quarta-feira, 22 de março de 2017

Os Regulamentos Administrativos


Os regulamentos administrativos são “normas jurídicas emanadas no exercício o poder administrativo por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei[1][2].

Segundo Freitas do Amaral, os regulamentos administrativos são uma fonte secundária do Direito Administrativo; estando, então, num nível superior às normas e princípios constitucionais e à lei ordinária.
Já para Afonso R. Queiró, “os regulamentos são normas jurídicas, dimanadas de órgãos administrativos, no desempenho da função administrativa”.[3]  
Podemos dizer que o regulamento tem uma natureza normativa, isto é, os regulamentos são normas, ou seja, podemos vê-lo como regra de conduta da vida social, que detém 2 caraterísticas essenciais definidoras da norma jurídica:

·     Generalidade, isto é, o comando regulamentar aplica-se a uma pluralidade de destinatários, definidos através de critérios universais.
·      Abstração, ou seja, o comando regulamentar aplica-se a uma ou mais situações definidas pelos elementos típicos constantes da previsão normativa, ou seja, significa que regulam antes um número indeterminado de casos, hipóteses reais que venham a verificar-se no futuro.

O regulamento uma função administrativa, pode ser também exercida por pessoas coletivas públicas que não integram a Administração ou por entidades de direito privado, sendo, porém necessário uma lei habilitante – artigo 136º, nº1 CPA[4].
Devido a se tratar do exercício do poder administrativo, a atividade regulamentar é uma atividade secundária, subordinada e dependente em relação à atividade administrativa.

Podemos falar em espécies de regulamentos tendo por base 4 critérios:
1º) relação dos regulamentos administrativos face à lei;
2º) regulamentos quanto ao objeto;
3º) regulamentos quanto ao âmbito de aplicação;
4º) regulamentos quanto à proteção da sua eficácia.


1º) Em relação ao primeiro critério, este divide-se em duas espécies: os regulamentos complementares ou execução que são os regulamentos “que desenvolvem a ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei[5] e os regulamentos independentes ou autónomos são aqueles em que os órgãos administrativos definem a competência objetiva e subjetiva tendo por base uma certa liberdade de definição do conteúdo normativo, como expressão da autonomia da lei em relação à capacidade de autodeterminação de certas entidades públicas.

2º) Quanto ao objeto podemos referir três tipos de regulamentos:
-Regulamentos de organização: são aqueles que fazem uma distribuição/organização das funções e tarefas entre os vários serviços administrativos.
-Regulamentos de funcionamento: são aqueles que regulam o funcionamento da Administração Pública, isto é, que administram a vida quotidiana dos serviços públicos.
-Regulamentos de polícia: regulamentos que visam evitar danos sociais pela conduta perigosa dos indivíduos, limitando a sua liberdade individual (exemplo: regulamentos de trânsito).

3º) Relativamente ao âmbito de aplicação, os regulamentos podem ser gerais, locais e institucionais. Os regulamentos gerais são os que se aplicam em todo o território nacional e a todos os cidadãos. Os regulamentos locais são os que se referem a uma parte limitada do território nacional. E, por fim, os regulamentos institucionais são aqueles que são emanados pelos institutos públicos para serem aplicados apenas àqueles que se encontram sujeitos à sua jurisdição.

4º) No tocante aos regulamentos quanto à proteção da sua eficácia, temos os regulamentos internos e os regulamentos internos:
Regulamentos internos: aqueles que produzem efeitos jurídicos na esfera jurídica da entidade de que emanam visando assim a organização e funcionamento da administração.
- Regulamentos externos: produzem efeitos jurídicos ao nível externo, ou seja, a outros sujeitos de direito. Encontram-se mencionados no artigo 135º do CPA. 

A doutrina propõe um conjunto de critérios que nos ajudam na distinção entre regulamento e lei. Assim, temos primeiramente um critério que assenta na diferença entre princípios e pormenores, ou seja, a lei formularia princípios e os regulamentos regulariam os pormenores. Porém, nada impede que a existência de pormenores na lei e de princípios nos regulamentos.
Um outro critério é o que assenta na identidade material entre lei e regulamento, isto é, os regulamentos são leis, e tanto a lei como o regulamento são materialmente normas jurídicas, mas é no plano formal e orgânico que se pode realizar a distinção sendo que desta forma, a lei corresponde todo o ato normativo que deriva de um órgão com competência legislativa e que tenha a forma de lei; já o regulamento, corresponde a todo o ato normativo que provém de um órgão com competência regulamentar e que tenha a forma de regulamento.
Esta distinção é relevante visto que a lei, regra geral, baseia-se somente na constituição, só pode ser impugnada com fundamento na inconstitucionalidade e entre leis contrárias, uma revoga a outra. Enquanto que o regulamento necessita de lei habilitante, um regulamento ilegal é impugnável com fundamento na própria ilegalidade e, assim, um regulamento contrário a uma lei é ilegal.

Em relação à distinção entre o regulamento e o ato administrativo podemos dizer que tanto um como o outro são como “comandos jurídicos unilaterais emitidos por um órgão competente no exercício de um poder político de autoridade”. Conduto o regulamento tem caraterísticas como a generalidade e a abstração, enquanto que o ato unilateral é individual, uma vez que se reporta a uma pessoa ou um conjunto especifico de pessoas, e é concreto, pois visa uma situação determinada.
Ao nível da interpretação e integração, o regulamento segue as regras próprias da interpretação e integração das normas jurídicas; o ato administrativo tem regras especificas. Os vícios e formas de invalidade no regulamento correspondem ao modelo aplicável às leis e ao ato administrativo é aplicado o dos negócios jurídicos. Por fim, os regulamentos são considerados ilegais em quaisquer tribunais, ao passo que nos atos administrativos ocorre nos tribunais administrativos ou pelos órgãos competentes.  


Bibliografia 
-FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina, 2016.
-RODRIGUES QUEIRÓ, Afonso, Lições de Direito Administrativo, volume I, Coimbra.
- Código do Procedimento Administrativo - Porto Editora, 2016


Ana Patrícia Gonçalves, nº 26100



[1] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina, 2016, pág. 145.
[2] Artigo 135.º do CPA: “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se regulamentos administrativos as normas jurídicas gerais e abstratas que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos.”
[3] Rodrigues Queiró, Afonso, Lições de Direito Administrativo, volume I, Coimbra.
[4] Artigo 136.º, nº1 do CPA: “A emissão de regulamentos depende sempre de lei habilitante”.
[5] Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, volume II, 3ª edição, Almedina, 2016, pág. 151.



sábado, 18 de março de 2017

O Princípio da Justiça e o Princípio da Imparcialidade

O Princípio da justiça em sentido estrito, no entender do Prof. Diogo Freitas do Amaral, é um “princípio de princípios”, por outras palavras, um princípio congregador de subprincípios que têm tradução noutros princípios constitucionais, nomeadamente, no da igualdade e da proporcionalidade.
O Princípio da imparcialidade encontra-se positivado no artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo, de agora em diante, CPA: “A Administração Pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação, designadamente, considerando com objetividade todos e apenas os interesses relevantes no contexto decisório e adotando as soluções organizatórias e procedimentais indispensáveis à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.”
O princípio da imparcialidade consiste em não assumir a posição de nenhuma das partes em conflito. Neste sentido, a Administração Pública tem de tomar as suas decisões tendo por base, única e exclusivamente critérios objetivos, adequados à função em causa.
Este princípio tem duas dimensões, designadamente, a positiva e a negativa.
Segundo a dimensão positiva, a Administração tem o dever de ponderar todos os interesses privados legítimos e todos os interesses públicos considerados para a tomada de decisão, precedente à sua adoção.
Segundo a dimensão negativa, os agentes e os titulares de órgãos da Administração Pública estão impedidos de intervir em atos, procedimentos, ou contratos que digam respeito ao seu interesse pessoal ou familiar, de modo a que a imparcialidade não seja posta em causa. A não intervenção em certas matérias, com intuito de salvaguardar a imparcialidade está consagrada nos artigos 69º a 76º do CPA. O art.º 76º dispõe que são anuláveis todos os atos que tenham tido intervenção de um agente ou órgão impedido de intervir (CPA, art.º 76º, nº1); a não comunicação de situações de impedimento em que se encontre constitui falta disciplinar grave (CPA, art.º 76º, nº2). O art.º 8º, nº2 da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, prevê a perda de mandato a todos os membros de órgãos autárquicos que violem o princípio da imparcialidade.  
Da combinação das duas vertentes resulta que a Administração, no âmbito da margem de livre decisão, tem que ter em consideração e ponderar todos os interesses públicos e privados relevantes para a decisão
O legislador do CPA de 2015 determina que a Administração deve adotar, por força do princípio da imparcialidade, as “soluções organizativas e procedimentais à preservação da isenção administrativa e à confiança nessa isenção.”
O Prof. Freitas do Amaral levanta uma questão: poderemos reconduzir a noção de imparcialidade à noção de justiça? O mesmo Professor defende que o princípio da imparcialidade não corresponde a uma mera aplicação da ideia de justiça. O princípio da imparcialidade, como já vimos, impõe a proibição aos órgãos da Administração de intervir em certos procedimentos administrativos, ou tomar certas decisões com o intuito de evitar a suspeita de parcialidade. Neste sentido, um órgão da Administração pode violar as garantias de imparcialidade, por exemplo, intervindo num procedimento em que a lei proíbe a sua intervenção e, todavia, decidir de forma justa e imparcial. Assim, não podemos considerar o princípio da imparcialidade uma consequência do princípio da justiça, mas sim como a proteção da confiança na Administração Pública.
Conforme dispõe o art.º 266º/nº2 da Constituição da República Portuguesa: “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
Em suma, e de acordo com a posição do Prof. Freitas do Amaral, a intenção do princípio da imparcialidade, não é primeiramente a obtenção de decisões administrativas justas, mas sim que não existam razões para por em causa a imparcialidade dos órgãos que têm competência para a tomada de decisão.


Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo – Volume II; 2016 (3ª edição), Almedina.
REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral-Tomo I- Introdução e Princípios Fundamentais. 3ªed. Dom Quixote, 2008
Constituição da República Portuguesa e Legislação Complementar – AAFDL, 2015
Código do Procedimento Administrativo – Almedina, 2015



Madalena Rosado
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