respetivos municípios, e por isso é natural que os cidadãos tenham uma relação especial com o Presidente da Junta e com a Junta de freguesia e que haja departamentos do município a funcionar junto das freguesias para permitir que, do ponto de vista da aproximação do poder às populações, que os cidadãos possam resolver os seus problemas através da freguesia.

[ii] Existem atualmente em Portugal 308 municípios, dos quais 278 no continente e 30 nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
[iii] VASCO PEREIRA DA SILVA, aulas teóricas

[iv] Código de Procedimento Administrativo Anotado – Com Legislação Complementar, 4ªedição, 2003, Diogo Freitas do Amaral, João Caupers, João Martins Claro, João Raposo, Maria da Glória Dias Garcia, Pedro Siza Vieira, Vasco Pereira da Silva, Almedina

[v] A Lei nº75/2013 (LAL) e a Lei nº169/99 (parcialmente revogada pela LAL, mantém em vigor a parte relativa à constituição, composição e organização dos órgãos autárquicos) estabelecem respetivamente o quadro das atribuições e competências para as autarquias locais e as competências e regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias.


Raquel Lourenço
28 132

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O Futuro da Caixa Geral de Depósitos: a transformação em Sociedade de Capitais Mistos



     No âmbito da unidade curricular de Direito Administrativo I foi-nos proposta uma simulação pelo Professor Vasco Pereira da Silva, de modo a consolidar os conhecimentos adquiridos ao longo do semestre. A simulação em questão incide sobre o tema da ordem do dia: a atual situação da CGD.
  De entre vários modelos, à partida possivelmente defensáveis para o futuro do único banco público em Portugal, escolhemos transformar a Caixa Geral de Depósitos (CGD) numa sociedade anónima de capitais mistos, posição que nos parece a mais favorável, na medida em que representa um meio-termo entre o interesse público e a despesa pública do Estado.

     A Administração Pública é composta por Pessoas Colectivas Públicas e Privadas; divide-se em Administração do Estado, Autónoma e Independente. A administração central do Estado desdobra-se em administração directa e indirecta. Na administração directa encontra-se a administração Central e Periférica. É importante ter em conta que nesta o governo exerce poderes de direcção. Já em relação à administração indirecta, pode ser sobre forma pública ou privada, exercendo o Governo poder de superintência e tutela.
    Para o nosso trabalho releva a forma privada, que se distingue em entidades privadas de tipo empresarial e entidades privadas de tipo não empresarial. O caso em questão incide sobre as entidades privadas de tipo empresarial (empresas publicas), constituídas por sociedades de capitais integralmente públicos, sociedades de capitais maioritariamente públicos e empresas sujeitas a outras formas de influência dominante.
    A Caixa Geral de Depósitos é um banco público instituído pelo Estado, com capitais públicos e sujeito a controlo e gestão de carácter público. Contudo, tem personalidade jurídica não pública, sendo sujeita a regras privadas. Consequentemente criam-se conflitos entre a comunicabilidade entre normas públicas e privadas.


História da Caixa Geral de Depósitos

      Dom Luiz, por Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves concedia no Paço em dez de abril de mil oitocentos e setenta e seis a Carta de lei onde é criada uma caixa geral de depósitos que será administrada nos termos desta lei, ficando o seu edifício sede na rua de Calhariz. Antes mesmo da conceção da Carta, os objetos e valores eram detidos e recebidos tendo por ordem o princípio da justiça, sendo este inicialmente um dos objetivos da Caixa.

     Os nomes associados ao nascimento da nova instituição são, juntamente com o monarca: Mariano de Carvalho, Serpa Pimentel (Ministro da Fazenda) e Fontes Pereira de Melo presidente do 34º Governo Constitucional.
     As linhas institucionais da Caixa foram de origem nacional, falando-se neste caso das Juntas do Depósito de Lisboa e do Porto e a nível internacional a Caisse des Dépôts et Consignations francesa, fundada em 1816, e a Caisse Générale d'Épargne et de Retraite belga, criada em 1865.
     A primeira administração da Caixa ficou encarregue há Junta do Crédito Público que prosseguia o processo relativo ao pagamento dos fundos da dívida pública e há amortização dos mesmos. Em 1896, ganha autonomia em relação há Junta do Crédito Público sendo que desta forma passou a denominar-se Caixa Geral de Depósitos e Instituições de Previdência, abrangendo, então, a Caixa Geral de Depósitos, a Caixa Económica Portuguesa, a Caixa de Aposentações e o Monte de Piedade Nacional. Contudo, após sucessivas mudanças na sua estrutura institucional e no seu âmbito e objeto, a reforma de 1918, sob assinatura de Sidónio Pais, leva a que se passe a designar apenas de Caixa Geral de Depósitos (CGD).
     Em 1929, com António de Oliveira Salazar, no cargo de Ministro das Finanças, ocorre uma nova mudança, na qual a CGD passa a denominar-se de Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, englobando, de forma anexa, a Caixa Nacional de Previdência e a Caixa Nacional de Crédito, administradas pela instituição antes referida.
A Caixa Nacional de Previdência tem no seu domínio todos os serviços de aposentações, reformas, montepios e outros que lhe viessem a ser adstritos. A primeira instituição a ser criada e integrada na Caixa Nacional de Previdência foi a Caixa Geral de Aposentações, que aglomerou todos as funções de diversas instituições de previdência, as quais foram individualmente extintas. A Caixa Nacional de Crédito concentrava em si todos os sistemas e operações do Estado que respeitassem ao crédito agrícola e industrial, entre outras atividades de crédito concedido e quaisquer outras operações de crédito de conta do Tesouro. A estrutura da instituição e o seu objeto foram profundamente revolucionados com a reforma que teve lugar quarenta anos depois.
     Em 1969, a CGD transformou-se em empresa pública, deixando de ser um serviço público. A denominada Lei Orgânica, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 48 953, de 5 de Abril de 1969, sob assinatura de Marcelo Caetano, alterou o enquadramento jurídico da CGD conferindo-lhe uma estrutura verdadeiramente empresarial. A nova empresa pública deve proceder há administração dos serviços públicos e autónomos de previdência e do exercício das funções de crédito. Na sua organização são elaboradas diversas alterações. Os seus estatutos continuam a ser de Direito Público, mas são modificados na parte respeitante ao crédito. A administração central pode organizar os serviços e aprovar os regulamentos. A sua gestão encontra-se dividida entre: gestão financeira e gestão orçamental. Os seus trabalhadores continuam a ser considerados como funcionários públicos, no entanto os seus salários devem ser atendidos ao panorama bancário nacional.
     A Caixa Nacional de Crédito é incorporada na Caixa Geral de Depósitos e as instituições anexas passam a ser apenas a Caixa Geral de Aposentações e o Montepio dos Servidores do Estado, sob a designação de Caixa Nacional de Previdência.
     A mudança mais recente na história da CGD dá-se em 1993, ano que se tornou uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Denomina-se de Caixa Geral de Depósitos, S.A., e rege-se pelas mesmas normas das empresas privadas do sector de atividade em questão. Esta mudança foi determinada pelas modificações operadas no sistema financeiro português e no circunstancialismo interno e externo em que a instituição exerce a sua atividade, com particular destaque para a integração de Portugal nas Comunidades Europeias e para o chamado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
     Esta reforma procede o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n° 298/92, de 31 de Dezembro, que equiparou a Caixa Geral de Depósitos aos bancos no que respeita às atividades que está autorizada a exercer. O seu objeto é o exercício da atividade bancária nos mais amplos termos definidos por lei e os serviços bancários cuja prestação a CGD deve assegurar legalmente ao Estado são efetuados sem prejuízo das regras da concorrência e do equilíbrio da sua gestão. Deixa de existir, por completo, instituições anexas, procedendo-se à separação entre a Caixa Geral de Depósitos e a Caixa Geral de Aposentações, que passa a integrar o Montepio dos Servidores do Estado. Os trabalhadores ficam sujeitos, genericamente, ao Regime do Contrato Individual de Trabalho. Desta forma, é enaltecida a natureza de banco universal e plenamente concorrencial, sem prejuízo da especial vocação que tem enquanto instituição pública.
A estratégia de ação da CGD continua, portanto, a ter como referências fundamentais a eficácia e a inovação, ao serviço das famílias, das empresas e das instituições, para um crescimento e desenvolvimento sustentado.


O atual modelo de Gestão da Caixa Geral de Depósitos

     Atualmente quando se fala da Caixa Geral de Depósitos, S.A., é necessário ter a consciência que se trata de uma empresa com um capital social de 5 900 000 000, 00 € e que se encontra estruturada em mais de 40 órgãos, entre Assembleia Geral, Conselhos, Comissões, Secretarias, Gabinetes, Direções, que estão, portanto, na base orgânica de funcionamento da CGD. É uma instituição que concretiza a sua proximidade em 720 balcões cativos e, no que respeita ao total do Grupo CGD, o número de balcões abertos sobe para os 1212. Por todo o mundo, contam-se mais de 4 milhões de clientes. Já no que se refere ao número total de trabalhadores do Grupo CGD, o banco público tem, de momento, 9489 trabalhadores. A CGD é uma instituição bancária com mais de mil milhões de euros de produto bancário. E é, além disso, um banco que tem mais de 70 mil milhões de euros depositados junto da sua instituição e que mobiliza outros cerca de 70 mil milhões de euros em crédito concedido. É considerado, nos dias de hoje, o maior grupo financeiro de Portugal.
     A CGD é estruturalmente uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, pelo que o Estado detém 100% do seu capital, sendo desta forma o único acionista. Assim sendo, trata-se de uma empresa pública [1] e que portanto se regula pelo regime do sector público empresarial (DL nº133/2013 de 3 de Outubro), factos que resultam aliás do disposto no art.1º dos Estatutos da CGD. Defende aliás o professor Vasco Pereira da Silva nesta linha que: “A CGD é um banco público, é uma entidade instituída pelo Estado, com capitais públicos, com controlo público, com uma realidade que corresponde a uma gestão de carácter público. No entanto tem uma personalidade jurídica não pública, portanto está submetida no quadro da sua atuação a regras que são regras idênticas às de qualquer sujeito privado.”; ora estas regras de direito privado referem-se por exemplo ao facto de a CGD se reger por regras de Direito Comercial.
    Como consta do relatório de contas de 2015, a CGD tem como missão: “procurar consolidar-se como um Grupo estruturante do sistema financeiro português (…) na sua contribuição para:
• o desenvolvimento económico;
• o reforço da competitividade, capacidade de inovação e internacionalização das empresas portuguesas; 
• apoio ao processo de recapitalização das empresas portuguesas;
• fomento da poupança nacional;
• contributo para a estabilidade e solidez do sistema financeiro nacional.”

     E embora estes sejam apenas alguns dos objetivos apresentados pela CGD, se pensarmos na realidade económico-financeira desta entidade que pertence à Administração Indireta do Estado, concluímos que para além de neste momento não estar a contribuir para a estabilidade e solidez da banca nacional, está a sofrer um processo de recapitalização e que implicará a utilização de dinheiros públicos. Tendo em conta este mesmo problema e até a recente polémica relativa ao aumento dos salários dos gestores do grupo e a não entrega de declaração de rendimentos por parte destes, e que leva à falta de controlo por parte dos tribunais, leva-nos a sugerir um outro modelo para a gestão da CGD.
     A alteração do modelo de gestão permitiria resolver problemas como o referido relativamente ao aspeto do pagamento dos gestores e acerca do qual o Governo tentou criar um regime excecional relativo à CGD, mas que levanta muitas dúvidas relativas à sua constitucionalidade, visto esta ser uma entidade que possui o seu regime geral. É de referir que a CGD, não possui atualmente património próprio para resolver o atual problema financeiro (daí a necessidade de recapitalização anunciada).

Análise ao Regime Jurídico do Sector Público Empresarial 
(decreto-lei nº 133/2013)

Perante estes conflitos vamos proceder a uma tentativa de enquadrar a CGD numa sociedade de capitais mistos. Uma sociedade de capitais mistos é uma empresa que resulta da conciliação entre o Estado e entidades privadas. 
O regime jurídico do sector público empresarial, em que nos vamos basear para proceder ao enquadramento referido supra, é regulado no DL nº 133/2013,03 de Outubro.
O artigo 1º do Decreto-lei refere o objecto do referido diploma. Como tal, estas regras aplicam-se ao sector público empresarial. 
Já o artigo 2º dispõe que o sector público empresarial incide sobre o sector empresarial do Estado e sobre o sector empresarial local. O nº2 do mesmo artigo diz-nos que o sector empresarial do estado integra as empresas públicas e as empresas participadas.
O artigo 3º amplia o regime de aplicação, referindo que também se aplica “a todas as organizações empresariais que sejam criadas, constituídas, ou detidas por qualquer entidade administrativa ou empresarial pública, independentemente da forma jurídica que assumam e desde que estas últimas sobre elas exerçam, directa ou indirectamente, uma influência dominante.”
As empresas públicas são organizações empresariais que se constituem sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada, em que o estado ou outras entidades exercem influência dominante, segundo o disposto no artigo 5º. O objecto social destas é a actividade económica (artigo 6º).
O artigo 9º dispõe que as empresas públicas (artigo 3º e 5º) exercem influência dominante quando:
a)      “ Detenham uma participação superior à maioria do capital;
b)      Disponham da maioria dos direitos de voto;
c)      Tenham a possibilidade de designar ou destituir a maioria dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização;
d)       Disponham de participações qualificadas ou direitos especiais que lhe permitam influenciar de forma determinante os processos decisórios ou as opções estratégicas adoptadas pela empresa ou entidade participada ”.
Quando não existe influencia dominante (artigo 9º) é aplicável o disposto no artigo 7º, referente às Empresas participadas.
O artigo 7º refere que as empresas participadas são “todas as organizações empresariais todas as organizações empresariais em que o Estado ou quaisquer outras entidades públicas, de carácter administrativo ou empresarial, detenham uma participação permanente, de forma directa ou indirecta, desde que o conjunto das participações públicas não origine influência dominante nos termos do artigo 9.º”.
Quanto à constituição das empresas públicas, refere o artigo 10º que:
a)      as normas relativas à constituição das sociedades comerciais têm de ser respeitadas;
b)      esta depende de autorização dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças;
c)      é obrigatório que seja antecedida por um parecer prévio;
d)      devem ser fixados por despacho do membro do governo, os parâmetros de viabilidade económica e financeira da entidade a constituir e o valor actual líquido;
e)      a autorização tem de ser publicada.

As empresas públicas assumem uma das formas jurídicas mencionadas nas alíneas do artigo 13º.
Numa perspectiva geral do Decreto-lei 133/2003, é importante ter em conta as seguintes normas:
a)      as empresas públicas regem-se pelo direito privado, não obstante serem fixadas por normas excepcionais (regime retributivo e valorizações remuneratórias dos órgãos sociais e dos trabalhadores). Para além disto, cabe frisar que em matéria fiscal estão sujeitas a tributação directa e indirecta (artigo 14º);
b)      a sua actividade deve ser desenvolvida segundo a neutralidade competitiva (artigo 15º);
c)      as empresas públicas estão vinculadas ao princípio da transparência financeira (artigo 16º);
d)      os titulares dos órgãos de administração das empresas públicas detêm autonomia de gestão (artigo 25º);
e)      o controlo financeiro das empresas públicas é exercido pelo Tribunal de Contas (artigo 26º);
f)       o modelo assumido pelas empresas públicas é o da separação de funções da administração executiva e de fiscalização (artigo 30º). Os órgãos das respectivas funções são ajustados à dimensão e complexidade de cada empresa (artigo 31º);
g)      o artigo 32º regula o órgão de administração e o artigo 33º o órgão de fiscalização;
h)      a definição de função accionista está disposta no artigo 37º e o seu conteúdo e exercício no artigo 38º, sendo esta função exercida pelo membro do Governo responsável pela área das Finanças (39º/1). O titular da função accionista participa nas assembleias gerais (artigo 40º);
i)        as empresas públicas têm de respeitar a missão e os objectivos que lhe são vinculados (artigo 43º);
j)        as empresas públicas estão sujeitas aos princípios orientadores da prestação de serviço público ou de interesse económico geral, disposto no artigo 55º.

No nosso caso em concreto o diploma é aplicável à CGD, por esta se inserir no sector público empresarial do Estado.
O nosso objectivo será a transformação da sociedade de capitais integralmente públicos (100%), num modelo de sociedade de capitais mistos (50/50). Como tal, o presente Decreto-lei continua a aplicar-se, por via do artigo 1º, 2º e 3º.
Este modelo enquadra-se no artigo 7º, que regula as empresas participadas, pois o Estado detém uma participação permanente (nº2), mas não tem uma influência dominante, não se enquadrando nas alíneas do artigo 9º. Este modelo de sociedade de capitais mistos faz com que ambas as partes (publica e privada) detenham uma participação de 50% do capital social.
Para que esta transformação seja válida é necessário que não viole o disposto no artigo 10º, referente à constituição de empresas públicas no sector empresarial do Estado.
A forma jurídica assumida será uma sociedade de responsabilidade limitada (artigo 13º/a)), mais especificamente uma Sociedade Anónima, previstas no Código das Sociedades Comerciais (artigo 271º a 473º CSC).
O artigo 271º CSC regula que o capital de uma sociedade anónima é dividido em acções, deve ser constituída por um mínimo de 5 accionistas (273º CSC) e o capital social mínimo deve ser de 50 000 euros (276º CSC).

Como exemplo de um modelo de sociedade de capitais públicos e privados apresentamos o Banco Nacional da Belgica (ou Nationale Bank van België), fundado a 5 de maio de 1950.
O capital e detenção de ações desta sociedade dividem-se igualmente entre o governo de Bélgica e as ações compradas livremente no Mercado da Bolsa de Bélgica.
Salientamos ainda para o facto do Mercado da Bolsa de Bélgica ter sido, entretanto, renomeado para Euronext Brussels, onde se congregam as bolsas de Paris, Lisboa, Amesterdão e Bélgica, onde manteve a sua sede.

Posto isto, propomos que: a CGD passe a ser uma SA de Capitais Mistos, constituída por um Conselho de Administração composto por 11 membros.
Assim, o Estado continua a manter influência dominante, nos termos do art.º 9º, al. d) do DL 133/2013, visto que nomeará 6 dos 11 administradores da CGD, sendo que 1 deles será nomeado como Presidente do Conselho de Administração, e que desempata votações em caso de empate.
Os outros 50% do Capital serão alienados pelo Estado a investidores privados, em blocos de 10% de acções nos termos do artº 11º do mesmo diploma, sendo que cada 10% do capital corresponderá a um lugar no conselho de Administração.
Não conseguindo o Estado vender em blocos de 10%, os investidores que detiverem uma participação, que somada iguale a 10%, nomearão um administrador que corresponda a esse 10%. Os investidores privados nomearão um CEO para a gestão da CGD, por contrapartida do investimento realizado na mesma.

Com esta solução o Estado salvaguarda a prossecução do interesse público, na medida em que:
·         mantém um a influência dominante na CGD, através da nomeação de 6 membros do CA sendo um deles o presidente que tem critério de desempate, em caso de empate;
·         numa situação de uma futura e necessária recapitalização da CGD, o Estado só terá de ‘injectar’ metade do capital;
·         a venda das participações sociais, fará com que o Estado possa arrecadar uma receita bastante elevada;
·         a distribuição dos riscos faz com que o Estado não seja o único exposto ao mercado, fazendo com que os contribuintes sejam mais salvaguardados a um possível cenário de crise.


Bibliografia:
·         AMARAL, DIOGO FREITAS DO. Curso de Direito Administrativo, Vol.I. Coimbra: Almedina. (2015).
·         OTERO, PAULO. Manual de Direito Administrativo, Vol.I. Almedina. (2016).
·         CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA. Institucional. (2016) Disponível em: https://www.cgd.pt/Institucional/Pages/Institucional_v2.aspx.
·         http://www.historiadeportugal.info/caixa-geral-de-depositos/
·         http://150anos.dn.pt/2014/08/14/cgd-o-banco-que-ensinou-os-menos-abastados-a-poupar/
·         http://www.arqnet.pt/dicionario/juntacredito.html
·         http://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=862
·         https://pt.wikipedia.org/wiki/Caixa_Geral_de_Dep%C3%B3sitos
·         https://www.nbb.be/en/monetary-policy
·         http://stat.nbb.be/Index.aspx?DataSetCode=FINGOV&lang=en


Trabalho realizado por:
Ana Margarida Antunes, nº 24330
Beatriz Duarte Vicente Rente Antunes, nº 28264
Bernardo Samuel Lopes Martinho, nº 28267
Catarina Isabel L. Gonçalves, nº 28206
Catarina Nogueira Toscano, nº 28254
Filipa Alexandra Esteves Dias, nº 28542
Filipe Alexandre Patrício da Rosa, nº 26064
Isabel Gonçalves Vilaça, nº 28543
Madalena Gaspar Saramago, nº28241
Margarida de Albuquerque Pereira de Dias Castanheira, nº 24285
Margarida Gil Silva, nº 24421
Pedro Filipe Gomes Marçalo, nº 26135
Simona Mihai , nº 26711







[1] Segundo Freitas do Amaral: “As empresas públicas (…) estão sujeitas à intervenção do Governo, que reveste as modalidades da superintendência e da tutela.”